Marketing e vendas, Tecnologia e inovação

A ASCENSÃO DO BRANDING

Diante das demandas cada vez mais específicas e segmentadas do mercado, muitas empresas realinham suas estratégias para se posicionar com base em um instrumento de gestão mais eficaz: o branding

Compartilhar:

Há alguma coisa de diferente no reino do marketing. O conceito de “branding” costumava traduzir o trabalho de construção, consolidação e fortalecimento de uma marca e era uma das ferramentas que o departamento de marketing tinha à disposição – em geral, vinculada às agências de comunicação e design. 

Com o tempo, veio se aproximando da alta gerência e, agora, em um número crescente de empresas, alinha-se mais com a cultura da organização, sua gestão e sua estratégia de negócios. “Hoje o branding é visto pela ótica da estratégia e da gestão da empresa”, explica Maximiliano Bavaresco, fundador e CEO da consultoria Sonne. 

Em outras palavras, se o branding estava sob o chapéu do marketing, agora, cada vez mais, é o marketing que está sob o branding. Como a virada aconteceu? Simples. À medida que as tecnologias progrediram, a concorrência aumentou e o consumidor se empoderou, as práticas de marketing tradicionais – do planejamento à operação, incluindo os famosos 4 Ps – ficaram insuficientes como soluções para os problemas organizacionais. 

“O branding enfim passou a ser percebido como o mecanismo abrangente e poderoso que sempre foi”, explica Jaime Troiano, CEO da Troiano Branding. “O branding está no centro da estratégia corporativa; é fundamental para comunicar valor aos consumidores”, ressalta Jonathan Levav, professor da escola de negócios de Stanford e especialista no assunto. 

A construção de marca naturalmente difere de todos os outros processos de marketing por não ser tão orientada ao consumidor. É amplamente aceito que, em vez de tomar como base as vontades dos clientes, como se faz, por exemplo, na divulgação, o branding tem de ser fomentado de dentro para fora. 

Começa com um trabalho de inteligência que leva em conta primeiro os executivos da companhia, depois os colaboradores e acionistas – já que as iniciativas de branding obrigatoriamente farão parte das reuniões do conselho de administração que os representa – e por fim chega a consumidores, fornecedores e concorrentes. 

Captando o que pensam e como se comportam todos esses stakeholders, o processo de branding pretende captar de maneira assertiva a essência da marca em questão e, por tabela, como ela pode satisfazer as diferentes demandas do mercado. Das várias percepções e preferências coletadas nesse trabalho de inteligência, surgirão os insights que levarão à estratégia, e é esta que, de fato, guiará a empresa. Dito assim, parece óbvio, não? Era questão de tempo que o branding fosse percebido como algo maior do que o marketing, aproximando-se mais da cultura, da gestão e da estratégia. 

“O fato é que, no mundo atual, as marcas precisam ser construídas coletivamente, com base nos inúmeros conhecimentos adquiridos; não podem mais ser impositivas”, resume Marco Tulio Zanini, diretor da Symballein Educação Executiva e coordenador do mestrado em gestão empresarial da Fundação Getulio Vargas (FGV). Privilegiar o branding não ajuda a empresa só a reverter números ruins. E, em última instância, a construção coletiva “marca” é capaz de gerar a construção coletiva “empresa”. 

Uma história real pode ajudar a materializar esse conceito fortalecido de branding. 

**O CASO MEDCEL**

Em 2015, os executivos da Medcel, empresa de cursos preparatórios de medicina, levaram um susto com as projeções financeiras para o ano. Março nem bem havia acabado e tudo indicava que o exercício terminaria com uma queda de até 20% no faturamento – algo inesperado para uma empresa que, por uma década, continuamente emplacara taxas de crescimento anual de 10% a 15% nas vendas. 

As soluções pareciam ser demitir funcionários, reduzir investimentos e rolar dívidas para cortar custos ou fazer um marketing bem mais agressivo para vender mais, com distribuição e precificação audaciosas e muita divulgação. 

