Marketing e vendas, Tecnologia e inovação
0 min de leitura

A ASCENSÃO DO BRANDING

Diante das demandas cada vez mais específicas e segmentadas do mercado, muitas empresas realinham suas estratégias para se posicionar com base em um instrumento de gestão mais eficaz: o branding

Compartilhar:

Há alguma coisa de diferente no reino do marketing. O conceito de “branding” costumava traduzir o trabalho de construção, consolidação e fortalecimento de uma marca e era uma das ferramentas que o departamento de marketing tinha à disposição – em geral, vinculada às agências de comunicação e design. 

Com o tempo, veio se aproximando da alta gerência e, agora, em um número crescente de empresas, alinha-se mais com a cultura da organização, sua gestão e sua estratégia de negócios. “Hoje o branding é visto pela ótica da estratégia e da gestão da empresa”, explica Maximiliano Bavaresco, fundador e CEO da consultoria Sonne. 

Em outras palavras, se o branding estava sob o chapéu do marketing, agora, cada vez mais, é o marketing que está sob o branding. Como a virada aconteceu? Simples. À medida que as tecnologias progrediram, a concorrência aumentou e o consumidor se empoderou, as práticas de marketing tradicionais – do planejamento à operação, incluindo os famosos 4 Ps – ficaram insuficientes como soluções para os problemas organizacionais. 

“O branding enfim passou a ser percebido como o mecanismo abrangente e poderoso que sempre foi”, explica Jaime Troiano, CEO da Troiano Branding. “O branding está no centro da estratégia corporativa; é fundamental para comunicar valor aos consumidores”, ressalta Jonathan Levav, professor da escola de negócios de Stanford e especialista no assunto. 

A construção de marca naturalmente difere de todos os outros processos de marketing por não ser tão orientada ao consumidor. É amplamente aceito que, em vez de tomar como base as vontades dos clientes, como se faz, por exemplo, na divulgação, o branding tem de ser fomentado de dentro para fora. 

Começa com um trabalho de inteligência que leva em conta primeiro os executivos da companhia, depois os colaboradores e acionistas – já que as iniciativas de branding obrigatoriamente farão parte das reuniões do conselho de administração que os representa – e por fim chega a consumidores, fornecedores e concorrentes. 

Captando o que pensam e como se comportam todos esses stakeholders, o processo de branding pretende captar de maneira assertiva a essência da marca em questão e, por tabela, como ela pode satisfazer as diferentes demandas do mercado. Das várias percepções e preferências coletadas nesse trabalho de inteligência, surgirão os insights que levarão à estratégia, e é esta que, de fato, guiará a empresa. Dito assim, parece óbvio, não? Era questão de tempo que o branding fosse percebido como algo maior do que o marketing, aproximando-se mais da cultura, da gestão e da estratégia. 

“O fato é que, no mundo atual, as marcas precisam ser construídas coletivamente, com base nos inúmeros conhecimentos adquiridos; não podem mais ser impositivas”, resume Marco Tulio Zanini, diretor da Symballein Educação Executiva e coordenador do mestrado em gestão empresarial da Fundação Getulio Vargas (FGV). Privilegiar o branding não ajuda a empresa só a reverter números ruins. E, em última instância, a construção coletiva “marca” é capaz de gerar a construção coletiva “empresa”. 

Uma história real pode ajudar a materializar esse conceito fortalecido de branding. 

**O CASO MEDCEL**

Em 2015, os executivos da Medcel, empresa de cursos preparatórios de medicina, levaram um susto com as projeções financeiras para o ano. Março nem bem havia acabado e tudo indicava que o exercício terminaria com uma queda de até 20% no faturamento – algo inesperado para uma empresa que, por uma década, continuamente emplacara taxas de crescimento anual de 10% a 15% nas vendas. 

As soluções pareciam ser demitir funcionários, reduzir investimentos e rolar dívidas para cortar custos ou fazer um marketing bem mais agressivo para vender mais, com distribuição e precificação audaciosas e muita divulgação. 

A empresa optou por mexer no marketing, mas teve uma surpresa. Era preciso substituir a mais tradicional visão marketeira por uma visão de branding. “O que descobrimos foi que nossa marca e nossa estratégia precisavam ser reposicionadas”, afirma Julio De Angeli, seu CEO. 

