Liderança

“No leadership without valorship”

Na visão de Andreia Salgueiro Cruz Lima, atrair e reter talentos serÃO dois grandes desafios para as corporações nos próximos tempos: a liderança que cria valor e legado é um modo de conseguir isso

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Ela está onde sempre desejou e preparou-se para estar. Focada na perspectiva de conquistar uma posição C-level, construiu sua carreira profissional aprendendo, reaprendendo, desaprendendo, aplicando e mesclando conhecimentos diversos. Essa experiência é bem útil. CEO da Whirlpool desde 2019, Andrea Salgueiro Cruz Lima está convencida de que não haverá um novo normal no pós-pandemia: para ela, o mundo entrou em um modo “never normal”. Os líderes e suas equipes precisarão de coragem e criatividade para seguir gerando inovação, ancorada em propósito e relação de confiança com clientes e consumidores. Essa relação, diz ela, começa dentro da empresa, na relação com os colaboradores.

Nesta conversa com Andrea Clemente, responsável pelo RH da Whirlpool, a executiva faz uma reflexão ampla sobre pessoas e faz um alerta: o desafio da saúde mental continua.

__ANDREA CLEMENTE – A gente já conversou muito sobre isso antes mesmo de você se juntar à Whirlpool, então quero começar com sua definição de sucesso.__
__ANDREA SALGUEIRO –__ Bom, como você sabe, para mim tem três coisas que definem sucesso: o primeiro de tudo é ter seu propósito alinhado com o seu sweet spot – o que você faz é o que você gosta, e o que você gosta é o que você faz bem, isso é o que eu defino como sweet spot. Na hora que você consegue amarrar o seu propósito com o sweet spot, isso o motiva a acordar de manhã e é a definição de sucesso número um.

O segundo elemento é o equilíbrio da minha vida pessoal e profissional. Sempre. A vida é muito curta pra gente não ser feliz, e eu não acredito em alguém que só viva pra trabalhar. Uma vez um jornalista me perguntou qual tinha sido minha maior realização enquanto profissional, e respondi que foi ter conseguido ser uma mãe presente. Equilíbrio não é dividir o tempo meio a meio; é um equilíbrio dinâmico, em que um pesa mais que o outro conforme a prioridade.
Por fim, é a questão de deixar um legado, criando valor para a vida das pessoas. Nosso CEO [global] fala que “there’s no leadership without valorship”. Eu acredito nisso.

__Temos de saber que não precisamos ser heroínas, né?! Falando disso, o que você pensa sobre os erros?__
E temos de saber o que não vamos fazer. Tem uns certos combinados em casa que meu marido já nem espera de mim, porque eu falei “não vou conseguir dar conta disso”.

Sobre os erros, eu cometi vários, mas acho que meu maior erro foi demorar para perceber que o meu desenvolvimento estava na minha mão e não na do meu chefe. Eu por muito tempo deixei a vida me levar, as pessoas diziam qual era meu próximo papel e eu ia. Isso sem falar na questão da autossabotagem, que é muito inerente à mulher, de a gente achar que nunca está pronta, que falta alguma coisa, que tem sempre alguém melhor. Na hora que eu entendi que eu estava pronta, tive um turning point na minha trajetória. A inexistência de erro não é bom indicador, inclusive: geralmente significa que você ficou dentro da sua zona de conforto.

__Que tipo de aprendiz é você?__
Do tipo que valoriza muito a educação. Eu vim de uma família classe média, meu pai passou por muitos altos e baixos na vida e ele sempre me falou: você pode perder alguma coisa aqui e ali, mas educação ninguém vai tirá-la de você e ela o levará para onde quer chegar. Isso ficou muito marcado para mim, e eu sempre busquei me educar. Acredito muito na vitalidade intelectual, então nunca parei de estudar – fiz faculdade, pós, especialização, uns 200 cursos. Eu aprendo muito no meu trabalho, mas acredito que boa parte também tem uma base mais conceitual para dar sustentação. Durante a pandemia, no caos, eu criei um espaço na minha agenda para poder fazer o programa Strategic Change Management, na Kellogg School of Management, um curso de três meses que me demandou muitos fins de semana preparando tarefas, para nota. Na minha última posição, ainda na Unilever, dediquei bastante tempo para fazer o meu upskill dentro da área digital, inclusive com uma mentora reversa, a Bruna. Acho que você perde a efetividade enquanto líder se não for minimamente fluente nos assuntos com que lida.

