Tecnologia e inovação

Entre a inteligência artificial e a cumplicidade humana

A ferramenta tecnológica é excelente, mas deve ser usada com certa parcimônia. Não podemos esquecer que a comunicação olho no olho sempre vai ser fundamental e mais humanizada
Daniel Cuca Moreira é publicitário e empresário desde 1995, quando cofundou, com suas sócias e colegas de faculdade, a Incomum. Como diretor de criação é responsável pelas centelhas criativas e estratégicas de comunicação de clientes em diversos mercados, como o imobiliário, educacional, varejista etc.

Compartilhar:

Napoleão na Batalha de Waterloo, Jesus na Santa Ceia e até um grupo de neandertais sorrindo numa caverna. Se o ChatGPT consegue surpreender ao escrever textos coerentes e possíveis de serem publicados, a imagem feita a partir da inteligência artificial (IA) pode até enganar muitas pessoas. As fotos citadas foram criadas pelo cineasta britânico Duncan Thomsen na plataforma Midjourney. Ainda tivemos o Papa Francisco com um casaco descolado, que também chamou atenção na internet.

A IA, desenvolvida de forma mais profunda a partir dos anos 1950, ganha capítulos novos a cada semana. E, se já é uma realidade em, pelo menos, 41% das empresas brasileiras, de acordo com pesquisa encomendada pela IBM em 2022, na área da comunicação ainda gera muitos questionamentos. Um deles é: como vai alterar processos criativos da publicidade?

Pode-se dizer que os quatro estágios do processo criativo conceituados por Graham Wallas, em 1926, — preparação, incubação, iluminação e verificação — ganham, a partir de agora, mais uma ferramenta. Isso porque o uso de imagens criadas a partir de um banco de dados pode ser válido para o início de todo esse processo ou pode automatizar atividades rotineiras — o que permite mais tempo livre para criar de fato.

Por exemplo, é tranquilamente possível buscar inspiração para um assunto específico, colocando os comandos no software, pois ele fabricará uma imagem que pode ser o ponto de partida para uma campanha. Ou ainda desenhar o storyboard de uma peça ou filme com o uso da inteligência artificial. Nesse sentido, a IA é capaz de potencializar a criatividade, ampliar as possibilidades e fazer com que se enxergue além. Ou seja, a geração artificial de imagens pode ser útil em trabalhos rotineiros e padronizados, porém, sua imensa maioria acaba sendo genérica demais e sem personalidade. Pelo menos é esse o resultado alcançado por 99% dos usuários desse tipo de ferramenta. E é aí que se chega às limitações da inteligência artificial no processo de criação.

Além disso, não é esse tipo de entrega que se busca quando falamos de marcas. Cada uma possui sua especificidade, identidade visual, história e individualidade, e é necessário respeitar tudo isso na hora de criar. Não é possível usar a identidade de uma loja de roupas em um cliente do ramo imobiliário, por exemplo. E isso faz com que o uso de imagens criadas a partir de um banco de dados possa ser válido para o início de um processo criativo, até para o meio, mas vai ficando mais difícil para uso no resultado final de um trabalho.

Outro ponto de atenção: as imagens artificiais são geradas a partir de dados e fragmentos de outras milhares de muitas disponíveis na internet, o que, futuramente, pode ser um problema em relação aos direitos autorais. Um traço, uma pincelada, um estilo fotográfico, tudo isso pode ter dono.

É comum, quando surgem novas tecnologias e ideias, acreditarmos que o mundo vai mudar radicalmente. Mas não acontece assim. Pelo menos não de uma hora para outra. Não podemos esquecer que toda a tendência traz de rebote uma contratendência. Se os conteúdos passarem a ficar muito pasteurizados, surgirá a vontade de voltar ao antigo.

Em termos de comunicação, sempre vai ser fundamental aquela que é verdadeira e humana, que cativa as pessoas, cria empatia, conexão. As pessoas querem ser ouvidas, olhar no olho e conversar. Ainda não temos isso na IA.

Não podemos negar que a ferramenta é excelente, mas deve ser usada com parcimônia — com entusiasmo quando se pode ter! Porém, nunca devemos perder de vista aquilo que conecta e cativa as pessoas, e o que é mais valoroso: a subjetividade e o convite ao diálogo, do tipo que for.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

Cultura organizacional, Empreendedorismo
A ilusão da disponibilidade: como a pressão por respostas imediatas e a sensação de conexão contínua prejudicam a produtividade e o bem-estar nas equipes, além de minar a inovação nas organizações modernas.

Dorly

6 min de leitura
ESG
No texto deste mês do colunista Djalma Scartezini, o COO da Egalite escreve sobre os desafios profundos, tanto à saúde mental quanto à produtividade no trabalho, que a dor crônica proporciona. Destacando que empresas e gestores precisam adotar políticas de inclusão que levem em conta as limitações físicas e os altos custos associados ao tratamento, garantindo uma verdadeira equidade no ambiente corporativo.

Djalma Scartezini

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
A adoção de políticas de compliance que integram diretrizes claras de inclusão e equidade racial é fundamental para garantir práticas empresariais que vão além do discurso, criando um ambiente corporativo verdadeiramente inclusivo, transparente e em conformidade com a legislação vigente.

Beatriz da Silveira

4 min de leitura
Inovação, Empreendedorismo
Linhas de financiamento para inovação podem ser uma ferramenta essencial para impulsionar o crescimento das empresas sem comprometer sua saúde financeira, especialmente quando associadas a projetos que trazem eficiência, competitividade e pioneirismo ao setor

Eline Casasola

4 min de leitura
Transformação Digital, Estratégia
Este texto é uma aula de Alan Souza, afinal, é preciso construir espaços saudáveis e que sejam possíveis para que a transformação ocorra. Aproveite a leitura!

Alan Souza

4 min de leitura
Liderança
como as virtudes de criatividade e eficiência, adaptabilidade e determinação, além da autorresponsabilidade, sensibilidade, generosidade e vulnerabilidade podem coexistir em um líder?

Lilian Cruz

4 min de leitura
Gestão de Pessoas, Liderança
As novas gerações estão redefinindo o conceito de sucesso no trabalho, priorizando propósito, bem-estar e flexibilidade, enquanto muitas empresas ainda lutam para se adaptar a essa mudança cultural profunda.

Daniel Campos Neto

4 min de leitura
ESG, Empreendedorismo
31/07/2024
O que as empresas podem fazer pelo meio ambiente e para colocar a sustentabilidade no centro da estratégia

Paula Nigro

3 min de leitura
ESG
Exercer a democracia cada vez mais se trata também de se impor na limitação de ideias que não façam sentido para um estado democrático por direito. Precisamos ser mais críticos e tomar cuidado com aquilo que buscamos para nos representar.
3 min de leitura