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A febre mundial dos clusters de inovação

Cada vez mais governos querem ter empreendimentos de alto impacto, por serem os geradores dos melhores empregos, e escolhem um de dois caminhos: o cluster local, ao modo do Vale do Silício, ou a estratégia nacional, como Israel. Esta reportagem reúne as boas práticas internacionais

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NNos anos 1970, o Vale do Silício, região que abrange San Francisco e cidades ao sul, na costa oeste dos Estados Unidos, e a Route 128, estrada próxima a Boston, na costa leste, eram vistos como clusters de inovação em pé de igualdade. Ambos mostravam invejável capacidade de inovar em tecnologia eletrônica. Na década seguinte, seus destinos foram opostos. Enquanto o Vale do Silício deu à luz uma nova geração de empresas de semicondutores e computação, como a Sun Microsystems, e companhias como a Intel e a Hewlett-Packard vivenciaram dinâmico crescimento, a região da Route 128 sofreu um declínio que se mostrou irreversível. 

Por que um ecossistema de empresas decolou e o outro não, se nos dois casos havia competição e cooperação, como pregou o especialista em estratégia Michael Porter ao ressaltar ao mundo a importância dos clusters para a competitividade? Essa é a “pergunta de 100 bilhões de dólares” –já que esse é o lucro registrado em 2013 pelas principais empresas do Vale do Silício, como as 150 do índice de ações SV 150. 

O mundo inteiro está tentando replicar o fenômeno neste século 21, por estar provado que startups inovadoras crescem rápido e geram bons empregos. E a febre não tem previsão de baixar. Só o governo dos Estados Unidos tem investido em mais de 40 clusters regionais no país, em setores como energia, agricultura e tecnologias avançadas de defesa. Um único desafio de inovação chega a ganhar vários clusters, como é o caso das tecnologias que envolvem água, com dois clusters em Ohio – Cincinatti e Cleveland– e um na Pensilvânia –Pittsburgh. Em outros países, os esforços são igualmente respeitáveis. Na Rússia, foi fundado em 2010 o cluster Skolkovo, no entorno de Moscou, com investimentos em uma universidade, projetada pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma fundação e um parque tecnológico; na França, o cluster Paris-Saclay começou a ser erguido em 2013 com a fusão de seis escolas de engenharia. Em Singapura, a Biopolis converteu-se de 2003 para cá em um dos mais importantes clusters de biotecnologia do mundo, com cerca de 5 mil cientistas ali. 

Voltando à pergunta de 100 bilhões de dólares, a diferença entre o Vale do Silício e a Route 128 foi a rede, segundo um estudo de AnnaLee Saxenian. A pesquisadora da University of California em Berkeley explica que, enquanto a Route 128 tinha uma estrutura industrial baseada em empresas independentes, o Vale do Silício criou um sistema verdadeiramente em rede, do tipo que promove aprendizado coletivo e parcerias flexíveis entre as companhias. 

Conforme Saxenian, também encorajaram o empreendedorismo a densa rede social da região –muitos empreendedores eram alunos de Stanford e ainda próximos da universidade– e o mercado de trabalho aberto, aspectos não encontrados na Grande Boston. 

Ela explica que é nesse cenário que as fronteiras organizacionais se tornam porosas –dentro das empresas, entre empresas e entre estas e instituições como universidades e institutos de pesquisa–, e essa porosidade é crucial. No entanto, o segundo cluster mais bem-sucedido do mundo, Israel, iniciado em 1993, tem uma história bem diferente da do Vale. Se, na Califórnia, a iniciativa partiu de empreendedores ligados à universidade e foi acontecendo de maneira espontânea, em Israel, o governo planejou e orquestrou um programa estratégico de longo prazo para transformar o país na “nação startup” que é hoje, com o impressionante índice de um empreendimento iniciante para cada 1,6 mil habitantes. Então, as perguntas recomeçam: quão fundamental é um cluster para uma região inovar? 

Ele pode estabelecer-se com crescimento natural, e até caótico, ou deve seguir um plano? O papel dos governos é como o do governo russo, que investiu o equivalente a US$ 2,5 bilhões em Skolkovo? E, ainda, a inspiração principal deve ser o Vale do Silício, Israel ou nenhum deles? Há cases extremamente interessantes na Itália, por exemplo. E quais os desafios para o Brasil [cujos clusters são detalhados nas reportagens das páginas 38 e 44]? Por fim, desenvolver (e integrar) um cluster continua a ser obrigatório para inovar, mesmo na era digital, marcada por relacionamentos virtuais? 

**CLUSTER É FUNDAMENTAL**

Membro do conselho de inovação do presidente norte-americano, Barack Obama, Curtis Carlson é definitivo quanto à necessidade do cluster para inovar em escala. “Não existe outra opção. É preciso que os empreendedores e inovadores trabalhem juntos em um mesmo lugar”, disse o CEO do SRI International, um dos mais importantes centros de inovação do mundo. 

