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E quando bater uma sensação de abandono ou medo de ser esquecido?

Marcelo Nóbrega

Marcelo Nóbrega é especialista em Inovação e Tecnologia em Gestão de Pessoas. Após 30 anos...

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Durante os meus dois primeiros meses de sabático, estive tão ou mais ocupado do que quando precisava me reportar regularmente a um escritório. Minha agenda continuou bem intensa e com o mesmo jeitão: projetos, reuniões, aulas, palestras, viagens, eventos, encontros de negócios e conversas diversas. Mudaram os espaços e as pessoas ….

Mas espera lá! ‘Enjoying life, family and friends’ dizia o meu Linkedin?! E a família, amigos, colegas e parceiros comentando o quão ocupado eu parecia estar e me perguntando: “Você está empreendendo?”, “Já se recolocou?”, “Não era pra dar um tempo?”.  Quando a Daniela me deu uma dura, falando que então eu apagasse o tagline na mídia social, parei para refletir. Acho que eu queria tudo isso e nada disso ao mesmo tempo. 

Quase tudo saíra como eu havia planejado e, puxa, deu até um certo orgulho. Só que na hora de devolver o crachá no departamento de pessoal, veio um vazio esquisito, como se parte da minha identidade tivesse ficado grudada naquele maldito cartão de identificação. Eu nunca pensei, um dia, nutrir carinho por aquela foto 3X4 horrorosa que me acompanhou, de um lado para outro, durante tempos. Usava até fora da empresa. Aliás, nunca imaginei sentir emoções tão conflitantes naquele desembarque do mundo corporativo. Portas em automático…

_Será que o sabático está sob sério risco?_

Não necessariamente. A verdade é que sentimentos sempre fogem ao script, seja em decisões na vida pessoal ou profissional. Trocar de emprego ou dar uma parada na carreira são episódios que costumam nos pôr em teste – inclusive nas nossas pretensas certezas – por mais planejamento que haja. É a famosa “hora do vamos ver”, quando é fácil se pegar dizendo: “Nossa, o que foi que eu fiz?!”

Porque, depois do plano em execução, no momento em que se recolhe os pertences nas gavetas e se dá adeus aos colegas, a gente começa a prestar mais atenção àquilo que está perdendo. Vai entender o ser humano!

No meu caso, **deixar o meu time foi a perda mais difícil**. Em especial quando os meses que antecedem a saída viram uma agenda de despedidas afetuosas, generosas. Difícil não balançar. E que privilégio deixar para trás um ambiente de trabalho dividido entre a alegria pelo que me esperava e tristeza pelo que ficava. Mais uma grande contribuição para enriquecer o repertório de vida – ou, como você já deve ter me ouvido falar em algum artigo ou palestra, mais um item para incluir no cinto de utilidades à la Batman.

E isso é só o começo. Na sequência, enquanto você ainda está administrando essa profusão de sentimentos dúbios, o mundo trata de te dar mais uma chacoalhada. Você acorda no dia seguinte, sem carro da empresa, sem secretária, sem mordomias, sem as bajulações. Celular? Mudinho da Silva. Você dá até uma conferida para ver se não é problema com o aparelho ou com a operadora. Mensagens por aplicativo escasseiam na mesma proporção em que os e-mails com convites para eventos. 

Bate aquele sentimento de rejeição. Você não é mais como um outdoor de Vegas com o sobrenome corporativo piscando na testa. Mas, vai por mim, nada mais revelador. Joio do trigo, sabe? **E o desapego é parte do processo de aprendizagem, apesar de ser um negócio difícil até para monge.**

_Quanto preparo psicológico, hein, Marcelo?_

Que nada! Se você perguntar como me planejei para a transformação que me permitiu tirar um sabático, eu posso sentar com você e ficar horas falando do passo a passo (isso é apenas figura de linguagem, pois não consigo falar horas sobre tema algum!). 

Eu contaria todos os meus cuidados em relação à família e às finanças – que, nessa ordem, devem ser as partes de maior atenção para quem é aspirante a um sabático. Falaria sobre como essa ideia de dar uma parada na carreira começou a tomar forma ainda na faculdade, inspirada pela provocação de um professor, e como ela se fortaleceu na convivência com dois grandes executivos em multinacionais pelas quais passei.

De novo: que nada! Lembra da minha agenda cheia? Pura necessidade de autoafirmação e de me sentir útil. Ainda não consegui passar um dia inteiro em casa sem fazer nada, sem ter um objetivo a cumprir ou uma longa lista de tarefas a realizar. Talvez nunca consiga!

Não mudei a tagline, mas mudei a atitude. Estou deixando espaços em branco (repare: em branco, não vazios) na minha agenda para realmente curtir a vida, a família e os amigos. Estou resgatando antigos hobbies, promovendo reencontros de velhos amigos, fazendo supermercado, preparando o meu almoço ou dando uma volta pela vizinhança. Esse rebalanceamento me permitiu uma constatação reveladora: **existe vida fora dos escritórios…**

Por isso tudo, há um ponto que admito que consideraria fazer diferente: ter um profissional me ajudando nesse preparo psicológico. Hoje, se voltasse atrás, eu teria contratado, no momento da decisão, um coach para me acompanhar na jornada e ajudar a prever, mais à frente, as armadilhas que seriam jogadas pelo meu caminho – em especial por mim mesmo. Acredito que curtiria ainda mais as revelações diuturnas dessa caminhada desafiadora de ser um ex-crachado.

Saudações sabaticosas! (com tantos neologismos por aí, resolvi também criar os meus).

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Marcelo Nóbrega

Marcelo Nóbrega é especialista em Inovação e Tecnologia em Gestão de Pessoas. Após 30 anos...

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