Tecnologia e inovação

Efeito startup na pandemia

O que as grandes empresas, diante das incertezas provocadas pela crise atual, podem aprender com as startups? Vejo três lições principais.
Diretor de estratégia e performance da Rappi no Brasil. Formado em Economia no Insper, passou pelo mercado financeiro em Private Equity, depois foi trainee e seguiu na área de Revenue Management na Ambev. Entrou focado em expansão na Rappi, respondendo pelo crescimento e marketing da startup no Brasil, e hoje responde pela estratégia da empresa.

Compartilhar:

Vivemos um momento em que tudo o que tínhamos de planejamento – comitês, processos e estratégia organizacional – teve de ser revisto da noite para o dia. Quer ver só um exemplo? Imagine-se no lugar do Brian Chesky, CEO e co-fundador do Airbnb, que liderava um business disruptivo, construído em doze anos que, do nada, precisou ser inteiramente revisado – modelos, planos, organogramas, finanças, tudo. Escutando uma entrevista de Chesky e conversando com amigos dos mais diversos setores e empresas, cheguei à conclusão que grandes companhias hoje estão vivenciando, em partes, o dia a dia de uma startup. E vejo que há três grandes aprendizados proporcionados por este novo contexto.

### 1. Planejamento: flexibilidade para ajustes rápidos de rota

O primeiro deles é a ausência de uma claridade translúcida sobre um plano de cinco anos. Muitas empresas desenham planos de um, três ou cinco anos e, com base neles, definem como a organização caminhará. Com a chegada de uma pandemia com efeitos ainda não conhecidos e uma potencial depressão econômica à frente, todos esses planos se esvaziam e se tornam praticamente inúteis.

No dia a dia de uma startup, é bastante comum a ausência de planos de longo prazo. Como uma empresa que não sabe se estará viva daqui um mês pode se dar ao luxo de gastar semanas e semanas em alinhamentos para montar um plano para os próximos cinco anos?

Diferente de grandes empresas, que têm planos com slides infinitos, startups usam modelos simples com direcionais claros. Agora, com a pandemia, grandes corporações passaram a viver o dia a dia de planejamento de uma startup, ou seja, mutável o tempo todo e, por isso, necessariamente flexível e rápido para ser revisitado quantas vezes forem necessárias.

### 2. Recursos: criatividade para superar escassez

Uma startup, principalmente no early stage, convive com muitas restrições, que vão desde limitações orçamentárias – tanto para contratação de pessoas quanto de ferramentas -, como da quantidade de iniciativas a serem tocadas ao mesmo tempo. Com recursos escassos, a arte de priorizar passa a ser mais do que fundamental – dela depende a sobrevivência da empresa.

Conforme um negócio vai crescendo, as restrições vão diminuindo, tudo passa a ter um orçamento, a lista de prioridade se torna lista de atividades e, com isso, perdemos a sensibilidade e a criatividade que se obtêm quando se vive com pouco.

Muitas organizações viram sua entrada de caixa despencar e, com isso, foram obrigadas a inovar, e se adaptar, sem dinheiro, sem poder contratar nenhuma consultoria ou especialista. Elas estão conhecendo, na prática, como funciona a vida de um startup, um ambiente onde a criatividade é exacerbada diante de tantas restrições impostas.

### 3. Modelo mental: resiliência para superar obstáculos

O terceiro e último ponto é a resiliência. Nunca vou me esquecer da frase que ouvi de um dos fundadores da Rappi: “Startup é 99% do tempo frustração”. Exageros à parte, a frase ilustra bem o dia a dia de uma startup, onde a busca por inovação e por servir o usuário seguem lado a lado de uma extensa lista de questões para serem tratadas. Daí a frustração constante e, ao mesmo tempo, a necessidade de uma capacidade de resiliência gigante.

Estamos vivendo um momento em que muitas vezes tudo parece dar errado; um momento que muitas grandes empresas já nem lembravam mais como era. São momentos como esse que nos amadurecem, que nos preparam para qualquer tipo de crise e dão a resiliência para seguir tentando alcançar aquele sonho, independentemente de qualquer obstáculo que venha à frente.

