Uncategorized

É o fim da contabilidade?

Os professores Baruch Lev, da New York University, e Partha Mohanram, da Rotman School of Management, discutem uma questão controversa: os relatórios financeiros padronizados perderam sua utilidade para os investidores?
Professor de contabilidade da New York University Stern, dos EUA, iniciou o debate sobre o possível fim da contabilidade com seu livro The end of accounting. Partha Mohanram, da Rotman School of Management, do Canadá, rebateu os principais pontos.

Compartilhar:

Polêmica. Baruch Lev, professor da New York University, lançou recentemente The end of accounting e pôs fogo no mundo da contabilidade. Partha Mohanram, professor da matéria na Rotman School of Management, do Canadá, responde a suas provocações, defendendo a validade de relatórios financeiros convencionais.

**RELATÓRIOS**

**Baruch Lev:** “A estrutura e o conteúdo dos relatórios financeiros a investidores não mudou no último século. Isso sugere um declínio constante no papel da informação financeira.

Na comparação entre 1902 e 2012, não há quaisquer diferenças nos itens de estrutura e informação fornecidos aos investidores nos dois relatórios da U.S. Steel. Acredita? Uma empresa em dificuldades, como era a U.S. Steel em 2012, fornecendo a mesma informação que a promissora U.S. Steel de 1902? Os investidores de hoje não deveriam ser alertados sobre quais aspectos do modelo de negócio fracassaram em 2012 ou antes disso? Ou sobre os problemas na produção ou desafios de mercado? Ou, ainda, sobre os passos que os gestores deram para tentar sanar a situação?

Uma organização do século 21 não deveria sistematicamente fornecer informações estratégicas, em vez de relatar o que pagou, anos atrás, por edifícios? O essencial para os investidores e o público em geral são relatórios financeiros realmente informativos, e não esses parados no tempo.”

**Partha Mohanram:** “O professor Lev tem argumentos convincentes, porém temos três alertas a respeito de suas ideias.

Primeiro, quem olha a fundo percebe que houve mudanças nos relatórios financeiros, ainda que possa parecer que não. 

Segundo, se a natureza e o formato dos relatórios financeiros não mudaram muito, seu mecanismo de entrega transformou-se radicalmente em função de sites para investidores, por exemplo. Em segundos, adquire-se informação sobre qualquer empresa de qualquer lugar.

Por fim, muitas empresas fornecem espontaneamente as informações que o professor Lev deseja, seja na discussão dos riscos do negócio, seja em notas de rodapé. Permitir que esse tipo de informação seja opcional possibilita às empresas tomar as próprias decisões entre os benefícios da transparência e o custo de liberar informação privada.” 

**Lev:** “O volume de informações relevantes transmitidas hoje por relatórios oficiais é de 5%.” 

**Mohanram:** “O professor Lev esquece um dado novo: a ascensão da internet e das mídias sociais nas relações com os investidores.” 

**FLUXO DE CAIXA VS. DIVIDENDOS**

 **Lev:** “Os fluxos de caixa previstos são mais simples e demandam menos tempo do que os dividendos previstos, pois não é preciso prever os numerosos itens que não são caixa e que afetam os dividendos.

Hoje em dia, os dividendos apresentados são muito dissociados da realidade e não importam tanto. É difícil contrariar as evidências. Um conselho a investidores: não levem muito a sério quandoas empresas não alcançam o consenso sobre os dividendos futuros. Muito mais relevantes são mudanças nos fundamentos do negócio, como redução no índice de novos clientes.”

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/b2302445-9039-4994-873f-ae7382324594.jpeg)

**Mohanram:** “Não vejo os fluxos de caixa e os dividendos previstos como em uma corrida de cavalos; é cada vez mais comum, aliás, que os analistas prevejam dividendos e fluxos de caixa. É preciso ressaltar que empresas manipulam dividendos tanto quanto manipulam fluxos. A ‘nova fronteira’ em gestão de dividendos é a ‘gestão de dividendos reais’, pela qual as organizações adiam projetos, cortam despesas discricionárias e mudam a data de transações, mas elas farão a ‘gestão’ de qualquer fator pelo qual sejam avaliadas. Em vez de abandonar os dividendos em favor dos fluxos de caixa, é melhor prestar mais atenção aos números.” 

