Eu tive um sonho que não era em todo um sonho
O sol esplêndido extinguira-se e
As estrelas vagueavam escuras pelo espaço eterno,
… Veio e foi-se a manhã, veio e não trouxe o dia
Lord Byron (1788-1824)
Não foram poucos os poemas em que Lord Byron cantou cenas de “corações esfriados” no “horror da desolação”. O célebre poeta romântico inglês personifica com maestria o estado de espírito que dominou a Europa na primeira revolução industrial, marcado pela desesperança dos homens ante a ascensão das máquinas.
Nos tempos atuais, alguns círculos parecem estar escrevendo esse tipo de poesia novamente, e é preciso estar atento para não sucumbir a seu pessimismo. Outros, no entanto, aprenderam com a história e preferem responder às tecnologias da quarta revolução industrial com uma estratégia bem definida e ações concretas. Em relação à estratégia, já há certa unanimidade, como avalia Guilherme Soárez, CEO da HSM e diretor do SingularityU Brasil Summit: “Com a chegada dos robôs, precisaremos ser mais humanos”.
As ações, por sua vez, têm a ver com o desenvolvimento dessa humanidade, processo que cabe predominante aos departamentos de recursos humanos (RH) das empresas, aos líderes e a cada profissional individualmente.
Em linhas gerais, aos profissionais cabe acender, e manter acesa, a chama interna da curiosidade, sempre buscando novos conhecimentos. O maior desafio é passar de alguém que sabe as respostas para quem consegue fazer as perguntas certas. Eles devem também deixar transparentes suas expectativas e se esforçar em prol de um ambiente de confiança.
Os líderes, por sua vez, têm de fazer isso consigo mesmos e ainda cuidar do impacto que causam na experiência de seus liderados. Além disso, precisam “servir como guardiões e exemplos dos valores culturais, e promover a confiança e a transparência”, como comenta Lina Cerveira, coordenadora do employee experience labs, da Arco | Hub de Inovação.
Já os gestores de RH devem alimentar a chama interna da curiosidade, apoiar os líderes em suas ações, criar experiências valiosas para cada funcionário e trazer os aspectos emocionais e relacionais para a mesa de decisões estratégicas, na visão de Cerveira.
Para os três grupos começarem a mudar, há duas palavras-chave: “mentalidade” e “habilidades” – ou “mindset” e “skills”, termos em inglês que são cada vez mais usados no Brasil. Conceitos como “upskilling” (melhorar habilidades) e “reskilling” (aprender novas habilidades) se tornam imperativos.
**MINDSET**
Para acompanhar as transformações do mundo 4.0, com desafios constantes e voláteis, as pessoas têm de mudar a chave para a ideia de “lifelong learning”, o aprendizado para toda a vida. Não basta mais ir à escola ou só aprender com professores diplomados e livros; é preciso aprender o tempo todo, com todos e com tudo, e não só porque alguém mandou aprender, mas por iniciativa própria.
Desde 1970, a Unesco já sinalizava a necessidade de uma aprendizagem contínua para fazer frente às rápidas mudanças do mundo, conforme relembra Conrado Schlochauer, embaixador do Capítulo São Paulo da Singularity University e cofundador da Teya, ecossistema de inovação e aprendizagem. Mas, agora, duas novas variáveis impulsionam o lifelong learning: a maior longevidade e a aceleração da mudança graças à tecnologia. “As pessoas vivem mais, trabalham mais, o que demanda um aprendizado constante, como uma eterna readaptação às necessidades de sua própria vida”, diz ele . “E a pessoa tem de ser apta a conduzir seu próprio processo de aprendizagem, a partir da consciência do que precisa aprender, de como será aprendido e respeitando horários predefinidos – ou seja, com disciplina.”