Falando com exclusividade a HSM Management em sua passagem recente pelo Brasil, ele acrescentou que a quantidade de líderes –de governo e comunitários– que estão planejando um sistema de inovação é “inacreditável”. “Hoje, toda cidade dos Estados Unidos tem um plano para aumentar a capacidade de inovar.” Vale observar que Carlson prefere utilizar a expressão “sistema de inovação” a “cluster” e que reconhece o planejamento, validando tanto o modelo californiano como o de Israel. 

**ESPONTÂNEO OU PLANEJADO**

Sobre o planejamento, as opiniões se dividem no mundo inteiro, e a academia brasileira não é exceção. Renato Garcia, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acredita que clusters como o Vale do Silício continuam a ser uma das estratégias mais eficientes para impulsionar o empreendedorismo e a inovação em setores de alto impacto. Garcia, que se situa ele mesmo dentro de um cluster inovador, em Campinas (SP), oferece uma explicação: “A proximidade geográfica entre as empresas e entre estas e institutos de pesquisa e universidades estimula a colaboração, por meio das interações frequentes e dos contatos pessoais, o que facilita o aprendizado”. Já Carlos Arruda, especialista em estratégia e inovação e coordenador, no Brasil, do Global Competitiveness Report, ligado ao Fórum Econômico Mundial, e dos estudos World Competitiveness Yearbook, do IMD, crê que isso não basta; é necessária uma estratégia nacional, de longo prazo, e de implementação sustentável. “A formação de redes pressupõe a construção de uma agenda de futuro”, justifica. Arruda apresenta como argumento pró-estratégia o cluster canadense MaRS Discovery District, localizado em um quarteirão do centro de Toronto, focado nas áreas de saúde, energia e educação. “O MaRS foi constituído como uma organização sem fins lucrativos e elaborou um plano há mais de dez anos, que está sendo consistentemente implementado, sem descontinuidade”, conta ele. 

**PAPEL DO GOVERNO**

O planejador não precisa ser o governo; pode ser um centro de inovação, uma universidade, um investidor, uma entidade de empreendedores etc. Mas o papel do governo é financiar? Na França, por exemplo, o governo tem financiado os empreendedores bancando até 70% de seu último salário durante dois anos. Para Carlson, não é papel do governo emprestar dinheiro, e sim criar o sistema de inovação, providenciando a reunião dos elementos básicos [veja quadro na próxima página]. E também cabe ao governo educar as pessoas desde crianças –sem educação, elas não participarão desse sistema–, investir em pesquisa nas universidades e tratar melhor as empresas nascentes. “Uma startup exige os cuidados de um bebê; não pode ser tratada da mesma forma que uma empresa adulta”, diz Carlson. Para o economista Scott Wallsten, do Technology Policy Institute, especializado em inovação, os governos usam duas estratégias principais para estimular o empreendedorismo: 

• Criação de fundos públicos de venture capital, por meio do subsídio direto para startups. 

• Construção de parques tecnológicos para atrair empresas de alta tecnologia. “A startup precisa dos cuidados de um bebê Curtis Carlson, SRI International ” 

Wallsten analisou ambas as políticas em várias regiões dos Estados Unidos ao longo dos anos 1980 e 1990 e concluiu que nenhuma dessas estratégias teve significativo sucesso no estímulo ao desenvolvimento tecnológico regional. 

Um estudo do Banco Mundial recomenda uma parceria entre governo e setor privado em prol da inovação. Segundo ele, o governo deve remover barreiras de entrada e saída das empresas em um cluster, criar instituições de pesquisa e desenvolvimento que abasteçam as necessidades coletivas das empresas do cluster e fornecer, sim, capital, além de mão de obra altamente especializada. 

Ao setor privado, o estudo atribui funções como identificar novos produtos e segmentos do mercado, desenvolver estratégias que ampliem o alcance do negócio e melhorar as tecnologias e a gestão para alcançar maior produtividade. 

> **Os 6 elementos**
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> _esses elementos são chave; carlson diz que só 12 clusters são sistemas de inovação nos EUA_
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> Para Curtis Carlson, CEO do SRI International, os cinco elementos básicos de qualquer sistema de inovação são: talento empreendedor, pesquisa, universidade, incubadora/aceleradora e venture capital. E a eles se soma um sexto elemento, que é a visão global. Na análise de Carlson, o Brasil está carente de dois desses recursos: o venture capital e a visão global. “Dá tempo de o Brasil virar esse jogo empreendedor, mas, de um lado, o governo brasileiro deveria incentivar o venture capital em vez de investir ele mesmo e, de outro, as empresas precisam deixar de focar só o Brasil, por maior que seja o mercado doméstico, e pensar em inovação para o mundo.” Falando como investidor, Pedro Melzer concorda que o hábito de lançar produtos globais é chave, e falta ao Brasil. “Há dois lados nisso: o produto global dá uma dimensão maior de mercado para a empresa e esse produto terá de concorrer mundialmente também, com produtos de outras empresas, o que o levará a ser melhor.” 
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> No que se refere a VC, Melzer entende que a participação do governo, seja por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou da agência Finep, em fundos VC muitas vezes engessa a gestão das empresas. “Essas instituições exigem participar do comitê de investimento, mas não têm condição técnica para isso, pois os modelos de negócio não óbvios, inovadores, exigem preparo específico.” O especialista em estratégia e inovação Carlos Arruda chama a atenção ainda para a fragilidade do elemento “universidade”, apontando a falta de incentivo para que esta inove. “Se um professor desenvolve uma pesquisa que gera uma licença, ele ganha 20% de direitos autorais no Brasil, enquanto em Israel a participação é de 50% e em Oxford pode chegar a 100%.”