__Com todos esses fins de semana de tarefas [risos], como você lidou com sua saúde mental?__
O executivo é como um atleta profissional, ele tem que estar muito bem preparado física e emocionalmente para lidar com a maratona do dia a dia e com toda a pressão. Só que, diferente do atleta profissional – que se prepara, compete e descansa –, o executivo não tem esse momento de descanso. Justamente por fazer esse paralelo com o atleta profissional, eu sempre me cuidei. Eu até irrito meu marido e minhas filhas com minha disciplina [risos]: pratico atividade física todos os dias – caminhadas, ioga, treino com personal –, gosto muito de desenhar e pintar, viajo, faço coisas que me deixam centrada. Ou faço isso ou nem conseguiria ter uma liderança empática, comunicação não violenta, ouvir genuinamente etc.

A gente trouxe esse debate para a mesa dentro da organização, com o programa “Conecte-se a Cada Momento”, o que fez mais de 50 ações com profissionais das mais diferentes áreas pra tratar do assunto, para ajudar a nossa liderança e os nossos colaboradores a lidarem com o tema de maneira mais tranquila. No início da pandemia, começamos um serviço 24/7 de apoio psicológico e apoio nos mais diferentes temas que possam precisar. E acabamos de assumir o compromisso com o programa “Movimento Mente em Foco”, da ONU. Acho que a vida nunca mais vai ser normal, dentro do que a gente entendia por normalidade, e isso gera muita apreensão e ansiedade. As empresas têm que estar atentas.

__Como a Whirlpool está evoluindo em ESG?__
A longevidade e o valor de mercado de uma empresa estão muito relacionados com sustentabilidade, que é um olhar para o todo e não só para uma parte ou só para dentro. E isso já estava no DNA da Whirlpool de alguma maneira. Na parte ambiental, faz mais de uma década que a gente atingiu a meta de zero resíduos para aterro e já temos 98% da recirculação da água utilizada no nosso processo produtivo – este ano, até ganhamos o primeiro lugar no prêmio de agência nacional de águas, a ANA. E preservamos as áreas verdes e da biodiversidade no entorno das nossas fábricas: mais de 370 mil m² e 1.370 espécies de animais. Agora, recentemente, assumimos um compromisso global de neutralizar as emissões de gás carbônico nas nossas fábricas até 2030 e de reduzir em 20% a emissão de gases no consumo dos nossos produtos.

No social, como você bem sabe, fazemos muito. Fazemos inclusão e diversidade – falamos assim, não o contrário, porque primeiro a gente pensa em criar um ambiente inclusivo para depois desenvolver o tema da diversidade. Temos há quase 20 anos um programa chamado Consulado da Mulher, que capacita mulheres empreendedoras possibilitando que elas impactem suas comunidades. Integramos o Fórum LGBT e também acabamos de assumir o compromisso de inclusão social e racial para a companhia. De governança nem preciso falar, a não ser, talvez, sobre as 20 horas de treinamento em ética que cada colaborador faz.

Eu, pessoalmente, lidero dois comitês ESG, um da região que trabalha junto com o comitê global de ESG, e um de inclusão e diversidade aqui no Brasil.

__Que crenças guiam o seu jeito de liderar?__
Eu me vejo no “new leadership model” da Whirlpool. Acredito genuinamente em liderança autêntica, empática e inclusiva. Acho que quando você tenta ser o que não é, você não é efetivo. Assim, acho importante abrir espaço na organização para que as pessoas sejam elas mesmas, para que tragam seu “full self” – é um espaço de segurança e confiança.

Outras características que prezo num líder são contratar gente melhor que ele/ela e ter conversas francas sempre que necessário. Eu não espero a reunião de feedback para dar feedback.

__Vamos falar um pouco de futuro e deste ano que começa. Quais suas expectativas sobre os desafios?__
Mudanças acontecendo o tempo todo e a gente precisando ter capacidade de adaptação e resiliência pessoal. Temos, na indústria de eletrodomésticos, problemas de suprimento e logística, escassez de talentos – atrair e reter serão talvez os maiores desafios. Estamos repensando como a gente sai do modelo pipeline para o modelo mais plataforma, onde produto é um elemento de um ecossistema. Há os disrupters… Não tem espaço para pensamento fixo.

__Como você vê o papel do RH?__
Imenso, mas, para resumir, ser protagonista no processo de transformação das empresas e ajudar o C-level a navegar crises. Eu tenho a sorte de ter você. Você sempre foi um braço direito e esquerdo para mim, principalmente na pandemia.

__Andrea S. Cruz Lima__
Ela é membro do conselho de administração do Grupo Boticário.

__Andrea Clemente__
Com 17 anos de Whirlpool, ela responde pelo RH do México também.

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