A empresa optou por mexer no marketing, mas teve uma surpresa. Era preciso substituir a mais tradicional visão marketeira por uma visão de branding. “O que descobrimos foi que nossa marca e nossa estratégia precisavam ser reposicionadas”, afirma Julio De Angeli, seu CEO. 

A consultoria Sonne aplicou na Medcel uma metodologia em que o branding condiciona a estratégia, uma espécie de “versão 2.0” da famosa análise SWOT. Além de identificar forças, fraquezas, oportunidades e ameaças à marca, a metodologia cruza os dados identificados e lança luz sobre as ações necessárias para que a empresa supere ou neutralize suas fraquezas [leia mais no quadro abaixo], que são organizadas em projetos. 

Com essa análise SWOT avançada e a aplicação de outras ferramentas de branding, os gestores da Medcel perceberam que, para voltar a crescer, a empresa tinha de diversificar suas fontes de receita. Sua estratégia foi reestruturada, então, em quatro grandes projetos: 1) gestão; 2) business plan; 3) redefinição da marca; e 4) comunicação interna e externa. O planejamento estratégico envolveu todas as áreas de atuação, indo desde o portfólio de negócios até a forma de administrar, desde o design até a maneira como a marca era exposta na mídia. E o resultado? Em vez de se apresentar como uma empresa de capacitação para iniciantes, a Medcel passou a valorizar toda a carreira de seus clientes, buscando um relacionamento sólido de longo prazo com eles. “Agora, nossa plataforma acompanha o médico desde antes da formação, durante a faculdade, na residência e nas especializações, até chegar à aposentadoria”, explica De Angeli. “Trata-se de um mercado bem maior do que aquele que tínhamos.” 

A mudança foi expressiva, mensurável e rápida. Em vez de cair os previstos 20%, o faturamento subiu 70% ainda em 2015, segundo a Medcel. No ano seguinte, a empresa se manteve em alta rotação. De quebra, atraiu a atenção da Bozano Investimentos, fundo de private equity que adquiriu 35% de seu capital. 

**MATRIZ SWOT 2.0**

**Mais do que identificar forças, fraquezas, ameaças e oportunidades, a matriz cruza as quatro informações para sugerir as linhas de ação necessárias de acordo com cada combinação:**

**![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/e3e020d8-4302-4cc2-ac3a-184b28154db2.jpeg)**

**MARKETING VELHO OU NOVO?**

Pode-se dizer que dos avanços tecnológicos à ascensão do branding foi um pulo. Afinal, a internet deu poder ao consumidor e sugou boa parte das verbas de publicidade. “Com a internet, é a Lei de Darwin – adapte-se ou morra – e o branding guia essa transformação”, observa Tiago Guimarães, diretor da Thymus Branding. A tecnologia que embute essas ameaças, contudo, também abre novas oportunidades, como a de acompanhar, em tempo real, como as marcas estão se posicionando em relação aos diferentes grupos de stakeholders – possibilidade que amplia os horizontes do branding. 

Além disso, a tecnologia foi responsável pela commoditização atual, por facilitar a cópia de produtos, que aumentou a relevância do branding. Se há muita semelhança técnica de grande parte dos produtos fabricados ou serviços oferecidos atualmente, a marca é que os distingue. “Veja os bancos, as montadoras de veículos, as fabricantes de cerveja: existem inúmeras marcas, mas todos os produtos se parecem muito”, destaca Troiano. Essas similitudes, segundo ele, obrigam as marcas a pensar estratégias capazes de distingui-las não só pela retórica, como principalmente pelo valor percebido. Na prática, é a reputação que acaba dando as cartas nesse jogo. 

