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Bacardi moderniza gestão, com mais mulheres

A operação brasileira da fabricante de bebidas não recebia muita atenção da matriz, porém uma história de mudança começou a ser escrita em 2012 –e incluiu um programa de liderança feminina

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Uma mudança profunda foi iniciada dois anos atrás na subsidiária brasileira da Bacardi, a famosa companhia de bebidas destiladas com sede em Bermuda e origem cubana. Além de ampliar o número de cargos de liderança e mudar sua composição, foi dada ênfase à participação das mulheres. Os Estados Unidos e a Europa, principais mercados da empresa, não se mostravam tão fortes do ponto de vista econômico como de costume, e a estratégia vinha sendo redirecionada para ampliar a participação –e a rentabilidade– em mercados emergentes. Era chegada a hora de o Brasil chamar a atenção da matriz. E o Brasil realmente se destacou. A operação local, sediada em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, além de modernizar sua gestão, passou a trabalhar mais as marcas. O rum Bacardi Big Apple estourou e o País conquistou a desejada atenção da matriz. 

**O COMEÇO DA VIRADA**

A história é conhecida. Como outras multinacionais, até recentemente a Bacardi Brasil praticava uma gestão baseada em manutenção de custos e de resultados. Se não houvesse prejuízo, tudo estava bem, porque a matriz não esperava crescimento na região. Afinal, ficou mais de uma década sem investir nada aqui. Então, o diretor-gerente local se aposentou e, no início de 2012, o cargo foi assumido por Fabio Di Giammarco –que representa exatamente o que a Bacardi procurava em todas as suas subsidiárias: um executivo jovem, com perfil voltado para marcas. Di Giammarco fez o raciocínio lógico: para investir nas marcas, precisava inovar rápido; para inovar rápido, precisava de pessoas que fizessem a diferença. Por isso, uma de suas primeiras iniciativas foi criar uma diretoria de recursos humanos, algo que não existia na época. “ Havia um gestor de folha de pagamento, que se re – portava ao diretor-financeiro”, relembra Raquel Alvarenga, a escolhida para a nova posição, contratada em abril do mesmo ano e com passagem pela “es – cola” Ambev. 

A movimentação aproximou o CEO do Brasil. “Ele veio nos visitar e disse que teria dinheiro para investir aqui desde que a nova gestão provasse quão bom era esse mercado”, relembra Raquel. Para dar essa prova, a subsidiária tratou de focar pessoas, propaganda e promoção para rejuvenescer a marca, estratégia comercial e tecnologia. O número de posições em níveis de gerência e diretoria, por exemplo, aumentou desproporcionalmente em relação ao quadro total de 200 funcionários, que ficou estável. Foram criadas gerências novas, como trade marketing e supply chain, principalmente por causa da necessidade da empresa de adquirir competências com rapidez. O grupo executivo, que era composto por 23 pessoas, agora conta com 37, 19 das quais entraram nos últimos dois anos. E a novidade principal foi que, dos 19 recém-chegados, 14 eram mulheres, um aumento de quase 120%. 

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**“Ladies first”**

Raquel foi a primeira mulher em posição de liderança na Bacardi Brasil e rapidamente levantou a bandeira da diversidade de gêneros, incluindo propositalmente mais mulheres nos processos de contratação de pessoal, tanto para novas posições como para substituições. Passados pouco mais de dois anos, Raquel continua a ser a única mulher na diretoria, mas agora há mulheres em quatro gerências –tecnologia da informação, relações públicas, vendas e marketing (antes, o único departamento com mulheres em cargos gerenciais). 

Até o departamento financeiro agora tem mulheres e, embora elas não estejam na gerência, podem chegar lá. Só na área de operações é que falta a presença feminina. Segundo Raquel, há cada vez mais mulheres capacitadas no mercado, e em geral é mais fácil que tenham conhecimento de um segundo idioma, algo crucial em uma multinacional. 

O desempenho de Raquel no cargo de diretora da subsidiária brasileira a levou ao programa global Women Leadership (liderança das mulheres), criado pela companhia em janeiro de 2013. Cerca de 30 mulheres em posição de diretoria ou acima foram convocadas a compor o primeiro grupo. Viajaram para os Estados Unidos e a Inglaterra para treinamentos com pessoas do conselho de administração da Bacardi e também especialistas externos, e entre os temas abordados estavam coaching e presença executiva. Complementarmente, houve treinamentos online, envolvendo temas como autoconfiança e equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. A cada uma das líderes participantes foi atribuído um mentor, que, no caso de Raquel, é Robert Furniss-Roe, presidente da empresa nos Estados Unidos. 

