Uncategorized

IA: Nova integrante do comitê de crise

Como a Inteligência Artificial contribui para a tomada de decisões em cenários de crise

Alexandre Moreira Nascimento

Faculty de Inteligência Artificial da Singularity University Brazil e pesquisador na Stanford Univeristy nos temas...

Compartilhar:

processo de gestão exige tomadas de decisões constantes, desde operacionais até estratégicas. A tomada de decisões sempre carrega incertezas e riscos, e a experiência com situações anteriores similares ou análogas reduz a incerteza e tende a aumentar a assertividade, mesmo que não existam dados históricos ou modelos para apoiar a tomada de decisão. Considere o diagrama que mostra a relação entre experiência e dados disponíveis numa tomada de decisão: tal situação é representada no quadrante 1 do diagrama [veja figura 1, página 23], em que a decisão é tomada por um gestor experiente. 

A disponibilidade de dados históricos de situações similares também auxilia a reduzir a incerteza da decisão, já que análises e modelos podem ser construídos a partir deles. Modelos de inteligência artificial baseados em técnicas de machine learning podem ser treinados com esses dados para oferecer um importante suporte na tomada de decisões, pois extraem dos dados informações complexas que vão além da capacidade humana de processamento [veja figura 2, página 24]. Por exemplo, uma empresa no ramo do varejo alimentício pode utilizar modelos preditivos do comportamento do consumidor em datas especiais para antecipar mudanças na demanda de seus produtos para que otimize suas decisões de compra e estoque de produtos. Tal abordagem baseada em modelos, conhecida como decision intelligence,  contribui para a redução do risco de decisões, já que suportam a tomada de decisões baseadas em evidências. 

Tal situação é representada no quadrante 2 do diagrama, no qual há disponibilidade de um gestor experiente com a situação e dados históricos de situação análoga. Nessas situações há a cocriação de valor, ou seja, uma sinergia entre inteligência artificial e gestor na criação de valor. Esse quadrante representa que a empresa está munida de recursos para uma tomada de decisão com o menor perfil de risco. Um exemplo dessa situação é a utilização de inteligência artificial para auxiliar um gestor a tomar decisões de direcionamento de esforço de sua equipe de vendas a fim de concentrar a utilização de seus recursos comerciais, como flexibilização nas condições comerciais e descontos para os clientes com o maior potencial de fechamento de negócio no quartil. E, ao mesmo tempo, evitar o desperdício de esforço e a utilização de recursos como descontos para os clientes com a menor probabilidade de fechamentos dentro do quartil. Já em situações de crise, apoiar-se em profissionais com experiência e em modelos de inteligência artificial baseados em dados de situações similares constituem boas práticas para minimizar os riscos na tomada de decisões.

O quadrante 3 do diagrama representa a situação em que há disponibilidade de dados históricos, e um modelo é usado para auxiliar um gestor inexperiente a tomar decisões diante da situação que está enfrentando. Nessas situações, as decisões tendem a ser orientadas a dados, já que são mais apoiadas em dados e modelos do que na experiência do gestor. Assim, resultados bons podem ser atingidos com graus de incerteza e de risco mais razoáveis do que seria possível com uma decisão totalmente no escuro. Esse é o caso de muitas start­ups que, mesmo contando com empreendedores inexperientes nos mercados em que atuam, utilizam dados e modelos para a tomada de decisões, obtendo vantagens competitivas.

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/a2ff0e88-8ea3-4b7e-94e8-39bf1b9347ed.jpeg)

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/aa3ef1e6-6a8d-4b29-a25d-82eab8481f11.jpeg)

**APLICAÇÃO A SITUAÇÕES SEM PRECEDENTES**

Mas e quando a situação é nova, como no caso de uma crise sem precedentes, tal qual a que estamos vivendo atualmente com a pandemia de Covid-19? Não temos experiência com situações anteriores, e nem temos dados históricos de situações semelhantes. Tal situação é representada no quadrante 4, e, esses são os cenários que oferecem o maior risco e incerteza nas decisões, já que se torna difícil a utilização de um processo de tomada de decisões baseadas em evidências. 

Além disso, nessas situações, há diversos fenômenos que emergem, como vieses cognitivos que favorecem decisões emocionais. Exemplo de decisão emocional é o efeito manada, no qual seguir o que a maioria está fazendo traz a percepção de que errar com todos é melhor do que errar sozinho. Esse viés é conhecido como aversão à perda. 

Tais decisões emocionais são baseadas no medo, já que muitas vezes contam com a falta de experiência numa situação nova e a falta de ferramentas para tomada de decisão. Infelizmente essas decisões baseadas no medo são geralmente um bom remédio para nossos egos e emoções, mas não para o resultado do negócio.

No entanto, situações de crise exigem a capacidade de racionalizar no meio do pânico e de entender a dinâmica dos sistemas complexos envolvida no contexto em que a normalidade e o bom senso deixam de governar muito dos comportamentos dos agentes. Mesmo que o gestor seja imune aos vieses cognitivos e tente tomar decisões racionais, há uma dificuldade maior em tais cenários devido ao nível elevado de incerteza e complexidade. 

Nessas situações, muitos dos frameworks existentes, que foram criados para apoiar a tomada de decisões, mostram-se inapropriados ou insuficientes. E é aí que reside a armadilha do racional, pois tais ferramentas foram desenvolvidas em outros cenários e premissas e, se aplicadas indiscriminadamente em novas situações, podem levar a decisões equivocadas.

