Dossiê HSM

De olho nos resultados

Medir o impacto de iniciativas sociais – sejam elas públicas, privadas ou realizadas em colaboração – é essencial para avaliar seu alcance e prestar contas à sociedade
Professora do Insper.

Compartilhar:

A pergunta que fazemos hoje não é se nosso governo é muito grande ou muito pequeno, mas se ele funciona – se ajuda as famílias a conseguir empregos com salários decentes, com cuidados que possam pagar, com uma aposentadoria digna. Onde a resposta for sim, pretendemos seguir em frente. Onde a resposta for não, os programas terminarão.”

O parágrafo acima, trecho de um discurso de Barack Obama, feito na Casa Branca em 2009 quando ele era o presidente dos Estados Unidos, mostra a importância de medir os resultados das iniciativas sociais – sejam elas públicas, privadas ou realizadas em um modelo de cooperação. Isso permite saber não apenas se a proposta de uma determinada intervenção foi alcançada, mas também prestar contas à sociedade e aos envolvidos sobre os impactos daquelas ações e, caso necessário, propor melhorias ao projeto ou programa.

Sem avaliação, não temos clareza sobre os benefícios de qualquer iniciativa. Sem avaliação, não conseguimos analisar a relação custo-benefício de cada esforço, o que é fundamental quando recursos disponíveis são inferiores ao desejado, como costuma acontecer. Sem avaliação, não aprendemos o suficiente sobre a intervenção, a ponto de conseguir propor aperfeiçoamentos e aprimorar metodologias. Sem avaliação, diminuem – ou desaparecem – as oportunidades de maximizar o impacto das ações para resolver problemas complexos na sociedade.
O que vale para ações governamentais aplica-se também a projetos desenvolvidos de forma colaborativa entre governo, terceiro setor e setor privado. Conforme ressaltam Sergio G. Lazzarini e Aldo Musacchio no artigo “O uso do aparato estatal em crises: oportunidades e cuidados”, os benefícios da parceria entre esses três atores são muitos: investimento acelerado em infraestrutura estratégica, capacidade de produção, recursos de execução de programas de ação coletiva em massa, novas capacidades tecnológicas, entre outros.

Muitas vezes, o setor privado ou o terceiro setor detém tecnologia de ponta, maior capacidade de formação dos profissionais para que uma solução se torne factível e maior agilidade para chegar aos mais vulneráveis, por exemplo, do que o governo. No entanto, o benefício – o pretendido e o efetivamente gerado – deve ficar claro e transparente para o cidadão, bem como a lógica de governança desses arranjos. É onde entram as métricas de desempenho de projetos sociais e outros cuidados necessários a esses arranjos.

Mas como fazer isso – especialmente em nosso País? O Brasil tem feito vários avanços na busca por disseminar conhecimento sobre o tema. Entre os muitos já realizados, vale destacar dois guias práticos de avaliação publicados pela Casal Civil. Esses documentos clarificam passos essenciais para a avaliação do desempenho de qualquer política pública.

## Ponto de partida: modelo lógico
O primeiro passo, crucial para qualquer análise que será feita do projeto, é ter domínio sobre o desenho da parceria e de sua teoria de mudança, conhecida como modelo lógico. Conforme ressalta o guia, o modelo lógico é “um passo a passo estruturado justamente de forma a demonstrar como recursos e atividades geram produtos, resultados e seus respectivos impactos”. É preciso explicitar e exibir a racionalidade de conexão entre seus componentes, nesta ordem: insumos, atividades, produtos, resultados e impactos.

Detalhando, os insumos de uma política são os recursos necessários para a sua execução, sejam eles financeiros, físicos, humanos ou outros. As atividades são os serviços e os processos realizados com os insumos para que se transformem em uma ação. Os produtos são os resultados diretos da ação ou atividade realizada, e os resultados são as mudanças de curto prazo observadas. Por fim, os impactos são as mudanças de mais longo prazo.

Vejamos um exemplo simplificado de arranjo intersetorial, relativo a um projeto educacional. Uma empresa privada fornece recursos para que um agente do terceiro setor viabilize formadores (insumos) que realizarão uma atividade formativa (atividade), que tem como objetivo capacitar professores para alfabetizar alunos de forma mais eficiente (produto), o que viabiliza uma menor taxa de analfabetismo no município (resultado) e, portanto, uma cidade que possa ler com mais frequência e ter acesso a uma série de outros direitos sociais que dependem da leitura (impactos).

Uma avaliação do impacto das parcerias intersetoriais, assim como acontece com a avaliação de políticas públicas como um todo, depende de um modelo lógico claro e bem desenhado. É a partir dele que podemos contratar e viabilizar um desenho de avaliação – que, idealmente, deve ter pesquisadores independentes de forma a garantir que essa avaliação seja externa e isenta.

## Desenho da avaliação
O desenho da avaliação é criado a partir de uma negociação entre contratante e pesquisador, pois depende da análise cuidadosa dos dados disponíveis, do controle do processo de seleção dos beneficiários, dos instrumentos a que se tem acesso e dos resultados esperados da intervenção, entre outras coisas.

Os guias da Casa Civil detalham esses passos, mas eles só podem ser definidos e negociados uma vez que o gestor da intervenção tenha o modelo de mudança desenhado. Não existe uma fórmula única, a avaliação depende do desenho da parceria e dos objetivos a serem alcançados.

Porém, apesar de não existir uma fórmula única, a ciência já dispõe de um grau amplo de metodologias avaliativas suficientes para avaliar e monitorar a grande maioria dos arranjos de política pública. Além dos diversos exemplos internacionais, o Brasil já tem muitas experiências próprias de avaliação de políticas sociais dos mais diversos arranjos.

