Dossiê 2: Regeneração

A indigenomics, o indigenismo e a gestão de negócios

Nesta entrevista, a autora do livro "Indigenomics", Carol Anne Hilton, fundadora e CEO do Indigenomics Institute do Canadá, esclarece como a visão de mundo indígena pode contribuir para a evolução dos negócios e da sociedade no século 21
Karen Christensen é editora-chefe da Rotman Management Magazine.

Compartilhar:

Nos diversos países da Terra, povos indígenas têm sido colocados no lado do custo da equação econômica. Segundo Carol Anne Hilton, líder do movimento indigenista canadense, ascendência Nuu-chah-nulth, da Ilha de Vancouver, isso não procede – não mais. Os indígenas estão focando a criação de “receita de fonte própria” – receita que as nações obtêm gerando renda empresarial e arrecadando impostos. A nova narrativa é a de que os povos indígenas são potências econômicas, com potencial para ultrapassar US$ 100 bilhões no mundo.

### Você diz que a economia indigenista – indigenomics, em inglês – pode fazer parte da construção de um caminho sustentável para a economia de um país. Por favor, explique…
Se olharmos para as questões ambientais que já nos afligem, o caminho a ser trilhado deve incluir elementos-chave da cosmovisão indígena {veja texto abaixo}. Eu sou Nuu-chah-nulth da Ilha de Vancouver, e temos um conceito, “hishuk’ish tsawalk”, que significa “tudo é um e interligado”. Há reconhecimento crescente de que o conhecimento indígena acumulado é fundamental para desenvolver soluções para a crise climática e alcançar a justiça climática. No âmbito dos negócios, é importante que as decisões considerem essa visão de mundo. Nossos sistemas de conhecimento oferecem uma base para que sejam tomadas ações de adaptação e mitigação que contribuam para sustentar a resiliência de sistemas socioecológicos local, regional e global.

A cosmovisão indígena para tomar decisões*

Princípio #1: tudo está conectado.

Princípio #2: história ensina.

Princípio # 3: deve-se Animar a força vital.

Princípio #4: transformar É PRECISO.

Princípio #5: os ensinamentos DEVEM SER RESPEITADOS; SÃO IDENTIDADE.

Princípio #6: honre a criação, o direito a um lugar e a pertencer.

Princípio #7: deve-se registrar, lembrar, reconhecer.

Princípio #8: Testemunhos validaM experiências, relações, FATOS.

Princípio #9: tornE visível o espiritual – COMO ACIMA, ASSIM SERÁ ABAIXO.

Princípio #10: renove, deixe o velho ir embora.

*Texto adaptado.

## O que é a cosmovisão indígena?
É um conjunto coletivo de crenças e valores que compõe uma maneira de ver o mundo, e há diferenças importantes entre a visão de mundo indígena e a visão de mundo ocidental dominante. Na cosmovisão indígena, como disse, em primeiro lugar está nossa relação com o ambiente em que vivemos. Como estamos interagindo com nosso ambiente hoje e como precisamos interagir com ele daqui para frente?

O pensamento de longo prazo é outro elemento-chave de nossa visão de mundo. As decisões que tomamos hoje terão impacto nas gerações futuras, o que leva ao conceito “sétima geração”. Acreditamos que as decisões que estão sendo tomadas sobre a energia, água e recursos naturais devem ser sustentáveis por sete gerações no futuro.

Nosso conceito de riqueza também é diferente, muito mais focado na comunidade. É menos sobre a geração de receita e mais sobre nossa perpetuidade como humanos em termos do desenvolvimento econômico que sustenta nossos modos de ser e defende a sabedoria de nossos anciãos.

### Como os governos se relacionam com os povos indígenas? Você fala na “dinâmica empurra/puxa” {push/pull}…
Sim. No Canadá atual, que dou de exemplo, “empurrar” tem estado no centro do progresso e desenvolvimento econômico indígena, para que haja o reconhecimento legal da forma como está cristalizado na constituição deste país. A dinâmica do “puxar” foi como anos de políticas e práticas governamentais criaram nossa invisibilidade sistêmica, expressa por meio da contínua negação, resistência e rejeição de nossos direitos. Nosso esforço contínuo por reconhecimento tomou a forma de mais de 300 processos judiciais, muitos relativos a recursos naturais, e o governo perdeu todos. Com essas vitórias legais, as comunidades indígenas vêm redesenhando o mapa do Canadá.