Para tanto, o autoconhecimento é peça fundamental, porque, para haver aprendizado, é preciso ter noção do conhecimento existente, do que falta e do que precisa ser substituído. O aprendizado deve ser ancorado em um processo ativo de autonhecimento. Como fazer isso? O coaching – conduzido da maneira correta – é uma ótima ferramenta. Mas eis uma sugestão bem prática de Soárez que pode ser feita por conta própria: “No fim do ano, em vez de nos limitarmos a planejar o ano seguinte, devemos fazer uma retrospectiva do ano que está acabando, para identificar nossos acertos e nossos erros, e os objetivos que foram, ou não, alcançados”, ensina. A partir disso, cada pessoa identifica suas lacunas, técnicas e comportamentais, e define o que é necessário para melhorar profissionalmente.
**SKILLS**
Nunca foi tão fácil aprender novas habilidades, analisa Schlochauer. “Para saber o que precisa aprender, a pessoa tem de, acima de tudo, ficar atenta; pensar, conversar, ter experiências”, diz o embaixador da Singularity University. Existe muito de tudo: muitos recursos de aprendizagem, muito conteúdo, muitos cursos e eventos, muitas pessoas interessantes compartilhando conhecimento.
É consenso que é no ambiente de trabalho que mais se aprende. Segundo Schlochauer, o modelo 70-20-10 faz cada vez mais sentido. Para quem não sabe, esse modelo diz que 70% do aprendizado acontece na prática, com as experiências no trabalho; 20% é um aprendizado social, que vem de compartilhamentos de conhecimentos com outras pessoas; e 10% do velho e bom treinamento formal.
Schlochauer lembra que “a responsabilidade pelo aprendizado é sempre da pessoa”, embora o RH e os líderes em geral possam dar uns empurrões, incentivando uma cultura de aprendizagem na organização, providenciando uma curadoria de conteúdo e desenvolvendo ativamente um contexto para que seja possível aplicar o aprendizado – que é quando ele é de fato incorporado. Job rotation, equipes multifuncionais e encontros para que pessoas ligadas a diferentes iniciativas troquem informações são aceleradores hors-concours do aprender.
O embaixador da Singularity University prepara um novo livro em que destrincha as dez “core skills” mais relevantes para o mundo profissional de hoje em diante. “O ponto principal é: se preocupe com o presente e não com o que está por vir”, diz Schlochauer. Entre os skills, ele destaca três:
• Curiosidade: é aquele olhar – não de julgamento – para tudo o que está ao redor.
• Coragem: capacidade de tomar decisões apesar do medo.
• Autenticidade: o melhor que uma pessoa pode ser é ela mesma; então, leve sua real essência para o trabalho.
Já Guilherme Soárez aconselha que as pessoas tenham uma visão mais horizontal das coisas. “Eu listaria os skills em ascensão e procuraria experiências que me ajudassem a desenvolver cada um deles”, diz. E isso deve virar um círculo virtuoso permanente. Novas mudanças, novos skills, novos preparos.
Destacamos ainda dois skills em ascensão, para que as pessoas as busquem e os profissionais de RH e os líderes as facilitem:
FLEXIBILIDADE. Existe uma relação direta entre flexibilidade e realização. As pessoas têm diferentes desafios de vida e querem conseguir realizar todos estando ligadas a uma organização, sem deixar de gerar gerar valor para o negócio, diz Lina Cerveira. Ela também é fundadora da Maracatu&eu, consultoria e projetos de gestão de pessoas, que se dedica a ajudar as empresas a oferecerem isso.
Como o RH e os líderes podem proporcionar flexibilidade? Não há uma receita única. Antes de tudo, o gestor precisa entender que modelos e soluções vão construir ali um ambiente mais produtivo e feliz. “Cada pessoa, cada tipo de trabalho, cada equipe e cada organização usufruirá dos benefícios da flexibilidade de maneira única.”
Há, no entanto, suportes mais ou menos consensuais que podem ser proporcionados para que cada um use a flexibilidade com sabedoria e seja realmente produtivo com ela. “O fortalecimento de valores como autonomia, relações de confiança, significado e propósito ajuda bastante, além de uma cultura clara centrada na comunicação e em resultados, com rituais de alinhamento de expectativas e de avaliação, de conscientização e de desenvolvimento das pessoas”, diz Cerveira, que enfatiza o papel das tecnologias para ajudar nisso.
