Contagem regressiva

As próximas regras do trabalho

Em entrevista exclusiva à HSM Management, Gary Bolles fala sobre como podemos – todos nós – fazer a transição da mentalidade industrial para a era exponencial em meio aos desafios e oportunidades de sempre e da pandemia de covid-19
Jornalista com ampla experiência nas áreas de negócios, inovação e tecnologia. Especializado em produção de conteúdo para veículos de mídia, branded content e gestão de projetos multiplataforma (online, impresso e eventos). Vencedor dos prêmios Citi Journalistic Excellence Award e Editora Globo de Jornalismo. Também é gerente de conteúdo da HSM Management.

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### 10. Você está lançando um livro sobre o futuro do trabalho. O que há de novo no front?
Pré-pandemia, as discussões se concentravam na possibilidade de robôs e softwares roubarem nossos empregos. A pandemia colocou a conversa no devido lugar: na verdade, os principais impulsionadores das alterações radicais nas regras do trabalho são o ritmo e a escala com que as alteramos. O grande reset, nome que dei à pandemia num artigo de abril de 2020, provou que conseguimos mudar a natureza do trabalho da noite para o dia se respondermos à combinação certa de incentivos e desincentivos. O que eu sugiro em meu novo livro, *The Next Rules of Work*, é que façamos isso de maneira proativa, para conseguirmos construir um futuro de trabalho centrado no ser humano. Mas, para isso, precisamos de uma nova mentalidade e de um novo conjunto de habilidades e de ferramentas.

### 9. Estamos, todos nós, fazendo parte de um incrível e gigantesco experimento de trabalho remoto. Será que isso mudou nossos hábitos e nossa ética de trabalho para sempre?
Provavelmente sim, mas não pelo fator “remoto”. Devemos pensar no trabalho como algo que tem seis facetas diferentes: o quê, onde, quando, com quem, como e por quê. Embora tenhamos a tendência a pensar que ONDE trabalhamos passou pela mudança mais repentina e dramática na pandemia, muitas pessoas também ganharam mais flexibilidade com QUANDO, COMO e COM QUEM trabalham. Para alguns, a maior mudança foi o PORQUÊ do trabalho. O que vem sendo chamado de “great resignation” nos EUA é o ato de deletar nossas percepções antigas sobre o significado de nosso trabalho e idealizar de outro modo onde, quando, como e com quem trabalhamos.

Eu disse que a mudança provavelmente ficará porque um número crescente de profissionais – especialmente jovens – já vinha exigindo um propósito de seus empregadores e fazendo cumprir um novo código de ética. Agora, esses mesmos jovens, que ganharam nova autonomia por meio do trabalho distribuído, resistirão a qualquer tentativa de colocá-los de volta na caixa. Ter mais controle sobre a própria rotina, uma vida mais gratificante, está relacionado com propósito e ética.

### 8. De que forma a digitalização do local de trabalho está moldando a cultura das organizações? Ela pode realmente ser usada para expandir o potencial humano?
O “conjunto de ferramentas” da tecnologia teve três impactos: interrupção, capacitação e empoderamento. Não há dúvida de que as tecnologias disruptivas podem ter provocado grande interrupção nos setores de atividade, organizações e trabalhadores, mas, como vimos, a maior interrupção mesmo veio de um vírus. Sobre capacitação, as organizações que já investiam em tecnologias digitais levaram uma grande vantagem para capacitar pessoas com o “grande reset”, sendo mais ágeis em mudar a maneira como trabalhavam.

Mas tecnologias que empoderam as pessoas – que as ajudam a entender suas próprias habilidades para desenvolver rapidamente novas habilidades, alinhar e colaborar com outras pessoas – são as ferramentas de que precisamos para resolver os problemas mais desafiadores de hoje e de amanhã. E ainda faltam.

### 7. A saúde mental se tornou uma das questões mais importantes do mundo do trabalho. O assunto está sendo tratado com a atenção que merece?
Em meu livro, conto o que aconteceu com a foto de um iceberg. Para muitas lideranças corporativas, o conhecimento da experiência vivida pelos trabalhadores da organização sempre foi a pequena porção que ficou acima da linha da água. De repente, veio um vírus, e vulnerabilidades do trabalhador em relação à saúde mental e emocional, à satisfação com o trabalho e à falta de apoio para se adaptar a mudanças, que estava escondidas embaixo d’água, tornaram-se visíveis para todos. Mas, mesmo assim, a maioria das organizações ainda não se comprometeu 100% em ajudar seus funcionários a florescer.

Em muitas partes do mundo, a pandemia está longe de terminar, ou seja, isso continuará a acontecer. E mesmo onde o vírus está mais controlado, quem lidera organizações não pode simplesmente presumir que o trabalho voltará ao “normal” em breve. Vai ser preciso gastar tempo e dinheiro ajudando os trabalhadores a ter o bem-estar necessário.