Os dois interagem regularmente, em teleconferências e encontros presenciais, para discutir tanto desafios da carreira como questões de negócios. Paolo Perego, presidente da região latino-americana, também acompanha a carreira de Raquel, como se fosse um segundo mentor. 

O programa mundial de liderança feminina da Bacardi valoriza as mulheres que se destacam em cargos de liderança em seus respectivos países com o objetivo de facilitar a ascensão delas, o que, por sua vez, tem a ver com a busca de mais conhecimento sobre as consumidoras de seus produtos, cujo número é crescente. “Trata-se de um reconhecimento do valor da diversidade de gênero e de pensamento para os negócios”, explica Raquel. 

**EFEITO CASCATA**

Ao grupo do programa Women Leadership cabe inspirar outras mulheres da companhia e trazer para si a responsabilidade de desenvolver as de maior potencial. “Eu já trabalhava com esse foco antes, mas agora minha responsabilidade transformou-se em uma causa”, afirma Raquel. 

A diretora de RH, então, passou a reunir-se regularmente com as gerentes para tomar café e conversar com executivas convidadas, de dentro e de fora da empresa. O objetivo é trocar ideias sobre suas carreiras. Em meados de 2013, convidados homens foram incluídos nessas sessões, ora somente para ouvir, ora para falar e servir de contraponto. “Na empresa em que eu trabalhava antes, havia um grande esforço para a inclusão feminina, mas quase não havia resultado prático, talvez pelo contexto daquele mercado. 

Nunca vi uma empresa levar isso tão a sério como a Bacardi; sinto-me privilegiada por participar do programa.” A diversidade de gêneros não é exatamente um problema generalizado na Bacardi mundial, mas a nova gestão global decidiu não somente ter mais mulheres em cargos de liderança, como investir em seu desenvolvimento e retenção. 

O CEO, Edward Shirley, e a principal executiva de TI, Caroline Basyn, muito envolvidos com essa questão no passado, são dois dos mais entusiasmados defensores da causa. Foi desse entusiasmo que surgiu o Women Leadership, do qual Caroline é a mentora oficial, com o suporte de Scott Northcutt, vice-presidente sênior de RH, e do CEO. O programa teve início com a decisão de divulgar os resultados de desempenho, o 9™ Box, o que também identificou as mulheres com grande potencial em seus países. 

Apontados os destaques, os presidentes regionais validaram as líderes, recebendo ainda comentários do comitê executivo da companhia, já que seus membros costumam visitar as regiões. “O programa nasceu de uma crença pessoal do Ed [Shirley] e da Caroline e é coordenado por equipes em Londres e Amsterdã”, diz Raquel. A atribuição de mentores para as executivas selecionadas é de importância crucial não só para o desenvolvimento, como para a retenção das integrantes. 

No programa, é a mentorada que procura seu mentor para as reuniões a distância e presenciais. Já se sabe que o índice de retenção é surpreendentemente alto entre as gestoras que participam do programa; apenas uma das selecionadas deixou a empresa nesse período, por questões pessoais. “Como sou a única da América Latina nesse grupo, fui convidada a ajudar a desenhar e a fazer a abertura do programa lançado no México”, conta a diretora de RH da Bacardi Brasil.

Mais recentemente, foi realizado o primeiro webinar do programa Women Leadership, um seminário pela web que discutiu temas como segurança e autoconfiança, abordando desde como se colocar em uma mesa de liderança até como se fazer ouvir. O novo calendário de atividades do programa ainda estava sendo desenvolvido no fechamento desta edição, mas a expectativa era a de que fosse lançado um novo grupo, mundial ou regional, de participantes do programa. 

