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É bom ter falsificadores

A compreensão da influência social ressignifica o papel dos imitadores

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A Raindrop Besace, da Louis Vuitton, é uma bolsa à prova d’água de US$ 1.960 feita de um material que lembra um saco de lixo. É um saco de lixo de verdade, para jogar lixo fora. 

Esses sacos marrons, adornados com o famoso padrão dourado de flores com quatro folhas, são o presente perfeito para qualquer amigo sofisticado, aquele que acha que o lixo dele é melhor do que o lixo dos outros. 

Porém, antes de começar a se perguntar como é que o mundo chegou a esse ponto, vale a pena dar uma olhada atenta nessa bolsa na internet. Ali se vê o inconfundível monograma “LV”, que compõe o design do padrão da marca? Em muitas, não. São réplicas. 

Da Louis Vuitton à Lego, do Rolex ao Ray-Ban e à Nike, quase 10% do comércio global envolve produtos falsificados. Por ano, US$ 0,5 trilhão de dólares que pertenceria por direito a grandes empresas e marcas é interceptado por criminosos, o que é mais do que o PIB da Noruega, da Polônia ou da Bélgica. Só nos Estados Unidos, a pirataria custa às empresas mais de US$ 200 bilhões por ano. No fim dos anos 1990, a fabricante de isqueiros Zippo perdeu um terço de sua receita para os falsificadores. 

E as perdas não se limitam à receita. Quando os consumidores têm problemas de qualidade com os produtos falsificados, a reputação da marca fica prejudicada. À medida que os itens pirateados se proliferam, a exclusividade se desgasta. E a disponibilidade de alternativas baratas reduz a disposição dos consumidores de pagar o preço cheio pelas ofertas legítimas da marca. 

Basta visitar qualquer grande porto do mundo para ver a extensão do problema. Contêineres de remessa com os dizeres “casa e jardim” estão na verdade repletos de milhares de bolsas falsificadas. Outro contêiner, que deveria estar ocupado com materiais de construção, na verdade está cheio de caixas de tênis pirateados. 

A internet só facilitou a distribuição. Agora os falsificadores vendem diretamente aos consumidores. Os funcionários aduaneiros tentam derrubar os sites que facilitam essas transações, mas novos sites surgem com uma velocidade atordoante. E não estamos falando apenas de pequenas operações de fundo de quintal. Um estudo de 2008 revelou que quase todas as bolsas Louis Vuitton e perfumes Dior vendidos no eBay eram falsos. Oito em cada dez produtos que pareciam ser da Tiffany & Co. na verdade eram falsificações. É todo um mar de mercadorias ilegais. 

Como seria de esperar, as empresas de marcas da moda têm feito de tudo para deter os falsificadores. A Louis Vuitton, por exemplo, tenta patentear designs com o padrão repetido do monograma “LV”. Outras marcas procuram criar produtos mais difíceis de imitar. A Dolce & Gabbana usa um complexo sistema antipirataria que inclui um certificado de autenticidade, um holograma especial e um selo de segurança feito com um fio que reage à luz ultravioleta. 

Quando todos os recursos falham, as empresas tomam medidas legais, indo atrás dos falsificadores, dos revendedores e dos sites que vendem os produtos piratas. Só em 2004, o conglomerado de luxo LVMH gastou US$ 20 milhões para combater a pirataria, conduzindo mais de 6 mil batidas de fiscalização e abrindo mais de 8 mil ações judiciais ao redor do mundo. 

Mas será que a pirataria na verdade não poderia beneficiar essas marcas? 

Dois professores de direito analisaram a questão e descobriram que a resposta para essa pergunta é, surpreendentemente, sim, por conta da influência social. E a razão disso tem a ver com a sinalização da identidade. 

As pessoas, especialmente as mais ligadas em estilo de vida, importam-se com o que suas roupas comunicam a seu respeito. Elas querem estar na moda ou pelo menos não usar itens ultrapassados. 

No entanto, se o valor dos sinais dos diferentes estilos nunca mudasse, as pessoas jamais precisariam comprar algo novo. Elas poderiam continuar usando as mesmas botas Ugg ou as mesmas gravatas finas ano após ano. Se essas botas e gravatas sempre sinalizassem que quem as usa está na moda e é descolado, as pessoas não teriam razão alguma para trocar esses itens por algo mais moderno. Elas poderiam continuar usando suas botas e gravatas até se desgastarem ou estragarem. 

Essa situação deixaria a maioria dos consumidores feliz, mas os varejistas e os fabricantes provavelmente não compartilhariam da mesma felicidade. As receitas despencariam e empregos seriam perdidos. 

