“Você é um ótimo profissional e uma ótima pessoa”. Quantas vezes você já falou ou ouviu essa frase? A cada despedida de alguém da empresa, ou a cada voto de sucesso, vira e mexe tem alguém elogiando as duas partes do indivíduo: o lado humano, ou seja, o verdadeiro, o genuíno; e o lado profissional, aquele que demonstra as competências e [habilidades](https://revistahsm.com.br/post/aprendizado-constante-a-habilidade-mais-importante-de-um-profissional) no trabalho.
Ranço de uma mentalidade linear em que a vida era dividida claramente em dois pedaços, a privada e a pública. Esse vício de separar o ser humano em duas partes permanece muito atual, apesar da [pandemia](https://revistahsm.com.br/post/pequenos-negocios-locais-ganham-forca-na-pandemia), de misturarmos cada vez mais os papéis e de estarmos em 2021.
O problema não é usar dois (ou mais) uniformes todos os dias – afinal, desempenhamos hoje múltiplas e diferentes funções na vida que, às vezes, exige realmente uma troca de vestimenta.
Na minha visão, o risco consiste na criação heterônomos para cada atividade, o que esvazia todo discurso de transparência, autenticidade e, sobretudo, valores que defendemos no ambiente corporativo.
## Autoafirmações mentirosas
Falamos tanto hoje em alinhamento de valores, fit cultural e soft skills, conceitos esses ligados à personalidade e comportamento. Não consigo imaginar a pessoa criando facetas para se encaixar a determinado ambiente. Ou melhor, até consigo, mas acho tão desleal e absurdo quanto mentir no currículo.
O ato de [mentir no currículo](https://revistahsm.com.br/post/pare-de-mentir-no-seu-cv), aliás, é fruto dessa necessidade de criar personagens com cara de super heróis, que não correspondem ao nosso lado humano. Segundo um levantamento da empresa DNA Outplacement, 75% dos brasileiros costumam distorcer informações no currículo.
As mentiras mais comuns são as relacionadas à escolaridade, domínio do inglês e tempo nos cargos anteriores. Quem aí não se lembra do caso de Carlos Alberto Decotelli, o “ex-futuro” ministro da Educação que, ao mentir sua titulação no currículo, deixou o cargo cinco dias após a nomeação?
Esse esforço para parecer melhor ou diferente apenas confirma a crença de que podemos trabalhar com dois perfis: o pessoal e o profissional. A parte pessoal, não minto, nem omito, porque ela não fará muita diferença na minha trajetória.
Além disso, procuro dizer o mínimo de informações pessoais porque não gosto de “misturar as coisas”. Na parte profissional, preciso contar lá uma história bacana ou dar um jeitinho de parecer mais encantador.
## Não existe dualidade: vida pessoal e profissional se misturam
Essa dupla personalidade não faz mais sentido nenhum hoje. Primeiro, porque a vida é uma só. Eu levo [casa para o trabalho](https://revistahsm.com.br/post/compliance-no-home-office) e o trabalho para casa. Em tempos pandêmicos, não precisa nem levar. Já está tudo no mesmo lugar. Segundo, porque cada vez mais queremos ouvir histórias de vida e não de carreira.
O que você faz quando não está trabalhando é tão ou mais importante do que o que você faz quando está trabalhando. A partir desse relato, eu consigo extrair um pouco mais do seu momento de vida e conhecer melhor seus valores, sua personalidade, seus sonhos.
Eu não sei você, mas eu sou jornalista, escritora, diretora de conteúdo e relações institucionais do Great Place to Work, casada com o advogado Luiz Dellore, mãe do Leonardo, são-paulina, criada entre Amparo e Sorocaba, no interior de São Paulo, devoradora de livros, amante de chá e por aí vai.
Basta me acompanhar nas redes sociais que você vai conhecer um pouquinho de quem sou. Ah, e tem mais: gosto de trabalhar com pessoas incríveis – e não com profissionais incríveis. Garanto que o aprendizado é muito maior e muito mais divertido.
Criar uma personalidade para o trabalho e insistir em separar a vida em dois pedaços que não se falam não traz benefício nenhum. Não trouxe nem para o Clark Kent que, convenhamos, não conseguia disfarçar tão bem assim. O que dirá para você que não é – ainda bem – nenhum super-homem.
Ah, e os mais jovens podem procurar no Google quem é Clark Kent.