No século 20, desaprender algo era um movimento indesejável, porque uma pessoa só evoluía com o acúmulo de conhecimento, que lhe dava vantagens competitivas perante outras pessoas. Mas agora, no século 21, passamos a ter excesso de informação, e passa a importar mais como a pessoa busca e utiliza a informação, não necessariamente seu acúmulo, que pode ser automatizado.
Para dificultar as coisas, a velocidade e a abrangência das mudanças fazem aumentar a importância de um profissional que consegue adquirir aprendizados novos rapidamente. O problema? Quase ninguém aprendeu verdadeiramente a aprender. Em geral, as pessoas aprenderam a decorar. Aprender implica desaprender.
Quem faz essa análise é Marcelo Nakagawa, professor do Insper, Fundação Dom Cabral e FIA que é referência em empreendedorismo. Ele não tem dúvidas de que o analfabeto do futuro não será a pessoa que não aprendeu a ler e a escrever, mas “aquela que não aprendeu a aprender, a desaprender e a reaprender”. O grande recurso será a chamada “mente de principiante”
![Marcelo Nakagawa PB](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/3dmQY8tRe9BXHa3yIbN83d/5c344f72c1f9fce7a4741f07d1665fe1/Marcelo_Nakagawa_PB.jpg)
*Marcelo Nakagawa, professor do Insper, Fundação Dom Cabral e FIA*
Conceito que vem do zen-budismo japonês (e é traduzido no ideograma que ilustra este artigo), o “shoshin” remonta ao mestre Eihei Dogen, mais de dez séculos atrás, que defendia a necessidade de desenvolver a mente de principiante, porque a mente de especialista nos torna arrogantes e, no fundo, frágeis, embora aparentemente fortes. Então, no século 20, o mestre Shunryu Suzuki, do livro Mente Zen, Mente de Principiante, foi a São Francisco (EUA) montar lá um centro zen budista e, certo dia, lá apareceu um jovem de 17 anos chamado Steve Jobs.
Muitas das inovações da Apple tiveram influência do zen-budismo e é daí que vem a famosa frase do cofundador da Apple “stay hungry, stay fullish”, no sentido de continue com fome (de aprender), mas ingênuo, com mente de principiante.
Com Jobs, esse ensinamento começou a permear um pouco a cultura do Vale do Silício. Nos dias atuais, o grande defensor do shoshin é Mark Benioff, fundador e CEO da Salesforce. Ele mesmo pratica o conceito de mente de principiante na reunião de planejamento anual da companhia. Todos são convidados a esquecer o passado e a olhar para frente, fazer o que é possível e sem enviesar. Inclusive, Benioff criou o método V2MOM, sigla que significa visão e valores (V2), em combinação com métodos, obstáculos e medidas (MOM). É um método que, ao ser aplicado, desenvolve a mente de principiante.
O shoshin já vem sendo institucionalizado no discurso de algumas empresas. Por exemplo, um dos valores da Amazon é “todo dia é day one”, como se hoje fosse sempre o primeiro dia, não importa o que se faça. No Brasil, o Itaú mudou recentemente seu conjunto de valores e um dos novos é “Não sabemos tudo”, atestando que é importante reconhecer que não se sabe tudo. Na sede da Ambev, está escrito numa parede gigantesca: “Ambev. De uma empresa que sabe tudo para uma empresa que aprende tudo”. “Essa frase foi copiada de Satya Nadella, CEO da Microsoft. Em um dos capítulos do seu livro Aperte o F5, ele escreve que um de seus desafios na Microsoft era mudar a liderança que sabe tudo para uma liderança que aprende tudo”, conta Nakagawa.
Não é à toa que boa parte das start-ups e scaleups de sucesso foi fundada por pessoas que não eram especialistas na área. Para dar alguns exemplos, Jeff Bezos, da Amazon, não era especialista em comércio varejista ou e-commerce, e sim no mercado financeiro; David Vélez, do Nubank, não veio do mercado bancário; e Gabriel Braga, fundador do Quinto Andar, nunca trabalhou no mercado imobiliário.
## Duas orientações a seguir
Nakagawa compartilha duas orientações com quem quer desenvolver a mente de principiante. A primeira, que é mais fácil, é ficar o tempo todo se desafiando, em situações de aprendizado de coisas muito novas. “Por exemplo, comecei a fazer em 2023 o crossfit. Tinha preconceito, mas fui fazer uma aula-teste e gostei, e agora pratico de cinco a seis vezes por semana. Em vários movimentos, sou bem ruim, mas tudo bem, porque estou desenvolvendo a mente de principiante e trabalho a humildade intelectual”, diz ele.
A segunda é a meditação zen budista. A pessoa fica sentada na posição de lótus ou semilótus, de frente para a parede, com olhos semiabertos, em total silêncio. Tem que prestar atenção ao pensamento que surge e, em seguida, deixá-lo ir embora. Aí vem outro pensamento e de novo deixa-se ele ir embora. O cachorro late, deixa ir embora. Um avião passa, deixa ir. A duração é de 40 ou 90 minutos (sendo 40 minutos sentado, 10 minutos andando e mais 40 minutos sentado). É o mindfulness no Ocidente, a atenção plena. “Temos que aprender a esvaziar as nossas xícaras mentais de tempos em tempos, para podermos criar coisas e abordagens novas, ter novos olhares. Se continuarmos com a nossa xícara cheia, não sobra espaço para o novo”, ensina Nakagawa.
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__Ia gera uma oportunidade__
![Ercília Galvão Bueno PB](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/5Spr8DeuioouaprgUcZdEL/1d31161aa44f52a9f9bf1fe44181c22c/Erci_lia_Galva_o_Bueno_PB.jpg)
Inteligência artificial é uma oportunidade de recomeçar do zero a área de atendimento ao cliente das empresas. “Sofremos pressão para trazer IA aos processos de atendimento ao cliente. E toda vez que há um salto evolutivo de tecnologia que nos leva a repensar processos, dois movimentos são possíveis: buscar redução imediata de custos e reproduzir os processos já existentes ou pensar toda a jornada novamente, como se não houvesse legado”, diz Ercilia Galvão Bueno, fundadora e CEO da Try Consultoria, especialista em design de marca e de experiência do usuário (UX). Como se tomaria o caminho? Com uma atitude de desapego ao que existe e alguns passos: (1) fazer uma análise da jornada atual com atendentes e consumidores, mapeando as principais e mais recorrentes dores, bem como as oportunidades de melhoria; (2) buscar benchmarkings no mercado, o que ajuda a libertar a imaginação para novas possibilidades; (3) estudar as possibilidades técnicas, levando em conta tecnologia, tempo e orçamento e, prototipar uma ou mais soluções, testando-as com clientes.
Um alerta de Galvão Bueno: num projeto grande que envolve custos altos e muita pressão de resultados, é importante manter vivos os objetivos mais intangíveis.