### A indigenomics fala em “justiça ambiental”. O que é isso?
Refere-se aos impactos da distribuição desigual dos custos e benefícios da degradação ambiental, incluindo consequências das mudanças climáticas. Os Povos indígenas vivem os efeitos cumulativos de longo prazo das mudanças climáticas a partir de um senso de pertencimento a um lugar que está diretamente ligado a nossa identidade. Exemplo: o aumento do nível do mar leva ao aumento da salinização da água doce e nos causa diminuição significativa na segurança alimentar e no acesso a medicamentos tradicionais, entre outros impactos.

### Outro termo importante na indigenomics é “consentimento colaborativo”. Por favor, descreva-o.
É um processo contínuo de compromisso engajado entre governos indígenas e não indígenas para garantir o consentimento mútuo. Na condição de jovem líder na região de Nuu-chah-nulth, testemunhei sérios confrontos em torno do desmatamento para exploração madeireira entre nações indígenas, o setor florestal e o governo. Mas, em meio a todo o caos, estabeleceram-se processos para a inclusão da sabedoria indígena como forma de estabelecer práticas florestais de classe mundial. Essa integração mostrou que a defesa da sabedoria indígena pode apoiar os resultados econômicos, com uma perspectiva de gestão, e também funciona de uma perspectiva de gestão de risco e da financeira. O progresso começou.

No início de 2023, a Nação Tahltan, na Colúmbia Britânica, assinou um acordo inédito com a província estendendo sua abordagem de princípios de consentimento para a gestão de terras.

O futuro é ancestral por Edgar Andrade
Um empreendedor guarani-kaiowá do MS mostra caminhos para isso

Tecnologias ancestrais podem ajudar a posicionar o Brasil como líder global da economia verde? Como? Recentemente rodei 8 mil quilômetros pelo interior do Mato Grosso do Sul e descobri algumas primeiras respostas nessas andanças.
Descobri que indígenas empreendem. Em Amambaí, conheci Valdeir Vilhalva, empreendedor indígena, economista, mestrando com foco em desenvolvimento local.

Seu negócio é baseado na produção da erva-mate para vender no mercado. Quer criar alternativas para gerar mais e melhores receitas para a agricultura familiar. Sua ideia é produzir a matéria-prima no médio e longo prazo dentro da aldeia, o que ainda não acontece, uma vez que a região é propícia para a plantação da erva-mate. Descobri também que podemos perder oportunidades em economia indígena por preconceito bobo. Se Valdeir não fosse economista, numa universidade, será que eu teria tido contato com ele? Talvez não. Do mesmo modo, as tecnologias ancestrais ainda são tratadas, na maior parte, como crendice, curandeirismo, quando não passam pelo crivo da ciência ocidental.

Para mim, em vez de discutir sobre o marco temporal, deveríamos estar discutindo um mapeamento das tecnologias ancestrais que alimentaram e alimentam a indústria no mundo, e pagar royalties sobre essas tecnologias. Para mim, se o Brasil quiser realmente ser líder global da economia verde, a apropriação dos saberes tradicionais pela indústria que aconteceu historicamente segue mais necessário do que nunca. O País precisa agir nessa frente, porque o futuro é ancestral.
Mas será que os indígenas querem ter essa troca de conhecimentos com não indígenas? Valdeir me disse que há grupos com uma mente muito fechada, mas outros aceitam a integração. Ele pessoalmente defende que haja a troca, mas com as populações elaborando um planejamento eficiente e de longo prazo.

### Há oportunidades de negócios para não ocidentais na indigenomics?
Muitas, como energia limpa, suprimentos, água potável, comércio. À medida que o investimento nessas áreas continuar, haverá criação de valor. Um exemplo é a First Nations Power Authority (FNPA), criada em 2011 como a única organização de energia limpa sem fins lucrativos da América do Norte, que é de propriedade de indígenas. Entre suas realizações, está a criação de um mestrado em sustentabilidade (MSs) e um em segurança energética na University of Saskatchewan School of Environment and Sustainability. As empresas indígenas focadas em tecnologia também estão crescendo. Outra é a OneFeather Mobile Technologies, que está habilitando soluções bancárias dedicadas. As economias indígena e tradicional devem ser integradas, sobretudo na economia de baixo carbono.