### 6. Nas últimas décadas, a relação entre profissionais e empresas muda continuamente. Como descrevê-la hoje? É certo dizer que contamos com uma força de trabalho mais fluida em termos de carreira, com uma mentalidade global e com base no “compromisso de curto prazo”? E que as organizações atuais ainda não estão preparadas para lidar com esse novo perfil?
É, sim, uma descrição possível. As antigas regras de trabalho frequentemente incluíam um contrato implícito entre o trabalhador e o contratante, com recompensas mútuas por lealdade, e isso foi abandonado pela fluidez. Eu diria que, em muitos casos, as organizações o abandonaram primeiro, passando a tratar os profissionais como mercadorias descartáveis.

A preparação para o novo perfil pressupõe o entendimento pela empresa de que parte do trabalho agora é capacitar os funcionários para que alcancem seu potencial. Essa é a fonte de engajamento, lealdade e solução de problemas.

### 5. Há uma discussão recorrente sobre como a tecnologia e a automatização vão eliminar empregos e profissões como os conhecemos. Qual é sua opinião a respeito? É possível criar um futuro de trabalho que combine oportunidades iguais, crescimento exponencial dos negócios e colaboração entre humanos e algoritmos?
Robôs e softwares não aceitam empregos; só automatizam tarefas. É uma decisão humana se e como essas tarefas são automatizadas.

Podemos tomar decisões mais centradas no ser humano. Podemos treinar incansavelmente os trabalhadores e capacitá-los com um novo conjunto de ferramentas, para que nunca sejam vistos como obsoletos.

Mas devo dizer que eu não penso nisso como “colaboração” entre homens e máquinas. Eu não colaboro com a caneta em minha mesa. Cada vez que elevamos nossa tecnologia ao nível de humanos, diminuímos os humanos. O software é um conjunto de ferramentas. Vamos mantê-lo nesse lugar, por favor.

### 4. Nesta revista estamos falando sobre os funcionários e o caos. Quais são as habilidades mais importantes para eles se manterem relevantes, criativos e menos caóticos no futuro?
Antes de mais nada, precisamos relembrar os três tipos de habilidades: de conhecimento (o que se sabe sobre uma área específica), flexíveis (úteis em diversas situações) e pessoais (as maneiras como gerenciamos a nós mesmos).
Gosto de destacar, dentre elas, as habilidades flex, que são quatro: resolução de problemas, adaptação, criatividade e empatia. Resolução de problemas é importante por ser o que funciona fundamentalmente. Adaptação, porque não há nada certo na vida, exceto a mudança exponencial. Criatividade é o que nos mantém à frente dos robôs e do software. Empatia é o que nos permite resolver os problemas mais importantes – para os clientes, as comunidades e o planeta.

### 3. Como empregadores, quais são os aspectos mais importantes da gestão e da cultura organizacional que teremos que desenvolver para atrair e envolver grandes profissionais no futuro do trabalho?
Os líderes das organizações precisam adotar novas mentalidades e habilidades. O papel do gestor tradicional – que muitas vezes praticava “gerenciamento por vigilância” e tratava os trabalhadores como ativos de sua propriedade – deve mudar para “o guia da equipe”, alguém que ajuda os demais a fazer o melhor trabalho que conseguem fazer.

Essa transformação do papel é uma mudança radical para muitos líderes, até porque fomos quase todos treinados nas velhas regras do trabalho. Mas há aí uma enorme oportunidade de encorajar culturas inclusivas que tratam as habilidades do trabalhador como “um recurso empresarial”, recurso esse capaz de resolver uma série de problemas em toda a organização.

### 2. Quais são as próximas regras do trabalho?
A mentalidade, as habilidades e o conjunto de ferramentas da organização têm as mesmas quatro “próximas regras”: (1) foco na eficácia em vez de produtividade, (2) crescimento em vez de eficiência, (3) envolvimento em vez da gestão tradicional por exclusão e (4) alinhamento, para garantir que todos os trabalhadores estejam continuamente em sincronia uns com os outros.

Embora haja organizações exemplares que realizam bem uma ou duas dessas práticas, poucas hoje se concentram em todas as quatro práticas. Mas isso não é ciência espacial. Qualquer organização que assumir o real compromisso de praticá-las conseguirá.

### 1. Se você tivesse que compartilhar apenas um conselho para lidar com esse novo ambiente de trabalho, qual seria?
Se você lidera uma organização, tome uma atitude em direção a um trabalho mais centrado no ser humano. Por exemplo, se for contratar, traga para a organização uma pessoa que não se enquadre no perfil-padrão e que, de outra forma, talvez nunca tivesse sido contratada. E aja de acordo com os valores que deseja que os outros sigam. Faça aquilo que queria fazer – e o faça hoje.

Já se você é um trabalhador, entenda suas habilidades mais amadas e dê um jeito de usá-las cada vez mais em seu cotidiano.

Artigo publicado na HSM Management nº 149.

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