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Como tornar o seu jurídico inovador

O caminho está no design thinking, como mostra o estudo de caso da mineradora RHI Magnesita

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Sempre faço essa pergunta no primeiro módulo de meu programa de treinamento no método Legal Meets Design e, quando a fiz ao time jurídico da mineradora RHI Magnesita, a única resposta que se sucedeu após um longo silêncio foi: “Não sei, mas ouvi falar que esse moço beijou a moça contra a vontade dela”.

A RHI Magnesita (Rhim) foi fundada em 1834 e, graças a uma série de fusões entre empresas de alto desempenho, tornou-se líder global em refratários. Faz parte de um setor conservador, portanto, e composto de grande diversidade de stakeholders. Por isso, além dos desafios comuns a todo departamento jurídico, como revisão de documentos, gestão de contencioso, realização de auditorias e elaboração de orçamentos, a área legal da Rhim precisa gerar um valor específico para o negócio: facilitar a construção de relacionamentos. E é nesta parte da história que você vai conhecer o Leonardo Costa.

Formado em direito pela PUC Minas e com 18 anos de Rhim, Costa é o head de legal para América Latina. Ele começou a enxergar os serviços jurídicos de uma forma diferente mais recentemente. Atento à apropriação do processo de design por outras áreas de negócios, tem participado de vários workshops, cursos e seminários sobre design thinking, e isso o fez ver os serviços não como são, mas como poderiam ser. Costa pode ser descrito hoje como um representante do movimento conhecido como “legal design (thinking)”.

Imagine o leitor os desafios de Costa: ele precisava otimizar processos, como sempre precisamos, e também ajudar a divisão jurídica da Rhim a migrar para o mundo digital e apoiar projetos estratégicos de descarbonização e reciclagem. O contexto requeria várias transformações, e foi assim que ele entendeu que seu time tinha de ser mais criativo.

O líder via a consciência da necessidade de inovar já existente em seu time, porém via também que os colaboradores necessitavam de instrumentos práticos para fazer entregas mais inovadoras. E é nesta parte, em 2020, que entra o coadjuvante dessa história: o método Legal Meets Design (LmD), desenvolvido por mim para ressignificar o departamento jurídico nas organizações.

## O MÉTODO NA PRÁTICA

A base do LmD é o estímulo ao pensamento abdutivo, ou seja, à capacidade de imaginar respostas alternativas para questões que desafiam nossa compreensão – algo crucial para situações de transformação. O método é composto de uma parte customizável e outra fixa, respectivamente a estratégia de sensemaking e a capacitação em brand experience e em legal design thinking. A seguir, as duas partes, que constituem três módulos, são explicadas – e ilustradas no caso Rhim.

__Sensemaking.__ O ponto de partida do método é a construção das condições para que a transformação do departamento jurídico ocorra e se sustente, tendo em mente que toda transformação deve fazer sentido. Nesse módulo, precisamos descobrir o valor que faz sentido para o jurídico entregar ao negócio e capacitar as pessoas no método LmD para potencializar suas entregas.

Levando em conta que o jurídico é um departamento com muitas interfaces, o que torna fundamental envolver as demais partes interessadas em suas entregas, decidimos começar a aplicar o método com uma palestra sobre mindsetting patrocinada pelo jurídico para toda a RHI Magnesita. Isso cumpriu três objetivos: (1) sinalizou aos stakeholders que o jurídico estava ciente das necessidades do negócio; (2) aproximou a área desses stakeholders; e (3) estabeleceu um senso de urgência muito importante no time legal, porque foi prometido que voltariam em três meses para compartilhar os resultados do programa. A entrega de valor do jurídico a seus stakeholders ficou clara e, mais ainda, a reputação da área entrou no jogo. Então, partimos para a capacitação.

__Brand experience.__ Nesse módulo, introduzimos o conceito de “qualidade da experiência”, que é medido por indicadores de satisfação do stakeholder – geralmente o cliente ou o colaborador – em seus pontos de contato com a marca. Mostramos que o jurídico costuma se ver como mera área de apoio àquelas áreas que são “customer-centric”, incapaz de falar a língua dos negócios, e que isso está errado. Numa organização verdadeiramente centrada no cliente, todos os membros entendem como seus trabalhos afetam a experiência do cliente, não importa se estão na linha de frente ou no back-office. Em outras palavras, se cada documento gerado pelo departamento jurídico representa um ponto de contato na jornada do cliente ou colaborador, o jurídico participa ativamente da formação da percepção de valor sobre a organização.