**ATIVOS INTANGÍVEIS E ESTIMATIVAS**

**Lev:** “O aumento da importância dos ativos intangíveis sobre o desempenho e o valor das empresas faz com que a informação financeira seja cada vez mais irrelevante.

A regulamentação aumentou o papel da previsão no cálculo de itens financeiros, diminuindo, assim, a integridade e a confiabilidade da informação e distanciando-a da realidade. 

Os intangíveis, a proliferação de estimativas e o atraso no reconhecimento de fatos importantes dos negócios contribuíram para diminuir o valor da informação financeira relatada.”

**Mohanram:** “O professor Lev está correto ao afirmar a crescente importância dos intangíveis, mas isso contradiz seu argumento sobre dividendos e fluxo de caixa. A abordagem atual trata pesquisa e desenvolvimento (P&D) em termos de fluxo de caixa: tudo o que sabemos é que dinheiro está sendo gasto. Os benefícios poderão vir em algum momento futuro. Criar um ativo de P&D adiará a despesa, mesmo que o caixa seja consumido agora. Discordo do professor Lev quando ele diz que aumentou a subjetividade na gestão; o poder dos tomadores de decisão corporativos vem sendo, ao contrário, reduzido.”

**VALOR SUSTENTÁVEL**

**Lev:** “Como se alcança vantagem competitiva sustentável hoje? A solução é criar lucros econômicos sustentáveis, isto é, o que sobra após todos os custos financeiros e operacionais. Isso é bem diferente dos dividendos trimestrais rotineiramente apresentados. Ganhos contábeis são relativamente fáceis de alcançar, mas o lucro econômico é um desafio. Como uma empresa o obtém? Operando eficientemente seus recursos e ativos, mas não quaisquer recursos. Prédios, maquinário e aviões não criam vantagem competitiva. Os recursos que geram valor não são ativos contábeis. Eles têm três características:

1) são valiosos e criam um fluxo de benefícios, como as patentes;

2) são raros, como os direitos sobre rotas aéreas;

3) são difíceis de imitar, como uma marca.”

**Mohanram:** “Concordo totalmente com o professor Lev que as empresas têm de ser avaliadas em termos de receita residual. Discordamos é quanto ao papel dos relatórios financeiros: devem oferecer informações ou análises? Muito do que o professor sugere recai em análise. Para mim, os usuários dos relatórios é que devem fazer suas análises.”

**COMPLEXIDADE**

**Lev:** “Diz-se que a contabilidade é complexa porque os negócios são complexos. Mas a complexidade decorre do fato de que os reguladores buscam incorporar quaisquer transações e acordos entre partes às regras, mesmo os mais insignificantes. Infelizmente, a demonstração financeira tornou- -se uma atividade de compliance, na qual gestores e auditores seguem normas bem-detalhadas.”

**Mohanram:** “Mesmo que falhos, os padrões dos relatórios em geral seguem as necessidades expressas por seus usuários e produtores. O professor Lev está correto em sua observação de que muitos padrões foram definidos com a ‘velha economia’ em mente, mas também é verdade que a maioria das mudanças reflete a complexidade crescente ao longo do tempo.

Acho bom o sistema vigente. Deixem que as empresas deem publicidade às informações exigidas e a quaisquer outras não requeridas se assim o quiserem, e os usuários poderão aplicar esse mosaico de informações como desejarem.” 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/5fdc4556-4646-40ca-baca-5b1fc4707417.jpeg)

**COMO MUDAR AS COISAS**

**Lev:** “Proponho o seguinte:

1) aceitar a realidade de que os recursos que geram valor para os negócios são cada vez mais os ativos intangíveis, que têm de ser reconhecidos como tais pela contabilidade; 

2) impedir que os contadores se envolvam com avaliação dos ativos, o que, por natureza, é um ato subjetivo e especulativo;

3) internalizar que a crescente complexidade e obscuridade da informação financeira vêm fazendo sua utilidade decrescer para investidores. Essencialmente, relatórios financeiros devem espelhar fatos, e fatos que importem.” 

**Mohanram:** “Os pontos 1 e 2 são contraditórios. Como podem os contadores avaliar ativos intangíveis e não participar da avaliação de ativos ao mesmo tempo? Concordo que os relatórios deveriam se ater a fatos, mas os fatos, em si, baseiam-se em premissas, como as despesas com P&D. É possível afirmar, por exemplo, ‘nosso CEO investe 40% de seu tempo pensando e atuando em P&D, então incluímos 40% da remuneração do CEO em P&D, o que, por sinal, não consideramos despesa, mas capitalizamos’?

