Não me recordo exatamente o momento em quem recebi o chamado para ser um médico, mas essa vocação veio à tona na minha adolescência, apesar de nenhum familiar usar o famoso jaleco branco. O que eu tinha como certeza é que queria ser um excelente profissional capaz de entregar os quatros grandes pilares assistenciais: promoção/prevenção da saúde, diagnóstico e tratamento das doenças. Mal eu sabia que, para entregá-los, seria necessário muito mais do que dominar esses tradicionais pilares da medicina. Seria preciso desenvolver soft skills.
Vivemos em uma era em que há grande ineficiência dos processos, desperdício de recursos e um sistema de saúde reativo e centrado nos hospitais. Um grande player desse ecossistema é o profissional médico que está envolvido desde o gemba, ou seja, na ponta do operacional (pronto-socorro) até o cargo executivo e de liderança, com a responsabilidade de tomar decisões estratégicas. As habilidades necessárias para que sejamos profissionais altamente produtivos, proporcionando uma alta performance do sistema de saúde vão muito além do conhecimento da medicina assistencial.
No início da minha jornada médica, quando dava plantão no final de semana enquanto fazia a residência de cardiologia, perguntei para a coordenadora da UTI (Unidade de Terapia Intensiva) o motivo de ter abandonado a medicina, já que tinha feito um MBA em gestão hospitalar e assumido um cargo de administradora. Mal sabia que mesmo eu, que era um “mero” plantonista, otimizaria muito as operações da unidade, inclusive a assistência dos pacientes, caso estivesse conectado com o mundo da gestão. Naquele momento, exames complementares eram desperdiçados e protocolos subotimizados por falta desse conhecimento. Segundo um estudo do Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS), em 2017 houve um desperdício de 12 bilhões de reais por exames laboratoriais equivocadamente solicitados.
O gestor em saúde precisa ter vivido na pele, previamente, as dores da sua equipe e em um cenário ideal, com uma formação acadêmica nessa área. Na grande maioria dos casos, o gestor ocupa também ums posição de liderança e aí entramos em um cenário que exige novas habilidades do profissional. O médico se capacita ao longo da sua carreira, com habilidades técnicas e mensuráveis, adquiridas desde o vestibular, até chegar nas provas de título de sua especialidade. Conhecidas como hard skills, está no core de todos os médicos, sendo fundamental para que conquiste todos os certificados e diplomas que serão exibidos na parede de seu consultório. Porém entramos na era em que as soft skills, famosas no mundo corporativo, são praticamente obrigatórias para nos garantir uma melhor performance, influenciando diretamente na qualidade da experiência do paciente.
Essas habilidades, chamadas de comportamentais, são essenciais para um profissional que lida tanto com o ser humano. Ela não é mensurável em provas, como nas de residência, nem aprendida em cursos ou livros, mas sim desenvolvida durante a nossa jornada, com experiências vividas. É fundamentada basicamente na inteligência emocional, exigindo que o indivíduo mergulhe no mundo do autoconhecimento e desenvolvimento pessoal.
Ser um médico com amplo conhecimento científico e acadêmico é uma premissa básica da profissão. Liderança, gestão de conflito e de tempo, networking, ética profissional, empatia, resiliência, capacidade de resolver um problema e de se comunicar eficientemente, são algumas das soft skills que tornarão o médico acima da média.
Médicos, em geral, conquistam posições por suas hard skills, mas se destacam e recebem promoções por suas habilidades comportamentais, quando prestam um serviço humanizado, eficiente e centrado no paciente. E a semelhança com o universo executivo não é mera coincidência. Vivemos uma era singular e de grande disrupção de mentalidade e de tecnologia, acelerada ainda mais com essa pandemia. O sistema de saúde precisa de médicos versáteis, humanos e dotados de visão inovadora.