## Exemplos práticos
Um exemplo, dentre muitos, é a avaliação de impacto da parceria do Instituto Ayrton Senna com a Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina para a implantação da proposta de educação integral para o Ensino Médio. A parceria conta, ainda, com muitos outros atores, entre universidades, terceiro setor e empresas privadas. Nesse modelo, o Instituto detém a tecnologia das escolas de tempo integral, empresas privadas e outros atores do terceiro setor viabilizam o arranjo e monitoram os resultados e o estado faz a implementação, adaptando a tecnologia à realidade local.

Não apenas preocupados com a garantia dos direitos de aprendizagem dos alunos mas também com a relação custo-benefício do arranjo, essa intervenção já nasceu com um desenho de avaliação de impacto experimental, que permite aferir e mensurar os resultados dos três anos de projeto, avaliando o real impacto em aprendizagem e outras competências dos alunos de ensino médio.

Outro exemplo importante é a criação do programa Criança Feliz, do governo federal, o qual integra ações nas áreas da saúde, assistência social, educação, justiça e cultura e que nasceu com uma avaliação experimental, realizada em parceria com a Universidade Federal de Pelotas e muitas outras universidades e atores envolvidos.

AVALIAR AS POLÍTICAS SOCIAIS de qualquer parceria é mais factível do que se pensa, apesar da complexidade inerente. E é extremamente importante para que possamos analisar o custo-benefício da intervenção, prestar contas à sociedade e gerar oportunidades de discutir e aprender com a experiência, de forma a avançar um degrau a mais na garantia da maximização dos direitos sociais aos cidadãos.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Mercado de RevOps desponta e se destaca com crescimento acima da média 

O Revenue Operations (RevOps) está em franca expansão global, com estimativa de que 75% das empresas o adotarão até 2025. No Brasil, empresas líderes, como a 8D Hubify, já ultrapassaram as expectativas, mais que dobrando o faturamento e triplicando o lucro ao integrar marketing, vendas e sucesso do cliente. A Inteligência Artificial é peça-chave nessa transformação, automatizando interações para maior personalização e eficiência.

Uso de PDI tem sido negligenciado nas companhias

Apesar de ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de colaboradores, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) vem sendo negligenciado por empresas no Brasil. Pesquisa da Mereo mostra que apenas 60% das companhias avaliadas possuem PDIs cadastrados, com queda no engajamento de 2022 para 2023.

Regulamentação da IA: Como empresas podem conciliar responsabilidades éticas e inovação? 

A inteligência artificial (IA) está revolucionando o mundo dos negócios, mas seu avanço rápido exige uma discussão sobre regulamentação. Enquanto a Europa avança com regras para garantir benefícios éticos, os EUA priorizam a liberdade econômica. No Brasil, startups e empresas se mobilizam para aproveitar as vantagens competitivas da IA, mas aguardam um marco legal claro.

Governança estratégica: a gestão de riscos psicossociais integrada à performance corporativa

A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

ESG, Empreendedorismo, Transformação Digital
Com a onda de mudanças de datas e festivais sendo cancelados, é hora de repensar se os festivais como conhecemos perdurarão mais tempo ou terão que se reinventar.

Daniela Klaiman

ESG, Inteligência artificial e gestão, Diversidade, Diversidade
Racismo algorítimico deve ser sempre lembrado na medida em que estamos depositando nossa confiança na inteligência artificial. Você já pensou sobre esta necessidade neste futuro próximo?

Dilma Campos

Inovação
A transformação da cultura empresarial para abraçar a inovação pode ser um desafio gigante. Por isso, usar uma estratégia diferente, como conectar a empresa a um hub de inovação, pode ser a chave para desbloquear o potencial criativo e inovador de uma organização.

Juliana Burza

ESG, Diversidade, Diversidade, Liderança, times e cultura, Liderança
Conheça os seis passos necessários para a inserção saudável de indivíduos neuroatípicos em suas empresas, a fim de torná-las também mais sustentáveis.

Marcelo Franco

Lifelong learning
Quais tendências estão sendo vistas e bem recebidas nos novos formatos de aprendizagem nas organizações?

Vanessa Pacheco Amaral

ESG
Investimentos significativos em tecnologia, infraestrutura e políticas governamentais favoráveis podem tornar o país líder global do setor de combustíveis sustentáveis

Deloitte

Estratégia, Liderança, times e cultura, Cultura organizacional
À medida que o mercado de benefícios corporativos cresce as empresas que investem em benefícios personalizados e flexíveis não apenas aumentam a satisfação e a produtividade dos colaboradores, mas também se destacam no mercado ao reduzir a rotatividade e atrair talentos.

Rodrigo Caiado

Empreendedorismo, Liderança
Entendimento e valorização das características existentes no sistema, ou affordances, podem acelerar a inovação e otimizar processos, demonstrando a importância de respeitar e utilizar os recursos e capacidades já presentes no ambiente para promover mudanças eficazes.

Manoel Pimentel

ESG, Liderança, times e cultura, Liderança
Conheça e entenda como transformar o etarismo em uma oportunidade de negócio com Marcelo Murilo, VP de inovação e tecnologia da Benner e conselheiro do Instituto Capitalismo Consciente.

Marcelo Murilo

ESG
Com as eleições municipais se aproximando, é crucial identificar candidatas comprometidas com a defesa dos direitos das mulheres, garantindo maior representatividade e equidade nos espaços de poder.

Ana Fontes