No entanto, ao mesmo tempo que a mudança atual é um consenso, alguns especialistas preferem continuar a falar em marketing, e não em branding. “O que existe é um novo marketing, alcunha que vem da grande transformação pela qual o mercado passou nos últimos anos e que obrigou o marketing a se reinventar”, explica Zanini. Já Bavaresco crê que agora temos o velho marketing de volta, uma retomada das origens. “Haviam simplificado os conceitos originais – aqueles criados e popularizados por Philip Kotler –, como se o marketing fosse só um setor de comunicação que faz post, fôlder e evento, ignorando todo o repertório de ferramentas de construção de marca, posicionamento e logística que está nos livros antigos. E agora se vê um resgate”, opina o CEO da Sonne. 

Marketing velho, marketing novo ou branding, não importa; a nova e evidente fase é definida pela marca como elemento central da organização e de suas estratégias de relacionamento com o mercado. Mais e mais empresas entendem que, antes mesmo de definir ações promocionais, comerciais ou de canais, precisam ter um modelo que trabalhe a identidade da marca, além de um processo estruturado de comunicação e de relacionamento. “É evidente que as estratégias clássicas seguem importantes, mas todos sabem que, hoje, elas não bastam”, observa Troiano. 

**CULTURA E PROPÓSITO**

Entre os clientes da Troiano Branding, por exemplo, está a Riachuelo. Ao longo de seis décadas de existência, a varejista penou com as significativas mudanças do segmento de moda e caiu em uma espécie de limbo. Suas prateleiras estavam abarrotadas de roupas muito parecidas e, até 2012, a rede nem sequer investia em propaganda. Faltava um propósito, uma razão de ser para a Riachuelo chamar a atenção e voltar a ganhar mercado. 

Operando com uma metodologia própria, batizada de 4 Is (investigação, incubação, iluminação e ilustração), a Troiano identificou os principais pilares da chamada “cultura Riachuelo”, e entrou em cena a ideia-síntese do “abraço da moda”. 

Para garantir que a mensagem chegasse aos stakeholders de modo convincente, foi preciso mais do que um novo conceito. O objetivo era inovar a experiência de compra – com lojas diferentes, colaboradores engajados e, principalmente, clientes fiéis. E, para isso, foi necessário mudar a gestão. O primeiro passo foi dado em direção aos funcionários. Depois, as quase 300 lojas passaram por uma renovação geral no mobiliário. A rotatividade de peças também aumentou. 

**POR ONDE COMEÇAR**

Jaime Troiano, CEO da Troiano Branding, elenca pontos relevantes para que o branding influa na estratégia e na gestão:

 **PESQUISAR** 

Analise a empresa de acordo com seus diversos públicos – clientes, fornecedores, investidores, concorrentes e, especialmente, funcionários, que são os principais apóstolos da marca.

**SIGNIFICAR** 

Com base nas pesquisas, entenda a razão de ser da marca. Saiba para onde ela vai e qual é seu significado maior. Pergunte-se: “O que a comunidade perderia se minha empresa desaparecesse amanhã?”.

**CRESCER**

Crie uma estratégia para se projetar no mercado. Incremente sua capacidade de gerar negócios, seja com reposicionamento, inovação ou diversificação de portfólio. Encontre o valor de sua marca.

**ACONTECER**

Garanta que os projetos aconteçam. Fiscalize todas as pontas do negócio para manter os planos em constância e sinergia, evitando que sua reputação seja manchada por uma ação isolada.

Na mídia, ícones da moda passaram a estampar suas campanhas e suas coleções. Resultado? Praticamente uma nova empresa – hoje, a Riachuelo disputa a liderança do setor, dividida entre Renner e C&A. 

Um dos pioneiros e mais emblemáticos cases de branding no Brasil, o do Banco Real, teve o propósito como peça-chave. Em 1998, de fusão acertada com o holandês ABN Amro, a instituição financeira contratou a Thymus Branding para criar um valor único com a chegada da nova marca. Decidiu-se, então, associar-se a temáticas ambientais – algo que, na época, soava estranho para um banco. “Começamos a pensar a sustentabilidade não como prestação de contas, mas como desenvolvimento”, relembra Tiago Guimarães, da Thymus. 