Primeiro, estudamos os pontos de contato dos clientes com a marca Rhim – site, perfis nas redes sociais, brandbook, relatórios, anúncios de vagas etc. E vimos uma estética surpreendentemente contemporânea para uma marca de refratários, com linguagem clara e tom de voz enérgico. Encontramos expressões como “levando a inovação a 1.200 graus e além”, “tudo se resume a pessoas” etc. Depois, fomos estudar os documentos jurídicos. Essa percepção de protagonismo e excelência se quebrou. E vimos que essa era uma dor do departamento liderado por Costa.

Resolvemos eleger um ponto de contato específico para praticar o método recém-aprendido a fim de consolidar o conhecimento. O time de legal da Rhim escolheu o contrato de trabalho como ponto de contato, pelo alto grau de autonomia que teria para trabalhar (era algo “interno”, com o RH) e pelo ineditismo da iniciativa.

A interação com o time de RH foi intensa – a head de serviços integrados e a business partner (BP) de RH fizeram a capacitação completa. O que se viu foi um time multidisciplinar formado pelo jurídico e seu stakeholder – vamos apelidá-lo de Legal-RH.

__Legal design thinking.__ Havia um problema real para resolver: fazer o processo admissional, normalmente presencial, e migrar para o meio digital, com a assinatura digital dos documentos. Como garantir que conseguiriam inovar nas respostas?

A solução começou no “gemba” – que, em japonês, significa o “verdadeiro lugar”, ou seja, o lugar onde o problema ocorre. Então, o jurídico foi praticar a observação dos contratos na planta de Contagem (MG). O time foi orientado por Léo Velozo, outro parceiro no LmD, a registrar detalhes: as emoções em relação ao contrato, o espaço utilizado para isso, o percurso do documento etc. Ir ao gemba foi e sempre é decisivo para a geração de insights e a definição de indicadores de sucesso. Foi nessa visita também que o time entendeu a dimensão simbólica do contrato de trabalho na experiência completa do colaborador.

No infográfico no final do artigo, percebemos que o dia da assinatura do contrato está inserido em uma narrativa muito mais longa para o novo colaborador, chamada “A jornada do colaborador”. Antes da assinatura, houve o processo seletivo para a vaga. Depois dela, pode ser que se passem dias ou meses até o primeiro dia de trabalho, o chamado onboarding. Esse intervalo entre a assinatura e a estreia na empresa é o preboarding, e é um período de limbo em que o colaborador não tem interação com ninguém na companhia.

O jurídico descobriu no gemba que há dois atritos na experiência:

__ATRITO 1:__ além do contrato de trabalho, o colaborador tinha de assinar vários outros documentos de terceiros que exigiam grande atenção, por exemplo, a escolha do plano de previdência. Isso era feito após a exposição a um grande volume de informações sobre a Rhim, numa espécie de curso de boas-vindas.

__ATRITO 2:__ eram tantas as dúvidas no preenchimento dos formulários e na assinatura de documentos que a Rhim disponibilizava uma funcionária somente para sanar as dúvidas dos colaboradores no processo. A necessidade de horas extras para atender a todos era frequente.

O time também descobriu uma oportunidade e definiu alguns indicadores de sucesso. A oportunidade? Ao se colocar no lugar dos candidatos e relembrar seus próprios processos seletivos, jurídico e RH perceberam o teor emocional dessa fase, em que a assinatura do contrato oficializa a mudança de status de candidato a colaborador Rhim.

Os indicadores surgiram quando a jornada foi mapeada e avaliada, o que ocorreu duas vezes. A primeira jornada usou apenas um indicador, o SUS (sigla em inglês para escala de usabilidade do sistema), presente na ISO 9241-11 – que recebeu uma nota 82 de 100 em usabilidade. O segundo momento aconteceria mais adiante, após a capacitação completa do pessoal em LmD, quando o time criou soluções e foi testá-las no gemba segundo cinco indicadores, a melhoria na experiência/ usabilidade (SUS) e mais quatro: redução de páginas do contrato, redução do tempo de assinatura, redução das solicitações de ajuda durante o processo e aumento da facilidade de leitura.

## MUDANDO TUDO

Há duas formas de melhorar a experiência em uma jornada: pela eliminação de atritos e pela construção de memórias positivas em momentos decisivos. O time Rhim ousou nas duas formas:

__Eliminação de atritos.__ Lembrando, havia dois atritos no caso da RHI Magnesita. O primeiro era o volume excessivo de informações e decisões em um único evento, que exigia grande esforço cognitivo e gerava estresse. Era preciso reduzir a carga. O time traçou uma hipótese: a elaboração de uma cartilha de benefícios, antecipando informações sobre os demais documentos que são assinados com o contrato de trabalho, reduziria a ansiedade e o nível de esforço no dia do preboarding. O segundo era a complexa linguagem jurídica. Como manter o tom de voz da marca Rhim e falar de modo direto, sem necessidade de esclarecimentos adicionais? A hipótese: um contrato de trabalho redigido e desenhado segundo os preceitos do infodesign e do brandbook teria um impacto emocional positivo no colaborador, reduziria a quantidade de dúvidas e expressaria melhor os valores Rhim.

