Diversidade

A era da assistência feminina: fim ou começo?

Soluções de inteligência artificial limitam o feminino numa posição de subserviência, relevando vieses preconceituosos de uma indústria que coloca milhares de mulheres à margem no processo desenvolvimento tecnológico
Elisa Rosenthal é a diretora presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário. LinkedIn Top Voices, TEDx Speaker, produz e apresenta o podcast Vieses Femininos. Autora de Proprietárias: A ascensão da liderança feminina no setor imobiliário.

Compartilhar:

– “Alexa, conte uma história.”

O comando por voz às assistentes virtuais no Brasil cresceu substancialmente durante a pandemia e já somos o terceiro País com o maior número de usuários no Google Assistant, apenas para citar um exemplo. Além disso, 37% dos usuários usam o recurso pelo menos três vezes na semana.

Dentre os usuários que utilizam smartphones, quase a metade acessa assistentes de voz no telefone ou em suas casas.

Quando entrevistei a futurista Ligia Zotini para a edição #52 do meu podcast Vieses Femininos, em julho de 2019, falamos sobre liderança e futuro. Na conversamos, falamos sobre como a era da assistência, ou de comandos por voz, se tornaria parte do nosso cotidiano.

O que não é mais tanta novidade é o fato de essas vozes virtuais, como Cortana (Windows), Alexa (Amazon), Siri (Apple), Bia (Bradesco), Cris (Crefisa) e Lu (Magazine Luiza), validarem a força feminina no comando de uma sociedade preocupada com e como “servir às pessoas”.

Faça o exercício de imaginar um futuro (e presente) no qual o feminino está vinculado à assistência e seja honesta(o) comigo: o que te veio à mente?

Falo por mim: minha primeira reação foi com base na construção das minhas [referências machistas de uma sociedade ainda desnorteada](https://www.revistahsm.com.br/post/maternidade-dentro-das-organizacoes-do-sonho-publicitario-a-desilusao-real). “Como assim, as mulheres continuam exercendo uma posição subserviente nesse futuro e presente tecnológico?”

Essa reflexão ainda não foi suficiente para entender o quanto o preconceito de gênero na inteligência artificial faz parte de nossa realidade. Para os pais de crianças que se chamam Alexa nos Estados Unidos e Inglaterra, a voz feminina da Amazon já causa transtornos reais.

Somente no Reino Unido, existem mais de 4 mil pessoas chamadas Alexa com menos de 25 anos. Inclusive, alguns pais contam que professores fazem brincadeiras com o nome e isso tem afetado a saúde mental das crianças.

## Vieses preceituosos em IA

Christian Geronasso, innovation advisor da SAP Brasil, escreveu em janeiro do ano passado sobre os impactos dos [vieses inconscientes de gênero e racial na IA](https://mitsloanreview.com.br/post/dados-podem-estimular-a-equidade-racial). Ele destacou o quão tendenciosa pode ser uma análise de dados quando essa premissa não é considerada.

Ele citou um fato ocorrido em novembro de 2019, quando a Apple passou a oferecer a seus clientes o Apple Card: um cartão de crédito desenhado para consumidores atingirem uma vida financeira mais saudável.

“David, casado com Jamie Heinemeier Hansson, compartilhou em sua conta do Twitter que apesar de sua esposa possuir um melhor score de crédito, de possuírem partes iguais em suas propriedades e de declararem seus impostos de forma conjunta, ele possuía 20 vezes mais crédito para empréstimo que sua esposa. Nem mesmo Steve Wozniak, cofundador da Apple escapou. Wozniak e sua esposa compartilham tudo, desde sua conta bancária até seus ativos, mas o crédito em seu Apple Card era 10 vezes superior ao da sua esposa”, destacou Geronasso.

Em resumo, os impactos dos vieses de gênero na interpretação dos dados são uma realidade.