Além de instaurar o uso de papel reciclado no dia a dia, o Banco Real treinou 1,5 mil gerentes de agências para levarem em conta questões ambientais ao conceder crédito. O banco também criou um fundo para incentivar outras organizações a abraçar a causa, além de um programa de microcrédito direcionado a populações carentes. Assim, o Real se tornou referência em sustentabilidade em um setor que, historicamente, era acusado de negligenciar qualquer coisa que fosse além dos números. Importante: propósito requer crítica. “O segredo é ter visão crítica e traduzir isso em um jeito de ser”, opina Guimarães. 

**PODER DE TRANSCENDER**

Neste século 21, as marcas têm, pela primeira vez na história, a possibilidade da transcendência, pela proximidade com a gestão: além de um logo bonito ou uma proposta de venda charmosa, elas se expressam na maneira como o telefone é atendido, no desenho da loja ou até mesmo na aparência do caminhão que transporta a mercadoria. Tudo é branding, uma vez que estratégia e gestão seguem a marca. 

Quais os efeitos práticos disso? A perda de clientes vira uma fonte de aprendizado crucial, a retenção se torna a mais valiosa das métricas de desempenho e o marketing digital é vantagem competitiva, como este Dossiê mostra a seguir.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

Uncategorized
Há alguns anos, o modelo de capitalismo praticado no Brasil era saudado como um novo e promissor caminho para o mundo. Com os recentes desdobramentos e a mudança de cenário para a economia mundial, amplia-se a percepção de que o modelo precisa de ajustes que maximizem seus aspectos positivos e minimizem seus riscos

Sérgio Lazzarini

Gestão de Pessoas
Os resultados só chegam a partir das interações e das produções realizadas por pessoas. A estreia da coluna de Karen Monterlei, CEO da Humanecer, chega com provocações intergeracionais e perspectivas tomadas como normais.

Karen Monterlei

Liderança, times e cultura, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
Entenda como utilizar a metodologia DISC em quatro pontos e cuidados que você deve tomar no uso deste assessment tão popular nos dias de hoje.

Valéria Pimenta

Inovação
Os Jogos Olímpicos de 2024 acabaram, mas aprendizados do esporte podem ser aplicados à inovação organizacional. Sonhar, planejar, priorizar e ter resiliência para transformar metas em realidade, são pontos que o colunista da HSM Management, Rafael Ferrari, nos traz para alcançar resultados de alto impacto.

Rafael Ferrari

6 min de leitura
Liderança, times e cultura, ESG
Conheça as 4 skills para reforçar sua liderança, a partir das reflexões de Fabiana Ramos, CEO da Pine PR.

Fabiana Ramos

ESG, Empreendedorismo, Transformação Digital
Com a onda de mudanças de datas e festivais sendo cancelados, é hora de repensar se os festivais como conhecemos perdurarão mais tempo ou terão que se reinventar.

Daniela Klaiman

ESG, Inteligência artificial e gestão, Diversidade, Diversidade
Racismo algorítimico deve ser sempre lembrado na medida em que estamos depositando nossa confiança na inteligência artificial. Você já pensou sobre esta necessidade neste futuro próximo?

Dilma Campos

Inovação
A transformação da cultura empresarial para abraçar a inovação pode ser um desafio gigante. Por isso, usar uma estratégia diferente, como conectar a empresa a um hub de inovação, pode ser a chave para desbloquear o potencial criativo e inovador de uma organização.

Juliana Burza

ESG, Diversidade, Diversidade, Liderança, times e cultura, Liderança
Conheça os seis passos necessários para a inserção saudável de indivíduos neuroatípicos em suas empresas, a fim de torná-las também mais sustentáveis.

Marcelo Franco

Lifelong learning
Quais tendências estão sendo vistas e bem recebidas nos novos formatos de aprendizagem nas organizações?

Vanessa Pacheco Amaral