Então, o time foi das hipóteses para a ação, fazendo experimentos e investindo em infodesign. Criou a cartilha de benefícios para ser enviada aos colaboradores antes da admissão e reescreveu todo o contrato em linguagem coloquial, substituindo, por exemplo, os termos “empregado” e “empregadora” por “você” e “RHI Magnesita”, gerando proximidade com o novo colaborador. Também combinou textos diretos com iconografia, para tornar o documento mais leve visualmente e de mais rápida compreensão. Aplicou a identidade da marca ao documento, oferecendo a experiência Rhim também em contratos.

O uso estratégico de recursos textuais, visuais e de outras naturezas para reduzir o esforço cognitivo dos usuários e facilitar a tomada de decisão é uma área estabelecida do design gráfico, chamada de information design – infodesign –, e o direito criou um termo próprio para definir essa prática em seus documentos: “visual law”. Sobre isso, trago um alerta de Hugo Florez, especialista em infodesign e professor dos workshops LmD: “A ênfase reducionista ao visual, em detrimento de um pensamento estratégico e do conhecimento do processo de design, tem levado ao uso equivocado dos recursos disponíveis, gerando, muitas vezes, documentos destituídos de credibilidade formal e qualidade informacional”. Há que ser consistente.

__Adição de significado.__ E se o dia de admissão estimulasse uma comemoração, já que a assinatura do contrato oficializa a incorporação do colaborador ao time Rhim? Pois bem: a equipe Legal-RH se inspirou nos grandes times de futebol comemorando a contratação de novos craques e convidou outra área da empresa a participar – a comunicação corporativa.

Qual a hipótese aqui? Se modificarmos o ambiente, as pessoas modificarão a si mesmas. Foi proposta a criação de um painel “ïnstagramável” para estimular o registro espontâneo do preboarding pelos novos colaboradores (e a postagem dessas fotos) e duas hashtags. A ideia era evidenciar, desse modo, o senso de pertencimento à Rhim.

## RESULTADOS E LEGADO

Tudo isso aconteceu em três meses e o time convidou colegas de diversas áreas e geografias da empresa para compartilhar os resultados. O evento começou com uma palestra sobre brand experience, com foco em employee experience, a fim de preparar a plateia para perceber com clareza o valor gerado. Um videocase e um relatório bilíngue também ajudaram a entender os resultados:

– O volume de páginas dos contratos, incluindo aditivos, caiu de 24 para 6.
– A escala de usabilidade subiu de 82 para 91,25.
– A facilidade de leitura passou de-5,5 para 14,1.
– O tempo para assinar todos os documentos se reduziu de 18 minutos para 5 minutos.
– As solicitações de ajuda durante a assinatura caíram de quatro vezes, em média, para zero.
– O tempo para digitalizar os documentos após as assinaturas caiu de 1 hora para 20 minutos.
– O tempo de preparo dos documentos para
– o processo de admissão caiu de 2 horas para 30 minutos.
– As impressões de documentos por admissão se reduziram de 300 para 150.
– A duração do treinamento de boas-vindas baixou de 4 horas para 2 horas.
– O uso do painel de selfies foi de 40%, e a rede social registrava, cinco dias após o preboarding, 555 likes e 66 comentários.

Um mês após o término do programa, houve mais duas atividades da estratégia de sensemaking, reforçando que o design de uma experiência sempre deve considerar o antes, o durante e o depois: a gravação de um podcast e uma aula bônus, imersiva, sobre “Os desafios do direito no metaverso”, na plataforma Gather Town. As atividades foram importantes para a coleta de dados e feedbacks sobre os resultados gerados.

Quanto aos legados do programa, destaco três:

• Liberação da autoconfiança criativa do time.
• Maior cooperação com os pares – as áreas passaram a procurar o time para projetos conjuntos.
• Melhora da relação com os escritórios de advocacia parceiros, uma vez que o time passou a fazer briefings mais claros e a exigir que as entregas sigam padrões do design centrado no ser humano.
Uma curiosidade é que Leonardo Costa foi promovido no meio do programa LmD. Agora em Viena, como head responsável por Europa CIS e Turquia, ele se empenha em inventar uma solução alternativa para contratos…

O IMPACTO TRANSFORMADOR do design no sistema jurídico está, sem dúvida, crescendo. Na imagem icônica, não importa quem você ache que é o jurídico. O outro será o design.

__Quadro__
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