Dessa forma, acredito que na conjuntura atual muitas empresas acabaram conhecendo um pouco sobre o dia a dia de uma startup: operar com planos altamente flexíveis que podem ser revisitados a qualquer momento; conviver com uma série de restrições e usar a criatividade para superá-las; e ter a resiliência para enfrentar os mais variados obstáculos e fracassos que vão surgindo ao longo da jornada. E, por mais difícil que possa parecer neste momento, tenho certeza de que sairemos todos profissionais melhores do outro lado.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

Saúde psicossocial é inclusão

Quando 84% dos profissionais com deficiência relatam saúde mental afetada no trabalho, a nova NR-1 chega para transformar obrigação legal em oportunidade estratégica. Inclusão real nunca foi tão urgente

ESG
Compreenda como a parceria entre Livelo e Specialisterne está transformando o ambiente corporativo pela inovação e inclusão

Marcelo Vitoriano

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O anúncio do Majorana 1, chip da Microsoft que promete resolver um dos maiores desafios do setor – a estabilidade dos qubits –, pode marcar o início de uma nova era. Se bem-sucedido, esse avanço pode destravar aplicações transformadoras em segurança digital, descoberta de medicamentos e otimização industrial. Mas será que estamos realmente próximos da disrupção ou a computação quântica seguirá sendo uma promessa distante?

Leandro Mattos

6 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Entenda como a ReRe, ao investigar dados sobre resíduos sólidos e circularidade, enfrenta obstáculos diários no uso sustentável de IA, por isso está apostando em abordagens contraintuitivas e na validação rigorosa de hipóteses. A Inteligência Artificial promete transformar setores inteiros, mas sua aplicação em países em desenvolvimento enfrenta desafios estruturais profundos.

Rodrigo Magnago

4 min de leitura
Liderança
As tendências de liderança para 2025 exigem adaptação, inovação e um olhar humano. Em um cenário de transformação acelerada, líderes precisam equilibrar tecnologia e pessoas, promovendo colaboração, inclusão e resiliência para construir o futuro.

Maria Augusta Orofino

4 min de leitura
Finanças
Programas como Finep, Embrapii e a Plataforma Inovação para a Indústria demonstram como a captação de recursos não apenas viabiliza projetos, mas também estimula a colaboração interinstitucional, reduz riscos e fortalece o ecossistema de inovação. Esse modelo de cocriação, aliado ao suporte financeiro, acelera a transformação de ideias em soluções aplicáveis, promovendo um mercado mais dinâmico e competitivo.

Eline Casasola

4 min de leitura
Empreendedorismo
No mundo corporativo, insistir em abordagens tradicionais pode ser como buscar manualmente uma agulha no palheiro — ineficiente e lento. Mas e se, em vez de procurar, queimássemos o palheiro? Empresas como Slack e IBM mostraram que inovação exige romper com estruturas ultrapassadas e abraçar mudanças radicais.

Lilian Cruz

5 min de leitura
ESG
Conheça as 8 habilidades necessárias para que o profissional sênior esteja em consonância com o conceito de trabalhabilidade

Cris Sabbag

6 min de leitura
ESG
No mundo corporativo, onde a transparência é imperativa, a Washingmania expõe a desconexão entre discurso e prática. Ser autêntico não é mais uma opção, mas uma necessidade estratégica para líderes que desejam prosperar e construir confiança real.

Marcelo Murilo

8 min de leitura
Empreendedorismo
Em um mundo onde as empresas têm mais ferramentas do que nunca para inovar, por que parecem tão frágeis diante da mudança? A resposta pode estar na desconexão entre estratégia, gestão, cultura e inovação — um erro que custa bilhões e mina a capacidade crítica das organizações

Átila Persici

0 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A ascensão da DeepSeek desafia a supremacia dos modelos ocidentais de inteligência artificial, mas seu avanço não representa um triunfo da democratização tecnológica. Embora promova acessibilidade, a IA chinesa segue alinhada aos interesses estratégicos do governo de Pequim, ampliando o debate sobre viés e controle da informação. No cenário global, a disputa entre gigantes como OpenAI, Google e agora a DeepSeek não se trata de ética ou inclusão, mas sim de hegemonia tecnológica. Sem uma governança global eficaz, a IA continuará sendo um instrumento de poder nas mãos de poucos.

Carine Roos

5 min de leitura