O volume real gasto em P&D por uma companhia é um fato? Sim. Mas o valor do ativo intangível é, com frequência, uma ficção baseada em hipóteses, algumas das quais oportunistas. Sempre há potencial para manipulação quando um ativo é criado. Podemos esperar que as empresas sejam completamente transparentes quando perceberem que seu ativo já não vale o que está no balanço?”

**SE FICAR COMO ESTÁ**

**Lev:** “Por que alguém se interessará por relatórios financeiros se são apenas documentos históricos não muito precisos sobre o desempenho da empresa? Que relevância têm para investidores, que baseiam suas decisões em expectativas de fluxo de caixa, produtos ou participação no mercado?”

**Mohanram:** “Eu me interesso por eles! E acho que muitas das mudanças que o professor Lev defende são desnecessárias e onerosas.”

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Empreendedorismo
Alinhando estratégia, cultura organizacional e gestão da demanda, a indústria farmacêutica pode superar desafios macroeconômicos e garantir crescimento sustentável.

Ricardo Borgatti

5 min de leitura
Empreendedorismo
A Geração Z não está apenas entrando no mercado de trabalho — está reescrevendo suas regras. Entre o choque de valores com lideranças tradicionais, a crise da saúde mental e a busca por propósito, as empresas enfrentam um desafio inédito: adaptar-se ou tornar-se irrelevantes.

Átila Persici

8 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A matemática, a gramática e a lógica sempre foram fundamentais para o desenvolvimento humano. Agora, diante da ascensão da IA, elas se tornam ainda mais cruciais—não apenas para criar a tecnologia, mas para compreendê-la, usá-la e garantir que ela impulsione a sociedade de forma equitativa.

Rodrigo Magnago

4 min de leitura
ESG
Compreenda como a parceria entre Livelo e Specialisterne está transformando o ambiente corporativo pela inovação e inclusão

Marcelo Vitoriano

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O anúncio do Majorana 1, chip da Microsoft que promete resolver um dos maiores desafios do setor – a estabilidade dos qubits –, pode marcar o início de uma nova era. Se bem-sucedido, esse avanço pode destravar aplicações transformadoras em segurança digital, descoberta de medicamentos e otimização industrial. Mas será que estamos realmente próximos da disrupção ou a computação quântica seguirá sendo uma promessa distante?

Leandro Mattos

6 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Entenda como a ReRe, ao investigar dados sobre resíduos sólidos e circularidade, enfrenta obstáculos diários no uso sustentável de IA, por isso está apostando em abordagens contraintuitivas e na validação rigorosa de hipóteses. A Inteligência Artificial promete transformar setores inteiros, mas sua aplicação em países em desenvolvimento enfrenta desafios estruturais profundos.

Rodrigo Magnago

4 min de leitura
Liderança
As tendências de liderança para 2025 exigem adaptação, inovação e um olhar humano. Em um cenário de transformação acelerada, líderes precisam equilibrar tecnologia e pessoas, promovendo colaboração, inclusão e resiliência para construir o futuro.

Maria Augusta Orofino

4 min de leitura
Finanças
Programas como Finep, Embrapii e a Plataforma Inovação para a Indústria demonstram como a captação de recursos não apenas viabiliza projetos, mas também estimula a colaboração interinstitucional, reduz riscos e fortalece o ecossistema de inovação. Esse modelo de cocriação, aliado ao suporte financeiro, acelera a transformação de ideias em soluções aplicáveis, promovendo um mercado mais dinâmico e competitivo.

Eline Casasola

4 min de leitura
Empreendedorismo
No mundo corporativo, insistir em abordagens tradicionais pode ser como buscar manualmente uma agulha no palheiro — ineficiente e lento. Mas e se, em vez de procurar, queimássemos o palheiro? Empresas como Slack e IBM mostraram que inovação exige romper com estruturas ultrapassadas e abraçar mudanças radicais.

Lilian Cruz

5 min de leitura
ESG
Conheça as 8 habilidades necessárias para que o profissional sênior esteja em consonância com o conceito de trabalhabilidade

Cris Sabbag

6 min de leitura