A consultoria Sonne aplicou na Medcel uma metodologia em que o branding condiciona a estratégia, uma espécie de “versão 2.0” da famosa análise SWOT. Além de identificar forças, fraquezas, oportunidades e ameaças à marca, a metodologia cruza os dados identificados e lança luz sobre as ações necessárias para que a empresa supere ou neutralize suas fraquezas [leia mais no quadro abaixo], que são organizadas em projetos. 

Com essa análise SWOT avançada e a aplicação de outras ferramentas de branding, os gestores da Medcel perceberam que, para voltar a crescer, a empresa tinha de diversificar suas fontes de receita. Sua estratégia foi reestruturada, então, em quatro grandes projetos: 1) gestão; 2) business plan; 3) redefinição da marca; e 4) comunicação interna e externa. O planejamento estratégico envolveu todas as áreas de atuação, indo desde o portfólio de negócios até a forma de administrar, desde o design até a maneira como a marca era exposta na mídia. E o resultado? Em vez de se apresentar como uma empresa de capacitação para iniciantes, a Medcel passou a valorizar toda a carreira de seus clientes, buscando um relacionamento sólido de longo prazo com eles. “Agora, nossa plataforma acompanha o médico desde antes da formação, durante a faculdade, na residência e nas especializações, até chegar à aposentadoria”, explica De Angeli. “Trata-se de um mercado bem maior do que aquele que tínhamos.” 

A mudança foi expressiva, mensurável e rápida. Em vez de cair os previstos 20%, o faturamento subiu 70% ainda em 2015, segundo a Medcel. No ano seguinte, a empresa se manteve em alta rotação. De quebra, atraiu a atenção da Bozano Investimentos, fundo de private equity que adquiriu 35% de seu capital. 

**MATRIZ SWOT 2.0**

**Mais do que identificar forças, fraquezas, ameaças e oportunidades, a matriz cruza as quatro informações para sugerir as linhas de ação necessárias de acordo com cada combinação:**

**![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/e3e020d8-4302-4cc2-ac3a-184b28154db2.jpeg)**

**MARKETING VELHO OU NOVO?**

Pode-se dizer que dos avanços tecnológicos à ascensão do branding foi um pulo. Afinal, a internet deu poder ao consumidor e sugou boa parte das verbas de publicidade. “Com a internet, é a Lei de Darwin – adapte-se ou morra – e o branding guia essa transformação”, observa Tiago Guimarães, diretor da Thymus Branding. A tecnologia que embute essas ameaças, contudo, também abre novas oportunidades, como a de acompanhar, em tempo real, como as marcas estão se posicionando em relação aos diferentes grupos de stakeholders – possibilidade que amplia os horizontes do branding. 

Além disso, a tecnologia foi responsável pela commoditização atual, por facilitar a cópia de produtos, que aumentou a relevância do branding. Se há muita semelhança técnica de grande parte dos produtos fabricados ou serviços oferecidos atualmente, a marca é que os distingue. “Veja os bancos, as montadoras de veículos, as fabricantes de cerveja: existem inúmeras marcas, mas todos os produtos se parecem muito”, destaca Troiano. Essas similitudes, segundo ele, obrigam as marcas a pensar estratégias capazes de distingui-las não só pela retórica, como principalmente pelo valor percebido. Na prática, é a reputação que acaba dando as cartas nesse jogo. 

No entanto, ao mesmo tempo que a mudança atual é um consenso, alguns especialistas preferem continuar a falar em marketing, e não em branding. “O que existe é um novo marketing, alcunha que vem da grande transformação pela qual o mercado passou nos últimos anos e que obrigou o marketing a se reinventar”, explica Zanini. Já Bavaresco crê que agora temos o velho marketing de volta, uma retomada das origens. “Haviam simplificado os conceitos originais – aqueles criados e popularizados por Philip Kotler –, como se o marketing fosse só um setor de comunicação que faz post, fôlder e evento, ignorando todo o repertório de ferramentas de construção de marca, posicionamento e logística que está nos livros antigos. E agora se vê um resgate”, opina o CEO da Sonne. 

Marketing velho, marketing novo ou branding, não importa; a nova e evidente fase é definida pela marca como elemento central da organização e de suas estratégias de relacionamento com o mercado. Mais e mais empresas entendem que, antes mesmo de definir ações promocionais, comerciais ou de canais, precisam ter um modelo que trabalhe a identidade da marca, além de um processo estruturado de comunicação e de relacionamento. “É evidente que as estratégias clássicas seguem importantes, mas todos sabem que, hoje, elas não bastam”, observa Troiano. 

