Desenvolvimento pessoal

Não dê uma de Clark Kent

Não faz sentido distinguir, numa dupla personalidade, vida pessoal e profissional, ainda mais no contexto de pandemia em que o espaço privado virou ambiente de trabalho
Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: *Grandes líderes de lessoas*, *25 anos de história da gestão de pessoas* e *Negócios nas melhores empresas para trabalhar*, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

Compartilhar:

“Você é um ótimo profissional e uma ótima pessoa”. Quantas vezes você já falou ou ouviu essa frase?  A cada despedida de alguém da empresa, ou a cada voto de sucesso, vira e mexe tem alguém elogiando as duas partes do indivíduo: o lado humano, ou seja, o verdadeiro, o genuíno; e o lado profissional, aquele que demonstra as competências e [habilidades](https://revistahsm.com.br/post/aprendizado-constante-a-habilidade-mais-importante-de-um-profissional) no trabalho.

Ranço de uma mentalidade linear em que a vida era dividida claramente em dois pedaços, a privada e a pública. Esse vício de separar o ser humano em duas partes permanece muito atual, apesar da [pandemia](https://revistahsm.com.br/post/pequenos-negocios-locais-ganham-forca-na-pandemia), de misturarmos cada vez mais os papéis e de estarmos em 2021.

O problema não é usar dois (ou mais) uniformes todos os dias – afinal, desempenhamos hoje múltiplas e diferentes funções na vida que, às vezes, exige realmente uma troca de vestimenta. 

Na minha visão, o risco consiste na criação heterônomos para cada atividade, o que esvazia todo discurso de transparência, autenticidade e, sobretudo, valores que defendemos no ambiente corporativo. 

## Autoafirmações mentirosas

Falamos tanto hoje em alinhamento de valores, fit cultural e soft skills, conceitos esses ligados à personalidade e comportamento. Não consigo imaginar a pessoa criando facetas para se encaixar a determinado ambiente. Ou melhor, até consigo, mas acho tão desleal e absurdo quanto mentir no currículo.

O ato de [mentir no currículo](https://revistahsm.com.br/post/pare-de-mentir-no-seu-cv), aliás, é fruto dessa necessidade de criar personagens com cara de super heróis, que não correspondem ao nosso lado humano. Segundo um levantamento da empresa DNA Outplacement, 75% dos brasileiros costumam distorcer informações no currículo. 

As mentiras mais comuns são as relacionadas à escolaridade, domínio do inglês e tempo nos cargos anteriores. Quem aí não se lembra do caso de Carlos Alberto Decotelli, o “ex-futuro” ministro da Educação que, ao mentir sua titulação no currículo, deixou o cargo cinco dias após a nomeação? 

Esse esforço para parecer melhor ou diferente apenas confirma a crença de que podemos trabalhar com dois perfis: o pessoal e o profissional. A parte pessoal, não minto, nem omito, porque ela não fará muita diferença na minha trajetória. 

Além disso, procuro dizer o mínimo de informações pessoais porque não gosto de “misturar as coisas”. Na parte profissional, preciso contar lá uma história bacana ou dar um jeitinho de parecer mais encantador. 

## Não existe dualidade: vida pessoal e profissional se misturam

Essa dupla personalidade não faz mais sentido nenhum hoje. Primeiro, porque a vida é uma só. Eu levo [casa para o trabalho](https://revistahsm.com.br/post/compliance-no-home-office) e o trabalho para casa. Em tempos pandêmicos, não precisa nem levar. Já está tudo no mesmo lugar. Segundo, porque cada vez mais queremos ouvir histórias de vida e não de carreira.

O que você faz quando não está trabalhando é tão ou mais importante do que o que você faz quando está trabalhando. A partir desse relato, eu consigo extrair um pouco mais do seu momento de vida e conhecer melhor seus valores, sua personalidade, seus sonhos. 

Eu não sei você, mas eu sou jornalista, escritora, diretora de conteúdo e relações institucionais do Great Place to Work, casada com o advogado Luiz Dellore, mãe do Leonardo, são-paulina, criada entre Amparo e Sorocaba, no interior de São Paulo, devoradora de livros, amante de chá e por aí vai. 

