Soluções TerraDois

Estresse

No corpo, o sono falha, os músculos doem, a pressão aumenta, o coração dispara, a memória esquece...
Psicanalista e psiquiatra, doutor em psicanálise e em medicina. Autor de vários livros, especialmente sobre o tratamento das mudanças subjetivas na pós-modernidade, recebeu o Prêmio Jabuti em 2013. É criador e apresentador do Programa TerraDois, da TV Cultura, eleito o melhor programa da TV brasileira em 2017 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

Compartilhar:

Está todo mundo estressado. Há um sentimento de dívida pairando no ar. Um sentimento de não fiz o que deveria ter feito. Não consegui trabalhar como antes. Não consegui terminar o livro. Não consegui brincar, conversar, com meu filho. Não consegui fazer exercício. Não consegui abraçar quem amo. Não consegui.
De repente, o mundo ficou muito grande, ilimitado. E o sujeito se apequenou. Tudo lhe ficou distante. O que ontem lhe satisfazia, hoje o atormenta. Se está em casa trabalhando, não sabe o que o chefe vai achar do seu rendimento, de sua roupa, do berro das crianças, do companheiro ou companheira passando atrás da tela do computador. Essa mesma lógica se aplica a todos os outros momentos de sua vida. A pessoa só sabe que deve e, por isso, se estressa. Estressando só piora. No corpo, o sono falha, a azia queima, os músculos doem, a pressão aumenta, o coração dispara, a memória esquece. Na relação com o outro vem a impaciência, a irritação agressiva, a briga, o desgaste, o afastamento, a solidão. Cada um desses fatores retroage sobre a pessoa aumentando o estresse, abrindo caminho para a depressão.

Onde e como vamos parar? “O que aconteceu?”, nos perguntamos. Aconteceu que o mundo mudou radicalmente. Viemos de 2.800 anos de uma constituição de nossa identidade em uma arquitetura vertical, padronizada, hierárquica, garantida; fomos para uma sociedade horizontal, múltipla, flexível, criativa, surpreendente. Antes conhecíamos os códigos que nos avaliavam. Sabíamos como ser chefe, funcionário, casado, professor, adolescente. Sabíamos até como brigar, pedir desculpas, fazer as pazes. Agora não sabemos mais nada. Estamos desesperadamente procurando novos limites. As empresas criam mecanismos de compliance de fazer rir por seu ridículo controlador. As pessoas se tocam, se esbarram, se afastam, se confundem no ilimitado. Arrastando o peso de tantos anos, os limites são equivocadamente buscados no passado. Pensa-se com insistência que ontem era melhor. Não era não. Além do mais, o presente é inexorável. Melhor legitimá-lo, captá-lo em sua nova forma, perceber a imensa chance de viver uma humanidade em nova clave. A música mudou. Não mais se trata de cantarmos juntos a mesma canção, o mesmo clássico da bossa nova, do sertanejo, do standard americano. A música desse novo mundo não busca o consenso do cantar junto a mesma canção do Roberto, do Tom, do Sinatra. A música atual em vez do consenso prefere articular diferenças. Não se canta junto, mas se dança junto, com movimentos díspares. O novo limite que resolverá a epidemia de estresse, já existe; resta saber vivê-lo.

Não é um limite, como foi o anterior, baseado na famosa assertiva, “a liberdade de um termina com a liberdade do outro”. Hoje, há que se dizer e viver que “a liberdade de um começa com a liberdade do outro”. Estamos no tempo dos monólogos articulados, mais do que o dos diálogos compreensíveis. Tá ligado? Desista de privilegiar ser aceito pelo outro, o espelho quebrou e seus cacos se misturaram. É o mundo mix. Nossa identidade não se acalmará no lago pacífico de Narciso.

Nossa identidade encontrará seu caminho ao suportar a singularidade muitas vezes incompreensiva de nossas escolhas. Baixemos a ansiedade de reconhecimento e o estresse se anuviará. Não se explique e nem se justifique. Guarde esse mote. Não se explique e nem se justifique, não porque você seja autoritário ou arrogante, mas porque há que ser humilde em reconhecer que não há um outro a se oferecer compreensão e pedir aplauso. Isso virá, na lógica do encontro. Como diria Steve Jobs, stay hungry, stay foolish. Continue faminto, continue tonto.

Compartilhar:

Artigos relacionados

O futuro dos eventos: conexões que transformam

Eventos não morreram, mas 78% dos participantes já rejeitam formatos ultrapassados. O OASIS Connection chega como antídoto: um laboratório vivo onde IA, wellness e conexões reais recriam o futuro dos negócios

Liderança
70% dos líderes não enxergam seus pontos cegos e as empresas pagam o preço. O antídoto? Autenticidade radical e 'Key People Impact' no lugar do controle tóxico

Poliana Abreu

7 min de leitura
Liderança
15 lições de liderança que Simone Biles ensinou no ATD 2025 sobre resiliência, autenticidade e como transformar pressão em excelência.

Caroline Verre

8 min de leitura
Liderança
Conheça 6 abordagens práticas para que sua aprendizagem se reconfigure da melhor forma

Carol Olinda

4 min de leitura
Cultura organizacional, Estratégia e execução
Lembra-se das Leis de Larman? As organizações tendem a se otimizar para não mudar; então, você precisa fazer esforços extras para escapar dessa armadilha. Os exemplos e as boas práticas deste artigo vão ajudar

Norberto Tomasini

4 min de leitura
Carreira, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
A área de gestão de pessoas é uma das mais capacitadas para isso, como mostram suas iniciativas de cuidado. Mas precisam levar em conta quatro tipos de necessidades e assumir ao menos três papéis

Natalia Ubilla

3 min de leitura
Estratégia
Em um mercado onde a reputação é construída (ou desconstruída) em tempo real, não controlar sua própria narrativa é um risco que nenhum executivo pode se dar ao luxo de correr.

Bruna Lopes

7 min de leitura
Liderança
O problema está na literatura comercial rasa, nos wannabe influenciadores de LinkedIn, nos só cursos de final de semana e até nos MBAs. Mas, sobretudo, o problema está em como buscamos aprender sobre a liderança e colocá-la em prática.

Marcelo Santos

8 min de leitura
ESG
Inclua uma nova métrica no seu dashboard: bem-estar. Porque nenhum KPI de entrega importa se o motorista (você) está com o tanque vazio

Lilian Cruz

4 min de leitura
ESG
Flexibilidade não é benefício. É a base de uma cultura que transformou nossa startup em um caso real de inclusão sem imposições, onde mulheres prosperam naturalmente.

Gisele Schafhauser

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O futuro da liderança em tempos de IA vai além da tecnologia. Exige preservar o que nos torna humanos em um mundo cada vez mais automatizado.

Manoel Pimentel

7 min de leitura