**CULTURA E PROPÓSITO**

Entre os clientes da Troiano Branding, por exemplo, está a Riachuelo. Ao longo de seis décadas de existência, a varejista penou com as significativas mudanças do segmento de moda e caiu em uma espécie de limbo. Suas prateleiras estavam abarrotadas de roupas muito parecidas e, até 2012, a rede nem sequer investia em propaganda. Faltava um propósito, uma razão de ser para a Riachuelo chamar a atenção e voltar a ganhar mercado. 

Operando com uma metodologia própria, batizada de 4 Is (investigação, incubação, iluminação e ilustração), a Troiano identificou os principais pilares da chamada “cultura Riachuelo”, e entrou em cena a ideia-síntese do “abraço da moda”. 

Para garantir que a mensagem chegasse aos stakeholders de modo convincente, foi preciso mais do que um novo conceito. O objetivo era inovar a experiência de compra – com lojas diferentes, colaboradores engajados e, principalmente, clientes fiéis. E, para isso, foi necessário mudar a gestão. O primeiro passo foi dado em direção aos funcionários. Depois, as quase 300 lojas passaram por uma renovação geral no mobiliário. A rotatividade de peças também aumentou. 

**POR ONDE COMEÇAR**

Jaime Troiano, CEO da Troiano Branding, elenca pontos relevantes para que o branding influa na estratégia e na gestão:

 **PESQUISAR** 

Analise a empresa de acordo com seus diversos públicos – clientes, fornecedores, investidores, concorrentes e, especialmente, funcionários, que são os principais apóstolos da marca.

**SIGNIFICAR** 

Com base nas pesquisas, entenda a razão de ser da marca. Saiba para onde ela vai e qual é seu significado maior. Pergunte-se: “O que a comunidade perderia se minha empresa desaparecesse amanhã?”.

**CRESCER**

Crie uma estratégia para se projetar no mercado. Incremente sua capacidade de gerar negócios, seja com reposicionamento, inovação ou diversificação de portfólio. Encontre o valor de sua marca.

**ACONTECER**

Garanta que os projetos aconteçam. Fiscalize todas as pontas do negócio para manter os planos em constância e sinergia, evitando que sua reputação seja manchada por uma ação isolada.

Na mídia, ícones da moda passaram a estampar suas campanhas e suas coleções. Resultado? Praticamente uma nova empresa – hoje, a Riachuelo disputa a liderança do setor, dividida entre Renner e C&A. 

Um dos pioneiros e mais emblemáticos cases de branding no Brasil, o do Banco Real, teve o propósito como peça-chave. Em 1998, de fusão acertada com o holandês ABN Amro, a instituição financeira contratou a Thymus Branding para criar um valor único com a chegada da nova marca. Decidiu-se, então, associar-se a temáticas ambientais – algo que, na época, soava estranho para um banco. “Começamos a pensar a sustentabilidade não como prestação de contas, mas como desenvolvimento”, relembra Tiago Guimarães, da Thymus. 

Além de instaurar o uso de papel reciclado no dia a dia, o Banco Real treinou 1,5 mil gerentes de agências para levarem em conta questões ambientais ao conceder crédito. O banco também criou um fundo para incentivar outras organizações a abraçar a causa, além de um programa de microcrédito direcionado a populações carentes. Assim, o Real se tornou referência em sustentabilidade em um setor que, historicamente, era acusado de negligenciar qualquer coisa que fosse além dos números. Importante: propósito requer crítica. “O segredo é ter visão crítica e traduzir isso em um jeito de ser”, opina Guimarães. 

**PODER DE TRANSCENDER**

Neste século 21, as marcas têm, pela primeira vez na história, a possibilidade da transcendência, pela proximidade com a gestão: além de um logo bonito ou uma proposta de venda charmosa, elas se expressam na maneira como o telefone é atendido, no desenho da loja ou até mesmo na aparência do caminhão que transporta a mercadoria. Tudo é branding, uma vez que estratégia e gestão seguem a marca. 

Quais os efeitos práticos disso? A perda de clientes vira uma fonte de aprendizado crucial, a retenção se torna a mais valiosa das métricas de desempenho e o marketing digital é vantagem competitiva, como este Dossiê mostra a seguir.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Sua empresa pratica o carewashing?

Uma empresa contrata uma palestra de gerenciamento de tempo para melhorar o bem-estar das pessoas. Durante o workshop, os participantes recebem um e-mail da liderança