Os suportes são obrigatórios para optar pelo flex. “Já conheci casos em que o trabalho flex piorou a qualidade de vida das pessoas, gerando insegurança, ansiedade e baixo engajamento, porque os suportes não foram levados em conta pelos gestores”, comenta.
(Intra)empreendedorismo. Intraempreendedor é aquele funcionário que, mesmo assumindo riscos, busca soluções para problemas específicos em sua área de atuação ou para otimizar uma tarefa e ganhar agilidade, reduzir custos ou aumentar a lucratividade no negócio. Muitos consideram que o plano de carreira tradicional está com os dias contados e que tudo o que as empresas vão querer são intraempreendedores.
Prima-irmã da flexibilização e da autonomia, essa habilidade é cada vez mais importante. Se sua empresa estiver antenada com o que vem acontecendo, você deve buscar se envolver o quanto antes em um time do tipo squad, como os do Spotify – metodologia ágil do mundo da tecnologia frequentemente descrita em HSM Management – e dominar o exercício do design sprint, nascido no Google, que ajuda a promover inovação rapidamente.
O botão de “Like” do Facebook foi criado por um intraempreendedor da empresa de Zuckerberg. A mudança da marca Havaianas, do posicionamento com o público de baixa renda para ser cool, também tem essa origem. “Como há insegurança em se libertar do status quo, o intraempreendedor que faz testes e aprende é cada vez mais peça-chave”, avalia Cerveira.
A habilidade que há por trás do intraempreendedorismo, como todos sabem, é o empreendedorismo – essa ideia de criar coisas e correr riscos para fazer com que aconteçam. Segundo esse credo, qualquer pessoa pode criar uma startup – aliás, isso provavelmente será um estágio na carreira da maioria das pessoas dentro de algum tempo, inclusive pelo aprendizado concentrado, que será cada vez mais valorizado.
O importante a frisar é que empreender não deve ser associado só aos indivíduos mais jovens. “Uma das grandes tendências atuais é o que chamamos de empreendedorismo sênior: um em cada quatro entrevistados em uma pesquisa que fizemos deseja empreender”, revela Layla Vallias, da consultoria Hype60+, aceleradora de negócios de empreendedores maduros. Percebendo que muitos aposentados queriam continuar a trabalhar, Pedro Wilson Viana Leitão idealizou em 2017 a 50Mais Courier Sênior, startup de logística focada no last mile, cujos dois investidores-anjo são aposentados. E seus 200 entregadores também são.
**UM CASO REAL**
Como tornar-se desde já um profissional do futuro? Marcelo Nóbrega, diretor de RH da Arcos Dorados (McDonald’s), oferece alguns caminhos de sua própria experiência. Ele diz que, mesmo sem ter ainda uma data preestabelecida em mente, prepara-se há algum tempo para quando chegar a hora de deixar o mercado de trabalho formal. “Comecei com uma visão de carreira pós-corporativa e tradicional: ser conselheiro ou headhunter”, conta. Para isso, foi fazer curso de coach na Columbia University e de conselheiro no IBGC. No entanto, está entusiasmado mesmo com a ideia das HRtechs, startups que juntam RH e tecnologia, das quais se aproximou no dia a dia do McDonald’s. “É como um playground; estou me divertindo muito”, diz ele, que entrou em conselhos de algumas dessas startups e tem atuado como mentor e até virou investidor-anjo.
Além de estar mapeando cenários de futuro e estudando para poder aproveitá-los, Nóbrega faz mais três coisas que funcionam muito bem na construção do amanhã: (1) deixa o presente bem resolvido – “Chego em uma empresa, estabilizo o ambiente, preparo sucessor e saio”; (2) desapega-se logo do que fez, que vira passado, mudando de área ou empresa; e (3) cria presentes alternativos para ter chance em futuros também alternativos, envolvendo-se com equipes diferentes. E com jovens. “Adoro conviver com jovens.”