> **O momento é de mudar**
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> A matriz da Bacardi promoveu mudanças de liderança significativas no mesmo período que a subsidiária brasileira, começando pela chegada de um novo CEO e presidente do conselho de administração à empresa, Edward Shirley. 
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> Com trajetória em companhias como Gillette e P&G, Shirley já estava aposentado quando aceitou o desafio de gerir a Bacardi e acaba de completar dois anos de casa. “Além de ter a chance de dar meu toque ao negócio, quero me divertir, e a Bacardi é o local perfeito, já que seus produtos estão associados a momentos alegres”, ele costuma dizer. Também ingressou em 2012 o atual presidente da região latino-americana, Paolo Perego, a quem o brasileiro Fabio Di Giammarco se reporta. 
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> **Mudança organizacional também.** Além da mudança da liderança, várias mudanças organizacionais em âmbito global estão previstas para este ano. Algumas áreas, como TI, marketing e RH, já começaram a atuar em um modelo matricial. “Esperávamos a mudança de uma vez, no começo de abril, mas ela deve vir em fases”, conta Raquel Alvarenga, diretora de RH. 
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> **Profissional e realmente global.** Apesar de ser uma empresa familiar, a Bacardi tem gestão realmente profissional –os membros da família participam apenas do conselho de administração. E, além da sede em Bermuda, a gestão está espalhada por diversos países. Em Genebra ficam o grupo de negócios globais e a área de tecnologia da informação; Londres é sede do marketing; Miami abarca a área de operações; e o quartel-general da divisão América Latina está de mudança para o Panamá.

**GESTÃO DA MUDANÇA**

A Bacardi Brasil fez uma grande mudança de perfil. Foi desenhado um processo formal de gerenciamento de mudança, com cinco anos de duração, no qual se mapeou a situação atual, aonde se queria chegar e o que teria de ser feito para isso. A transformação da liderança foi completada nos dois primeiros anos, o restante está em curso e, a cada seis meses, a diretoria se reúne para verificar o que precisa ser ajustado. Um ponto-chave do programa é a nova e agressiva política comercial, orientada sobretudo para a forma como a empresa chega ao mercado. Alguns clientes não aceitaram os novos modelos de precificação ou de exposição de produtos e deixaram de ser atendidos, enquanto outros aumentaram seu faturamento entre 200% e 400%. “A nova política comercial exigiu muita conversa cara a cara. Em alguns casos, os gerentes regionais, o diretor-comercial e até o presidente tiveram de se envolver. 

Por exemplo, não atendíamos o Walmart diretamente, mas via distribuidor, por conta de problemas de relacionamento no passado. Criamos até uma área de Key Account, com um gerente sênior, e começamos a fazer encontro de distribuidores, inclusive com premiações.” 

Para preparar a equipe para a mudança, na convenção de vendas de 2012 foi mostrado um gráfico que indicava que a empresa não tinha lucros há mais de dez anos, mas que havia potencial para crescer, com iniciativas de investimento em marca e mudanças na forma de trabalhar. “As pessoas que participaram da convenção não sabiam que trabalhavam há anos sem entregar nada. 

A apresentação teve o impacto que queríamos”, revela Raquel. Para ela, as pessoas às vezes resistem à mudança porque não enxergam a necessidade de mudar. A equipe de vendas recebeu treinamentos que incluíram até o preparo de drinques e ficou mais confiante no trabalho do dia a dia. Em uma cultura de performance, as informações devem ser claras. Agora, desempenho e metas são apresentados mensalmente, além de haver pesquisa de engajamento e da participação da firma de consultoria Great Place to Work. 

A nova gestão também mudou o modelo de participação nos lucros e resultados (PLR), da gerência à fábrica. Antes, os funcionários podiam receber até 0,8 salário; hoje até dois salários podem ser adicionados e há uma meta- -estrela, mais difícil, e quem atingi-la ganha mais 0,2, para os níveis abaixo da gerência. Acima dos gerentes, é aplicado um multiplicador mundial. 

> **Cuidados com os funcionários, mulheres em especial**
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> A Bacardi Brasil tem alguns cuidados extras com seus funcionários, coerentes com o fato de ser uma empresa de capital fechado e ainda de gestão familiar. Entre eles está a prática de horário flexível, exceto para a produção, com entrada entre 7h e 11h e saída entre 16h e 20h. Apenas o grupo de analistas tem controle de horário, por conta da lei que define a jornada semanal. “Nada impede que um analista, no dia de rodízio, chegue às 11h e saia às 16h, podendo compensar em outro dia ou até ficar devendo, desde que cumpra as horas determinadas”, conta Raquel Alvarenga. A Bacardi também tem a prática de home office, sem periodicidade estabelecida ou limites, válida do nível gerencial para cima. “Só não dá para viabilizar o home office para todos porque nem todo mundo tem notebook e celular da empresa”, completa ela, considerando que a flexibilidade e a abertura para discutir sobre tudo são vantagens intangíveis na Bacardi. No caso das mulheres, há mimos extras, como a visita semanal da manicure ao escritório. Além disso, lá elas têm seis meses de licença-maternidade, em vez dos quatro determinados por lei, benefício já usufruído por duas funcionárias e que agora será aproveitado pela própria diretora de RH, que está grávida. Mas há uma cobrança como contrapartida, segundo Raquel: “Ao voltar da licença, a pessoa tem de saber conciliar suas demandas da nova vida como mãe; temos um negócio para gerir”