Por sorte, os falsificadores entram em cena para salvar a pátria. Ao produzir e distribuir suas imitações, a pirataria acelera a obsolescência. Cópias inferiores podem macular o artigo original, mas, ao ampliarem a disponibilidade, as falsificações também mudam o sentido de usar 

**A influência social e as modas gerenciais**

No livro O Poder da Influência – As Forças Invisíveis que Moldam Nosso Comportamento (ed. HSM), o professor e pesquisador da Wharton School Jonah Berger destrincha a influência social, detalhando os mecanismos que fazem com que imitemos as pessoas ou queiramos nos diferenciar delas e também em que situações os outros nos motivam ou desmotivam.
O negócio da falsificação de produtos de grife serve para ilustrar o poder da influência no que diz respeito tanto à tendência de imitar como à de se diferenciar – os não iniciados imitam os iniciados adquirindo réplicas de determinado produto e os iniciados buscam se diferenciar substituindo o original que foi replicado.
É interessante notar que o mesmo mecanismo de influência social é observado em produtos originais e em ferramentas gerenciais adotadas pelas empresas. No primeiro caso, basta observar como muitos amantes de relógios de marca preferem usar um discreto Vacheron Constantin, invisível para a maioria das pessoas, a um ostensivo Rolex, ou uma bolsa Bottega Veneta de aparência simples, que poderia talvez custar US$ 15 a neófitos, mas que vale, na verdade, US$ 6 mil, a uma Louis Vuitton com logo evidente.
No caso das empresas, a mesma lógica explica a sucessão de modas gerenciais, segundo Jonah Berger. Querendo mostrar que estão à frente das outras, algumas organizações entram em ondas gerenciais como o 6-Sigma ou a gestão da qualidade total (TQM, na sigla em inglês). Então, surgem as imitadoras, em geral companhias menores que começam a copiar tudo o que veem as empresas “inovadoras” fazendo. Só que, depois de serem copiadas por um bom número de imitadoras, essas abordagens perdem seu valor como sinais de pioneirismo das inovadoras. E, assim, elas querem se diferenciar e precisam partir para a próxima ferramenta de gestão.

um estilo ou uma marca. Se qualquer pessoa pode comprar um item parecido com a Louis Vuitton queridinha da estação, o sinal enviado pela bolsa se deteriora. À medida que os preços baixos possibilitam a ampla difusão do acessório, ele deixa de sinalizar que seus proprietários são pessoas exclusivas ou definidoras de tendências e passa a indicar o mercado de massa ou um seguidor de moda medíocre. E acaba acontecendo que os verdadeiros fashionistas procuram algo novo para comprar. 

As gírias funcionam da mesma forma. Os adolescentes começam a usar palavras como “shippar” ou “trollar”. Com o tempo, os pais adotam as gírias para parecerem descolados ou modernos. Mas a adoção por outsiders muda o sentido do sinal. O que passava a mensagem de uma pessoa descolada começa a sinalizar alguém que está se empenhando demais para dar essa impressão. Em vista disso, os adolescentes abandonam a gíria. E, quando a vovó começa a dizer que está sendo “trollada” na turma do baralho, a gíria já está obsoleta. 

Ocorre que a sinalização da identidade tanto transforma algo em moda como o torna obsoleto. Um pequeno grupo de adotantes iniciais começa a usar uma gíria ou aplicar uma prática de gestão específica. Se esses pioneiros forem vistos como descolados, modernos, inovadores ou desejáveis, outros vão imitá-los para tentar sinalizar a identidade desejada. E, à medida que cada vez mais pessoas entram na onda, a gíria, a prática de gestão ou qualquer outro item cultural ganha status e começa a se tornar popular. 

No entanto, quando muitas outras pessoas ou empresas entram na onda também, o sinal começa a mudar. O que antes significava ser moderno ou inovador quer dizer algo “batido”. Assim, os adotantes iniciais abandonam o item para não transmitir uma identidade indesejada. Isso só acelera a mudança do sinal. Quando o significado desejado original é perdido, até os adotantes posteriores abandonam o item. E o que já foi popular passa a ser impopular. 

Os ciclos da moda acontecem com frequência, mas a falsificação ajuda a acelerar o processo. Ao assegurar sua distribuição, a pirataria força a morte do que está na moda, mas, com isso, também mantém os consumidores clamando por novos itens fashion. Como Shakespeare gracejou, “a moda desgasta mais roupas do que o homem”.

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