### O que é “reconciliação econômica”?
É o espaço entre as realidades vividas pelos povos indígenas, a necessidade de construção do entendimento da importância da relação com indígenas e a demanda por ações progressistas em direção à inclusão econômica. Até que todas as empresas apoiem isso, não teremos reconciliação econômica.

O mix econômico indígena: 12 alavancas para o crescimento

1. Participação acionária

2. Capital

3. Empreendedorismo

4. trade

5. Filantropia

6. Suprimentos

7. Energia limpa

8. Tecnologia

9. Finanças sociais

10. Investimento

11. Comércio

12. Infraestrutura

Fonte: Indigenomics.

*©Rotman Management
Editado com autorização da Rotman School of Management, ligada à University of Toronto. Todos os direitos reservados.*

__Leia também: [Produtos químicos baseados em carbono em ascensão](https://www.revistahsm.com.br/post/produtos-quimicos-baseados-em-carbono-em-ascensao)__

Artigo publicado na HSM Management nº 160.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

Empreendedorismo
Um guia para a liderança se antecipar às consequências não intencionais de suas decisões

Lilian Cruz e Andréa Dietrich

4 min de leitura
ESG
Entre nós e o futuro desejado, está a habilidade de tecer cada nó de um intricado tapete que une regeneração, adaptação e compromisso climático — uma jornada que vai de Baku a Belém, com a Amazônia como palco central de um novo sistema econômico sustentável.

Bruna Rezende

5 min de leitura
ESG
Crescimento de reclamações à ANS reflete crise na saúde suplementar, impulsionada por reajustes abusivos e falta de transparência nos planos de saúde. Empresas enfrentam desafios para equilibrar custos e atender colaboradores. Soluções como auditorias, BI e humanização do atendimento surgem como alternativas para melhorar a experiência dos beneficiários e promover sustentabilidade no setor.
4 min de leitura
Finanças
Brasil enfrenta aumento de fraudes telefônicas, levando Anatel a adotar medidas rigorosas para proteger consumidores e empresas, enquanto organizações investem em tecnologia para garantir segurança, transparência e uma comunicação mais eficiente e personalizada.

Fábio Toledo

4 min de leitura
Finanças
A recente vitória de Donald Trump nos EUA reaviva o debate sobre o protecionismo, colocando em risco o acesso do Brasil ao segundo maior destino de suas exportações. Porém, o país ainda não está preparado para enfrentar esse cenário. Sua grande vulnerabilidade está na dependência de um número restrito de mercados e produtos primários, com pouca diversificação e investimentos em inovação.

Rui Rocha

0 min de leitura
Finanças
O Revenue Operations (RevOps) está em franca expansão global, com estimativa de que 75% das empresas o adotarão até 2025. No Brasil, empresas líderes, como a 8D Hubify, já ultrapassaram as expectativas, mais que dobrando o faturamento e triplicando o lucro ao integrar marketing, vendas e sucesso do cliente. A Inteligência Artificial é peça-chave nessa transformação, automatizando interações para maior personalização e eficiência.

Fábio Duran

3 min de leitura
Empreendedorismo
Trazer os homens para a discussão, investir em ações mais intencionais e implementar a licença-paternidade estendida obrigatória são boas possibilidades.

Renata Baccarat

4 min de leitura
Uncategorized
Apesar de ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de colaboradores, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) vem sendo negligenciado por empresas no Brasil. Pesquisa da Mereo mostra que apenas 60% das companhias avaliadas possuem PDIs cadastrados, com queda no engajamento de 2022 para 2023.

Ivan Cruz

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A inteligência artificial (IA) está revolucionando o mundo dos negócios, mas seu avanço rápido exige uma discussão sobre regulamentação. Enquanto a Europa avança com regras para garantir benefícios éticos, os EUA priorizam a liberdade econômica. No Brasil, startups e empresas se mobilizam para aproveitar as vantagens competitivas da IA, mas aguardam um marco legal claro.

Edmee Moreira

4 min de leitura
ESG
A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

Ana Carolina Peuker

4 min de leitura