**AMBEV, MÉRITO E PONTO DE VENDA**

A meritocracia é um dos modelos da Ambev que inspiraram a Bacardi. “Dobramos a meta, porque antes, além de não ser clara, não era competitiva. E a meritocracia vale agora para todos os níveis, abrangendo gestão de desempenho, clareza de metas, feedback, comunicação, recompensas financeiras pela contribuição ao resultado da companhia e uma postura de dono, que se empenha para resolver o problema mesmo que não seja exatamente da pessoa, algo que a Ambev imprime muito em sua equipe”, afirma Raquel. 

De acordo com ela, a Ambev também tem práticas de execução muito boas, principalmente no ponto de venda, que inspiram a Bacardi. “Nós já caminhamos nisso, mas queremos caminhar ainda mais”, completa. Muitos vendedores, além de quatro líderes da Bacardi, tiveram passagem pela Ambev, o que tem facilitado a mudança de venda de sell-in (para o primeiro intermediário/distribuidor) para sell-out (como girar o produto no ponto de venda e o consumidor volte para comprar, preocupação com precificação, como o produto está posicionado na gôndola, se falta produto, se está acondicionado corretamente). “Isso é o que queremos aproveitar da cultura Ambev”, revela Raquel. 

A estratégia da Barcardi Brasil agora se baseia muito em planejamento, mapeamento e execução. “Todas as decisões são conscientes. Não há um quadro na parede sem motivo para estar lá. Houve até mudanças arquitetônicas: as paredes das salas são de vidro para reforçar a ideia de transparência.” Ao lado da recepção, uma réplica de um barzinho remete aos tempos antigos, com um carro Romiseta e uma jukebox expostos. A Bacardi não divulga números, mas Raquel garante que o resultado está no azul. “Em 2013, superamos as metas e continuamos na curva de crescimento”, diz ela. Em termos percentuais, o resultado brasileiro ainda tem pouca relevância para a companhia global, porém é o mais importante, ao lado do México, na região latino-americana, além de ter importância estratégica. “Até lá fora o consumidor brasileiro está cada vez mais fortalecido como formador de opinião”, comenta. 

**MARCA FORTALECIDA**

O número de currículos recebidos pela diretoria de RH da Bacardi triplicou nos últimos dois anos, fruto do fortalecimento da marca corporativa. “Antes, as pessoas perguntavam: Bacardi é Campari? Bacardi é Martini? Era como se a empresa não existisse. Decidimos torná-la mais visível, trabalhando a marca corporativa como um produto, e isso atrai a atenção dos talentos”, diz Raquel, justificando o aumento do interesse. Por ser uma empresa relativamente pequena, a Bacardi Brasil não compartilha os processos com os funcionários em detalhe, mas oferece a transparência como atributo e dá abertura para participação. “Se tem algo a dizer, a pessoa pode ir direto à sala do presidente, que ele vai atender na hora”, destaca a diretora de RH. Um bom exemplo disso foi o projeto de sustentabilidade da empresa, que ficou a cargo dos estagiários, com peso na avaliação anual. Em março último, os estagiários apresentaram o projeto para toda a direção. “Eles ficaram entusiasmados de ter um projeto e uma verba próprios.” 

**MUITOS PLANOS**

O ano de 2014 será dedicado principalmente à expansão de portfólio na Bacardi Brasil. Até então, o trabalho estava focado no rum Bacardi Big Apple, um best-seller da empresa no País, e na vodca premium francesa Grey Goose. De novos, já estão no mercado o rum Bacardi Big Pinneapple e a cachaça premium Leblon. Do ponto de vista organizacional e de tecnologia, começou a ser implementado o sistema SAP, em um projeto de um ano. “Será mais um desafio de mudança de processo e cultural, mas reforçará a interface global e a transição para uma empresa mais matricial, o que aumenta o acesso à informação”, comenta Raquel. Paralelamente, está sendo reorganizada a estrutura de vendas. As mudanças são quase uma revolução, e com muitas mulheres envolvidas.

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