Empreendedorismo

Publicidade de duas faces: o jogo de luzes e sombras que pode amadurecer as marcas empregadoras

Há tempos penso na importância da transparência na comunicação de marcas empregadoras e se existem exemplos práticos de que ela compensa. Compartilho aqui um achado do mundo do consumo que pode nos ajudar a buscar essa resposta.
Atua como consultora em projetos de comunicação, employer branding e gestão da mudança pela Smart Comms, empresa que fundou em 2016. Pós-graduada em marketing (FGV), graduada em comunicação (Cásper Líbero) e mestranda em psicologia organizacional (University of London), atuou por 13 anos nas áreas de comunicação e marca em empresas como Johnson&Johnson, Unilever, Touch Branding e Votorantim Cimentos. É professora do curso livre de employer branding da Faculdade Cásper Líbero, um dos primeiros do Brasil, autora de artigos sobre o tema em publicações brasileiras e internacionais e co-autora do livro Employer Branding: conceitos, modelos e prática.

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Em artigos e facilitações sobre Employer Branding, tenho levado para discussão o tema do espaço do trabalho na vida das pessoas e do quanto isso precisa informar nossas narrativas e estratégias de marca empregadora. Antes da pandemia, eu vinha captando percepções e atitudes mais céticas das pessoas em relação ao trabalho, seja fazendo entrevistas em profundidade e focus groups para a estruturação de EVPs (Employer Value Propositions, ou Propostas de Valor do Empregador), seja nutrindo meu hábito estranho de ler dezenas de comentários em posts sobre o mundo do trabalho nas redes sociais.

Notei uma intensificação dessa tendência pós-pandemia. Misturada a temas como trabalho remoto, retorno aos escritórios, quiet quitting, quiet ambition e outras expressões da moda, essa tendência começou a incomodar. As matérias sobre empresas evitando contratar gente da geração z; as afirmações inflamadas sobre a impossibilidade de construir e manter cultura em ambientes remotos e o espanto diante da falta de interesse em cargos de liderança são apenas alguns exemplos.

# Employer Branding para céticos: e aí?

Tudo isso já há algum tempo me faz pensar e escrever sobre a necessidade de conhecer e levar em conta como as pessoas estão encarando o trabalho para informar e direcionar nosso trabalho de marca empregadora. Escrevi um artigo sobre a minha impressão de frequentemente ver um Employer Branding com cara de anos 2000-2010 (a era de ouro do “vestir a camisa” e “trabalhar pelo propósito”) em pleno 2024 e sugeri que um caminho para não cair nessa armadilha é começarmos a sentir mais conforto em falar das luzes e das sombras das nossas marcas empregadoras. Somos todos adultos no mercado de trabalho e sabemos que nenhum trabalho é perfeito, certo?

Parece ótimo, mas não é simples, e eu sei bem da dificuldade em aprovar qualquer tipo de mensagem que não seja positiva ou neutra. Até pensando em comunicação de marcas comerciais, é difícil lembrar de grandes exemplos.
Incomodada, fui buscar estudos nos campos de marketing e branding que, junto com a psicologia, formam as bases do que fazemos em Employer Branding. A intenção era entender se eles já olham para esse jogo de luzes e sombras como uma possibilidade por aquelas bandas.

Sim, eles já olham, e os achados fazem pensar.

# Publicidade de duas faces: quando a transparência vale a pena

Um exemplo é o artigo “When transparency pays off: enticing sceptical consumers with dual-sided advertising”, algo como “Quando a transparência compensa: atraindo consumidores céticos com publicidade de duas faces”. Publicado em 2022 no periódico International Journal of Consumer Studies, o artigo investiga a eficácia da “publicidade de duas faces”, que inclui tanto informações positivas quanto negativas sobre um produto, na conquista da confiança e do interesse de consumidores céticos.

Esse tipo de publicidade apresenta uma visão equilibrada, destacando tanto os pontos fortes quanto as fraquezas de um produto. A lógica é que reconhecer as falhas pode aumentar a credibilidade e a confiabilidade do anúncio em consumidores céticos, que geralmente desconfiam das alegações de marketing e tendem a analisar anúncios de forma mais crítica e a desconfiar de mensagens excessivamente positivas.

O estudo explora como a publicidade de duas faces pode construir confiança, um fator crucial no processo de tomada de decisão, especialmente para indivíduos céticos. Apresentando evidências empíricas, o trabalho sugere que os chamados “anúncios de duas faces” são mais eficazes em persuadir consumidores céticos em comparação com anúncios de uma face, que apenas destacam aspectos positivos de um determinado produto ou serviço. Para esses consumidores, aparentemente, a transparência na publicidade leva a uma percepção maior de honestidade e, consequentemente, a uma maior probabilidade de compra.

Os autores concluem que a transparência através da publicidade de duas faces pode ser uma ferramenta poderosa para atrair consumidores céticos. Ao apresentar uma visão equilibrada, os anunciantes podem aumentar sua credibilidade, construir confiança e, finalmente, persuadir de maneira mais eficaz os consumidores céticos.

# Olhando para essa ideia com um grão de sal…

Generalizações são um perigo, e esse é apenas um estudo entre muitos, além de ter foco especificamente em propagandas de produtos e serviços, um universo diferente do nosso em Employer Branding. Para avaliar a possibilidade dessa ideia se sustentar no nosso contexto, teríamos que desenhar e conduzir experimentos em condições específicas, além de replicá-los de forma correta e extensa para sugerir a validade dessas conclusões para o nosso universo. Mas foi justamente um caminho parecido que fez nascer base teórica e testada sobre Employer Branding: emprestando, estudando, adaptando e testando o que os mundos do branding e do marketing de consumo aprenderam há mais tempo.

Na prática, eu ainda não vi uma marca empregadora trabalhando claramente esse tipo de comunicação de duas faces, ao menos não em pontos de contato abertos ao mercado. Após levantarmos luzes e sombras em um processo de diagnóstico, o mais comum é que as luzes formem a base da marca empregadora e as sombras formem um plano de ação ou algo similar. O que costumo sugerir nos projetos de que faço parte é que essas sombras, especialmente aquelas que não podem mudar significativamente com qualquer tipo de intervenção, sejam trabalhadas na marca empregadora pelo menos em pontos de contato mais íntimos com os talentos. Ainda assim, o jogo é duro e entendo a dificuldade em colocar isso em prática.

Quem sabe ao amadurecermos esse tipo de pensamento no mundo do consumo, a gente não consiga, aos poucos, levá-lo para o mundo do trabalho e da marca empregadora.

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