Uncategorized

A sabotagem e a inteligência artificial

Os homens serão ultrapassados pelas máquinas? Há três grupos de resposta para isso
Psicanalista e psiquiatra, doutor em psicanálise e em medicina. Autor de vários livros, especialmente sobre o tratamento das mudanças subjetivas na pós-modernidade, recebeu o Prêmio Jabuti em 2013. É criador e apresentador do Programa TerraDois, da TV Cultura, eleito o melhor programa da TV brasileira em 2017 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

Compartilhar:

Sabotagem. Essa palavra, hoje corriqueira, nasce no século 19, na revolução industrial. A origem é do francês – “sabot”–, nome dado àquele sapato de madeira que os operários usavam, por vezes chamado de “tamanco holandês”. 

Ocorre que, nessa revolução industrial, assustados pela possibilidade de perderem seus empregos com o advento das máquinas de tecelagem, os operários jogavam seus “sabots” no maquinário, causando sérios danos a seu principal inimigo, a máquina. 

O economista austríaco Schumpeter, referência fundamental em sua área, nomeou de “destruição criativa” esse processo inevitável que faz com que a criação de algo novo seja acompanhada da destruição do que havia anteriormente. Isso é aplicado a produtos, a profissões, a modos de vida em geral. O novo telefone celular envelhece o anterior; o robô substitui a atendente; a diversidade sexual sacode a tradicional família.  

Agora, a grande questão que mobiliza os mais antenados é quanto ao efeito da inteligência artificial sobre a subjetividade humana. Será que seremos ultrapassados pelas máquinas inteligentes? Vamos nos tornar cães labradores de robôs, como teme Elon Musk?

As respostas a essas inquietações se dividem em três grandes grupos, todos os três se investindo de excelentes representantes: os biodefensores, os pós-humanistas e os transumanistas. 

O primeiro grupo, de biodefensores como Francis Fukuyama e Michael Sandel, defende que é muito perigoso continuarmos as pesquisas tecnológicas, e que essas deveriam ser reguladas e freadas em seus avanços, por colocarem em risco nosso futuro como espécie. O problema, nesse caso, é fazer com que uma China, ou uma Coreia, respeitem os limites acordados. Quase impossível. 

O segundo grupo, que conta com Ray Kurzweil e Peter Diamandis, ambos da tão em moda quanto polêmica Singularity University, coincide com a ideia que as máquinas vão ultrapassar o humano e que uma nova raça está nascendo – só que,  à diferença dos biodefensores, eles acham que isso é o máximo e que, com a máquina, excluídos os aspectos biológicos, seremos finalmente eternos. 

Quanto ao terceiro grupo, o dos transumanistas como Luc Ferry e Laurent Alexandre, sua ideia é que o humano jamais será ultrapassado, por não ser possível transformá-lo integralmente em dígitos. O tempo atual da pós-modernidade, nossa TerraDois, exigirá que nos aperfeiçoemos na interface “humano–inteligência artificial”. A palavra do momento é “complementariedade”. 

Teremos, cada vez mais, em TerraDois, que exercitar a complementariedade homem–tecnologia. Inúmeros empregos deixarão de existir. Outros muitos estão surgindo. O problema é nos educarmos rapidamente em novas bases, sem sabotagem. É assunto para uma conversa futura.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Gestão de Pessoas
O aprendizado está mudando, e a forma de reconhecer habilidades também! Micro-credenciais, certificados e badges digitais ajudam a validar competências de forma flexível e alinhada às demandas do mercado. Mas qual a diferença entre eles e como podem impulsionar carreiras e instituições de ensino?

Carolina Ferrés

9 min de leitura
Inovação
O papel do design nem sempre recebe o mérito necessário. Há ainda quem pense que se trata de uma área do conhecimento que é complexa em termos estéticos, mas esse pensamento acaba perdendo a riqueza de detalhes que é compreender as capacidades cognoscíveis que nós possuímos.

Rafael Ferrari

8 min de leitura
Inovação
Depois de quatro dias de evento, Rafael Ferrari, colunista e correspondente nos trouxe suas reflexões sobre o evento. O que esperar dos próximos dias?

Rafael Ferrari

12 min de leitura
ESG
Este artigo convida os profissionais a reimaginarem a fofoca — não como um tabu, mas como uma estratégia de comunicação refinada que reflete a necessidade humana fundamental de se conectar, compreender e navegar em paisagens sociais complexas.

Rafael Ferrari

7 min de leitura
ESG
Prever o futuro vai além de dados: pesquisa revela que 42% dos brasileiros veem a diversidade de pensamento como chave para antecipar tendências, enquanto 57% comprovam que equipes plurais são mais produtivas. No SXSW 2025, Rohit Bhargava mostrou que o verdadeiro diferencial competitivo está em combinar tecnologia com o que é 'unicamente humano'.

Dilma Campos

7 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Para líderes e empreendedores, a mensagem é clara: invista em amplitude, não apenas em profundidade. Cultive a curiosidade, abrace a interdisciplinaridade e esteja sempre pronto para aprender. O futuro não pertence aos que sabem tudo, mas aos que estão dispostos a aprender tudo.

Rafael Ferrari e Marcel Nobre

5 min de leitura
ESG
A missão incessante de Brené Brown para tirar o melhor da vulnerabilidade e empatia humana continua a ecoar por aqueles que tentam entender seu caminho. Dessa vez, vergonha, culpa e narrativas são pontos cruciais para o entendimento de seu pensamento.

Rafael Ferrari

0 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A palestra de Amy Webb foi um chamado à ação. As tecnologias que moldarão o futuro – sistemas multiagentes, biologia generativa e inteligência viva – estão avançando rapidamente, e precisamos estar atentos para garantir que sejam usadas de forma ética e sustentável. Como Webb destacou, o futuro não é algo que simplesmente acontece; é algo que construímos coletivamente.

Glaucia Guarcello

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O avanço do AI emocional está revolucionando a interação humano-computador, trazendo desafios éticos e de design para cada vez mais intensificar a relação híbrida que veem se criando cotidianamente.

Glaucia Guarcello

7 min de leitura
Tecnologias exponenciais
No SXSW 2025, Meredith Whittaker alertou sobre o crescente controle de dados por grandes empresas e governos. A criptografia é a única proteção real, mas enfrenta desafios diante da vigilância em massa e da pressão por backdoors. Em um mundo onde IA e agentes digitais ampliam a exposição, entender o que está em jogo nunca foi tão urgente.

Marcel Nobre

5 min de leitura