**ISRAEL, O MAIS REPLICADO**

Ben Lang é um jovem empreendedor israelense. Nem completou 20 anos e já fundou três empresas; ele encarna o espírito startup. De onde vem seu impulso para empreender? Ele o atribui à proximidade com a universidade –onde pode cursar programas voltados para o empreendedorismo–, à massa crítica de investidores, à grande quantidade de aceleradoras e à intensa programação de eventos sobre o tema. Israel, do tamanho de Sergipe, tem startups em todo o país, mas a maior concentração fica no chamado Silicon Wadi (wadi é vale, em árabe, e silicon, silício, em inglês), faixa de terra entre Tel Aviv e Haifa, à margem do mar Mediterrâneo. Dan Senor e Saul Singer, autores do livro Startup Nation, têm mais uma explicação. Segundo eles, o papel das forças armadas no estímulo ao desenvolvimento de soluções inovadoras e na formação de uma mentalidade de empreendedorismo e liderança nos jovens israelenses é imenso. 

Após o serviço militar obrigatório –três anos para homens e dois para mulheres–, eles retornam à vida civil com experiência na solução de problemas e capacidade de decisão obtidas nos campos de batalha. Olhando de longe, o brasileiro Daniel Cunha, sócio do fundo de venture capital (VC) Initial Capital, que investe no Brasil e em Israel, lembra que o tamanho pequeno obrigou o Silicon Wadi a ter visão global e diz que o empreendedor do país consegue, como o da Califórnia, não se preocupar em gerar receita rápido e ter como foco fazer um produto sensacional. “Seu ecossistema tem liquidez suficiente para apoiar essa estratégia e os respectivos riscos.” Ainda que tenha particularidades culturais e políticas, o modelo israelense está servindo de parâmetro para Espanha (e seus empreendedores de biotecnologia), Irlanda e Dubai, entre outros que tentam replicá- -lo. 

O programa Startup Chile, que desde 2010 oferece capital para inovadores estrangeiros, segue o modelo israelense de estratégia de maneira ousada. O professor da Wharton School Stephen Sammut, também sócio de um fundo de VC, discorda de qualquer tentativa de emular Israel ou o Vale. Ele B diz: “Os melhores modelos estão sempre dentro de casa. Melhor seria, por exemplo, que as empresas de biotecnologia espanholas buscassem inspiração em suas antecessoras que já obtiveram bons resultados”. 

> **A universidade**
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> Nos anos 1960, a Cambridge University, na Inglaterra, fundou a empresa Cambridge Consultants para “colocar os cérebros da universidade à disposição da indústria”; em 1970, estabeleceuse o Cambridge Science Park e, hoje, Cambridge é o maior cluster de inovação da Europa. Há 1,5 mil empresas sediadas no cluster, empregando 54 mil pessoas e com receita anual de € 12 bilhões, mas a Cambridge University continua fundamental: é o maior provedor de tecnologia, fonte de conhecimentos e qualificadora de mão de obra da região, com seus professores, ex-alunos e ideias movimentando as principais empresas do cluster. A universidade também atua por meio da Cambridge Enterprise, que presta consultoria aos empreendedores, além de licenciar e patentear suas invenções e descobertas. A Cambridge University é um dos seis elementos-chave do cluster típico, segundo Curtis Carlson, e, qualquer que seja o modelo, ele sempre tem universidade, seja em Pequim (China), em Bangalore (Índia), em Adelaide (Austrália) ou em Nova York (EUA). Esta, por exemplo, tem quatro: Columbia, Princeton, Yale e Cornell. Tratase de um ponto onde um cluster pode facilmente tropeçar.

**O BRASIL E O DIGITAL**

O ecossistema de inovação do Brasil é imaturo principalmente na relação empreendedor-investidor, como avalia Pedro Melzer, sócio do fundo VC e-Bricks Early Stage: “Nos Estados Unidos, os empreendedores já sabem escolher seu investidor; aqui o processo começa distorcido, com um empreendedor despreparado e um investidor não profissional”. Alguns especulam que o Brasil amadurecerá em uma nova onda de clusters, os virtuais, que trocarão a proximidade geográfica pela internet. Outros duvidam disso.

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