Basta me acompanhar nas redes sociais que você vai conhecer um pouquinho de quem sou. Ah, e tem mais: gosto de trabalhar com pessoas incríveis – e não com profissionais incríveis. Garanto que o aprendizado é muito maior e muito mais divertido. 

Criar uma personalidade para o trabalho e insistir em separar a vida em dois pedaços que não se falam não traz benefício nenhum. Não trouxe nem para o Clark Kent que, convenhamos, não conseguia disfarçar tão bem assim. O que dirá para você que não é – ainda bem – nenhum super-homem. 

Ah, e os mais jovens podem procurar no Google quem é Clark Kent.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Liderança
A liderança eficaz exige a superação de modelos ultrapassados e a adoção de um estilo que valorize autonomia, diversidade e tomada de decisão compartilhada. Adaptar-se a essa nova realidade é essencial para impulsionar resultados e construir equipes de alta performance.

Rubens Pimentel

6 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O DeepSeek, modelo de inteligência artificial desenvolvido na China, emerge como força disruptiva que desafia o domínio das big techs ocidentais, propondo uma abordagem tecnológica mais acessível, descentralizada e eficiente. Desenvolvido com uma estratégia de baixo custo e alto desempenho, o modelo representa uma revolução que transcende aspectos meramente tecnológicos, impactando dinâmicas geopolíticas e econômicas globais.

Leandro Mattos

0 min de leitura
Empreendedorismo
País do sudeste asiático lidera o ranking educacional PISA, ao passo que o Brasil despencou da 51ª para a 65ª posição entre o início deste milênio e a segunda década, apostando em currículos focados em resolução de problemas, habilidades críticas e pensamento analítico, entre outros; resultado, desde então, tem sido um brutal impacto na produtividade das empresas

Marina Proença

5 min de leitura
Empreendedorismo
A proficiência amplia oportunidades, fortalece a liderança e impulsiona carreiras, como demonstram casos reais de ascensão corporativa. Empresas visionárias que investem no desenvolvimento linguístico de seus talentos garantem vantagem competitiva, pois comunicação eficaz e domínio do inglês são fatores decisivos para inovação, negociação e liderança no cenário global.

Gilberto de Paiva Dias

9 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Com o avanço da inteligência artificial, a produção de vídeos se tornou mais acessível e personalizada, permitindo locuções humanizadas, avatares realistas e edições automatizadas. No entanto, o uso dessas tecnologias exige responsabilidade ética para evitar abusos. Equilibrando inovação e transparência, empresas podem transformar a comunicação e o aprendizado, criando experiências imersivas que inspiram e engajam.

Luiz Alexandre Castanha

4 min de leitura
Empreendedorismo
A inteligência cultural é um diferencial estratégico para líderes globais, permitindo integrar narrativas históricas e práticas locais para impulsionar inovação, colaboração e impacto sustentável.

Angelina Bejgrowicz

7 min de leitura
Empreendedorismo
A intencionalidade não é a solução para tudo, mas é o que transforma escolhas em estratégias e nos permite navegar a vida com mais clareza e propósito.

Isabela Corrêa

6 min de leitura
Liderança
Construir e consolidar um posicionamento executivo é essencial para liderar com clareza, alinhar valores e princípios à gestão e impulsionar o desenvolvimento de carreira. Um posicionamento bem definido orienta decisões, fortalece relações profissionais e contribui para um ambiente de trabalho mais ético, produtivo e sustentável.

Rubens Pimentel

4 min de leitura
Empreendedorismo
Impacto social e sustentabilidade financeira não são opostos – são aliados essenciais para transformar vidas de forma duradoura. Entender essa relação foi o que permitiu ao Aqualuz crescer e beneficiar milhares de pessoas.

Anna Luísa Beserra

5 min de leitura
ESG
Infelizmente a inclusão tem sofrido ataques nas últimas semanas. Por isso, é necessário entender que não é uma tendência, mas uma necessidade estratégica e econômica. Resistir aos retrocessos é garantir um futuro mais justo e sustentável.

Carolina Ignarra

0 min de leitura