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/24c82938-89dd-4457-99be-dbf3fd0563d7.jpeg)

**GERAÇÃO DE DADOS SINTÉTICOS**

Mas então como utilizar inteligência artificial para apoiar tomadas de decisões com inexistência de dados históricos para treinar modelos de machine learning? A resposta é: por meio da geração de dados sintéticos. Tal abordagem permite que dados sejam criados sinteticamente e possam informar modelos decisórios e treinar modelos de inteligência artificial. Assim, decisões fundamentadas podem ser tomadas com maior confiabilidade e menor viés cognitivo e emocional (figura 3). Recentemente essa estratégia deixou de ser exclusividade dos ambientes de pesquisa e passou a ser adotada por empresas. 

Diversos negócios já estão colhendo os benefícios de utilizar geração de dados sintéticos na tomada de decisões e na inovação de produtos e serviços. De fato, a abordagem também permite que, mesmo em momentos de grande incerteza, empresas testem e validem suas inovações por meio da análise de centenas de milhares a milhões de cenários de go-to-market (GTM), permitindo identificar aqueles que maximizam seus resultados e geram diferenciais competitivos. Com tal abordagem, é possível uma empresa se deslocar, dependendo do grau de experiência de seu gestor com a situação, de uma posição de bastante experiência e poucos dados (quadrante 1) para uma posição com bastante experiência e muitos dados (quadrante 2), ou  ainda, da posição de pouca experiência e poucos dados (quadrante 4) para uma posição com ainda pouca experiência, mas com mais dados que suportem as suas decisões (quadrante 3). Em suma, é possível reduzir a incerteza num processo de tomada de decisão. 

Em 2019, uma grande empresa no setor de tecnologia desejava inovar criando uma solução para controle de tráfego de veículos autônomos, visando a otimização do tráfego para maior fluidez e elevados níveis de segurança. Ou seja, a empresa desejava criar uma solução para um cenário ainda não existente. Para isso, um conjunto de simuladores e ferramentas foram desenvolvidos para simular tal cenário, para que a empresa pudesse validar a tese de seu produto, desenvolver um protótipo inicial, testar sua efetividade, e, com isso, tomar as decisões associadas a estratégias do produto. Um conjunto de simuladores sustentaram a criação de dados sintéticos para a geração de modelos de machine learning que viabilizaram as tomadas de decisões com mais convicção. 

Recentemente, uma empresa do setor de varejo decidiu apostar nesse tipo de solução para otimizar seu negócio. Como resultado, conseguiu racionalizar decisões ligadas a pedidos de compra, gestão de estoque, estratégia de precificação, entrega e fabricação de produtos com uma acurácia muito superior ao processo anterior, aumentando significativamente sua margem e seu faturamento.

**VANTAGENS OBSERVADAS**

Há diversos benefícios na utilização dessa abordagem. O risco e o custo são menores do que pilotos em mercados testes, por exemplo, bem como suportam a tomada de decisão com mais acurácia, pois trazem redução de risco e do grau de incerteza. Além disso, em situações complexas, há uma probabilidade de surgimento de situações difíceis de serem antecipadas. Tais situações são conhecidas em teoria dos sistemas como comportamentos emergentes, e são o resultado de uma complexa interação entre as partes participantes de um ambiente, como, por exemplo, o de negócios. Assim, quando tais situações aparecem nos dados sintéticos, elas podem ser percebidas pelos gestores, que podem aprender a lidar com tais elementos-surpresa antes que os mesmos ocorram na vida real. 

Aplicações muito interessantes são possíveis com a técnica, tais como a utilização de inteligência artificial para encontrar ações para maximização ou minimização de variáveis utilizando dados sintéticos, a criação automática de conjuntos de políticas que permitem redução de custos, de prazos ou ainda aumento de margem ou de receita. Somado a isso, há o grande valor de tal abordagem ser utilizada como uma ferramenta para a conversão sistemática de ameaças em oportunidades a partir de uma atitude proativa da empresa em explorar oportunidades escondidas nas crises.

Considere, por exemplo, o cenário atual. Há muitas oportunidades, como no varejo online e em toda a cadeia alimentar de fornecimento. Outras não tão aparentes, e nesse caso a utilização de IA com dados sintéticos pode abrir caminho para validações de oportunidades de mercado com riscos reduzidos, permitindo às empresas explorar oportunidades em momentos de elevada incerteza. 

Por fim, o que ocorrerá depois que a pandemia for controlada? Como cada ambiente de negócios se comportará no curto e no médio prazo? Será diferente no caso da existência de uma vacina para a prevenção, ou no caso de uma medicação para remediação? Como cada mercado será impactado? Nesse tipo de situação com uma explosão combinatória de cenários e em que há complexas interações entre múltiplos agentes, a utilização de geração de dados sintéticos para alimentar modelos de IA pode se tornar uma ferramenta muito valiosa no apoio à tomada de decisões, bem como permitir que a empresa saia fortalecida perante seus concorrentes.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Segredos para um bom processo de discovery

Com a evolução da agenda de transformação digital e a adoção de metodologias ágeis, as empresas se viram frente ao desafio de gerar ideias, explorar

Sim, a antropologia é “as a service”

Como o ferramental dessa ciência se bem aplicado e conectado em momentos decisivos de projetos transforma o resultado de jornadas do consumidor e clientes, passando por lançamento de produtos ou até de calibragem de público-alvo.

Sua empresa pratica o carewashing?

Uma empresa contrata uma palestra de gerenciamento de tempo para melhorar o bem-estar das pessoas. Durante o workshop, os participantes recebem um e-mail da liderança