O mercado de trabalho é ganancioso e, como regra, obriga as mulheres a decidirem entre as suas vidas privadas e as suas carreiras. Sobretudo quando elas desejam ocupar uma posição de liderança.
Essa é uma das conclusões de Claudia Goldin, vencedora do Prêmio Nobel de Economia em 2023. No seu livro Career and Family (2021), Goldin explica que o sucesso profissional exige, na maioria das vezes, trabalhar até tarde, investir em educação superior e dedicar o tempo livre ao desenvolvimento da carreira.
O modelo descrito acima funciona quase magicamente para os homens: eles correm atrás do pão enquanto alguém, nos bastidores, garante que a vida privada não entre em conflito com o trabalho. Para as mulheres, o cenário é muito diferente.
O mundo do trabalho nunca foi feito para as mulheres
“A entrada das mulheres no mundo do trabalho reproduziu os modos de conduta prescritos para homens, mas o trabalho do cuidado continuou sendo realizado apenas pelas mulheres”, nos conta Maria José Tonelli, professora titular no Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos na FGV.
Refraseando Tonelli: as mulheres foram admitidas no mercado, mas nunca foi criada uma estrutura que de fato as incluísse. O que aconteceu foi, como se sabe, um acúmulo de funções.
Trabalhar fora não reduziu a carga doméstica. Ser competente não blindou as mulheres contra os vieses de gênero. Estar em um cargo de liderança não eliminou a necessidade de provar, todos os dias, que elas merecem estar ali.
Essas não são frases de efeito ou palavras panfletárias, como algum cretino certamente poderia pensar. Mas a interpretação – simplista – do que nos contam os números:
As mulheres dedicam quase o dobro do tempo dos homens ao trabalho doméstico e de cuidado – 21,3 horas semanais, contra 11 horas dos homens. (IBGE, 2023)
Somente 39% dos cargos de liderança no Brasil são ocupados por mulheres, e quando chegam ao topo, elas recebem menos do que seus colegas homens (IBGE, 2023).
A maternidade ainda é um fator de discriminação: mulheres com filhos pequenos enfrentam mais dificuldades para serem promovidas, enquanto homens com filhos são mais bem avaliados no mercado de trabalho. Porque são “homens família” e não mulheres com “crianças-problema”. Mas tem algo pior, cruel até: aproximadamente metade das mulheres é demitida ao voltar da licença-maternidade. O que deveria ser um benefício vira um cronômetro reverso para o desemprego.
O que isso significa? A resposta é simples: não há equidade real no mercado de trabalho.
Ao contrário. O que existe é um sistema que demanda das mulheres a mesma disponibilidade dos homens, ignorando que a sociedade ainda deposita sobre elas a responsabilidade do cuidado da casa, dos filhos e, não esqueçamos, o cuidado dos homens crescidos com os quais elas constituem família.
O mito da supermulher
Os eficientes imaginários corporativos tentam a todo custo esconder o abismo entre as oportunidades para homens e mulheres. Evocam, então, a falácia da “supermulher”.
A supermulher, eis o mito laboral, dá conta de tudo e chega aos cargos de liderança – desde que ela “se esforce o suficiente”, não esqueçamos o subtexto meritocrático contado às meninas ainda na escola e repetido às graduandas e analistas com sangue nos olhos que sonham com cargos de gestão.
Desenha-se, em verdade, um mito-convite ao burnout, criado para silenciar o óbvio: mulheres não precisam ser super-heroínas para ocupar posições de poder. Elas precisam, isto sim, de equidade real.
Porque ainda vivemos em um mundo onde desmarcar uma reunião para cuidar de uma criança com febre é um pecado corporativo. E, como sabemos, o lugar de quem peca é no inferno. E o pecado do cuidado continua sendo, já dissemos aqui, uma função quase exclusiva das mulheres.
O que é feminismo e por que ele importa no mundo do trabalho?
Feminismo não é o contrário de machismo. Feminismo é um movimento social e político que luta pela equidade de gênero. No contexto do mundo do trabalho, ele questiona estruturas que perpetuam desigualdades e propõe mudanças concretas para que mulheres e homens tenham o mesmo acesso a oportunidades, reconhecimento e remuneração justa.
Isso significa coisas que deveriam ser básicas e parecem luxos de startups modernosas ou de empresas campeãs do GPTW: salários iguais para funções iguais, critérios justos de promoção e reconhecimento, políticas reais de flexibilização para conciliar trabalho e vida pessoal e cultura organizacional que combata vieses inconscientes e discriminação de gênero.
Construir organizações feministas, onde se materializem práticas como as descritas acima, não é responsabilidade apenas das mulheres.
Por que os homens precisam ser aliados?
Porque o machismo organizacional não prejudica apenas as mulheres – ele também sufoca os homens.
A cultura corporativa ensina que uma liderança precisa ser implacável, sempre disponível e agressivamente competitiva. Isso gera ambientes tóxicos, onde homens também são pressionados a sacrificar tempo com a família, esconder vulnerabilidades e disputar cargos a qualquer custo.
Um mundo do trabalho feminista, portanto, beneficia a todos. Não apenas às mulheres.
Como seria um mundo do trabalho com equidade?
- Trabalho flexível e humano: onde a produtividade é medida por resultados e não por horas intermináveis de expediente.
- Igualdade salarial e reconhecimento: onde as mulheres não precisem trabalhar o dobro para ganhar a metade.
- Lideranças diversas: onde mulheres em cargos de poder não sejam exceção, mas uma realidade.
- Homens que dividem o cuidado: porque cuidar da casa e dos filhos não é uma “ajuda”, é uma responsabilidade compartilhada.
A equidade não é um luxo, uma utopia, nem um capricho. É uma urgência que pode beneficiar todas as pessoas e reorganizar a maneira como nós todos nos relacionamos com o mundo do trabalho.
Lembremos disso quando o Dia Internacional das Mulheres bate à porta e não deixemos a pauta cair no esquecimento no resto do ano. Porque esquecemos do que de fato importa com uma naturalidade assustadora e nada casual.
Referências
GOLDIN, Claudia. Career and Family: Women’s Century-Long Journey toward Equity. Princeton University Press, 2021. V1 p. 342.
Tonelli, M. J.. (2023). Nada de Novo no Front: As Mulheres no Mercado de Trabalho. Revista De Administração Contemporânea, 27(5), e230210. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2023230210.por