## Pacto global

Para que possamos combater o preconceito de gênero também na IA, e em outros aspectos da tecnologia, a Unesco propõe o desenvolvimento de um instrumento global abrangente: a definição de padrões para fornecer uma base ética e sólida, uma ferramenta que proteja e promove igualmente os direitos e a dignidade humana.

O instrumento será apresentado em novembro aos Estados Membros na Conferência Geral da Unesco, em sua 41ª sessão.

Caso seja mesmo adotado, será uma bússola de orientação ética e um alicerce normativo global que permitirá construir um forte respeito pelo Estado de Direito no mundo digital.

A organização alerta que apenas 22% de todos os profissionais de IA são mulheres. Por [estarem sub-representadas na indústria](https://www.mitsloanreview.com.br/post/como-utilizar-a-ia-para-promover-a-diversidade), os preconceitos de gênero e estereótipos têm sido reproduzidos nas soluções tecnológicas desenvolvidas por quem ainda carrega estes vieses inconscientes.

Se a era da assistência é feminina, se faz urgente que esta linguagem seja praticada não apenas pelos robôs e softwares, mas principalmente por quem os desenvolve.

– “Alexa, desligue.”

*Gostou do artigo da Elisa Tawil? Saiba mais sobre questões éticas no universo corporativo e na indústria 4.0 assinando gratuitamente [nossas newsletters](https://www.revistahsm.com.br/newsletter) e ouvindo [nossos podcasts](https://www.revistahsm.com.br/podcasts) na sua plataforma de streaming favorita*.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

Uncategorized
Há alguns anos, o modelo de capitalismo praticado no Brasil era saudado como um novo e promissor caminho para o mundo. Com os recentes desdobramentos e a mudança de cenário para a economia mundial, amplia-se a percepção de que o modelo precisa de ajustes que maximizem seus aspectos positivos e minimizem seus riscos

Sérgio Lazzarini

Gestão de Pessoas
Os resultados só chegam a partir das interações e das produções realizadas por pessoas. A estreia da coluna de Karen Monterlei, CEO da Humanecer, chega com provocações intergeracionais e perspectivas tomadas como normais.

Karen Monterlei

Liderança, times e cultura, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
Entenda como utilizar a metodologia DISC em quatro pontos e cuidados que você deve tomar no uso deste assessment tão popular nos dias de hoje.

Valéria Pimenta

Inovação
Os Jogos Olímpicos de 2024 acabaram, mas aprendizados do esporte podem ser aplicados à inovação organizacional. Sonhar, planejar, priorizar e ter resiliência para transformar metas em realidade, são pontos que o colunista da HSM Management, Rafael Ferrari, nos traz para alcançar resultados de alto impacto.

Rafael Ferrari

6 min de leitura
Liderança, times e cultura, ESG
Conheça as 4 skills para reforçar sua liderança, a partir das reflexões de Fabiana Ramos, CEO da Pine PR.

Fabiana Ramos

ESG, Empreendedorismo, Transformação Digital
Com a onda de mudanças de datas e festivais sendo cancelados, é hora de repensar se os festivais como conhecemos perdurarão mais tempo ou terão que se reinventar.

Daniela Klaiman

ESG, Inteligência artificial e gestão, Diversidade, Diversidade
Racismo algorítimico deve ser sempre lembrado na medida em que estamos depositando nossa confiança na inteligência artificial. Você já pensou sobre esta necessidade neste futuro próximo?

Dilma Campos

Inovação
A transformação da cultura empresarial para abraçar a inovação pode ser um desafio gigante. Por isso, usar uma estratégia diferente, como conectar a empresa a um hub de inovação, pode ser a chave para desbloquear o potencial criativo e inovador de uma organização.

Juliana Burza

ESG, Diversidade, Diversidade, Liderança, times e cultura, Liderança
Conheça os seis passos necessários para a inserção saudável de indivíduos neuroatípicos em suas empresas, a fim de torná-las também mais sustentáveis.

Marcelo Franco

Lifelong learning
Quais tendências estão sendo vistas e bem recebidas nos novos formatos de aprendizagem nas organizações?

Vanessa Pacheco Amaral