ESG
05 min de leitura

O apanhador no Campo de Centeio e uma reflexão sobre Gerações

No lugar de fechar as portas para os jovens, cerque-os de mentores e, por que não, ofereça um exemplar do clássico americano para cada um – eles sentirão que não fazem apenas parte de um grupo estereotipado, mas que são apenas jovens
Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: *Grandes líderes de lessoas*, *25 anos de história da gestão de pessoas* e *Negócios nas melhores empresas para trabalhar*, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

Compartilhar:

Apanhador no Campo de Centeio

Dentre os meus hábitos (ou vícios) de leitura, me proponho a ler ao menos um clássico por ano. Já li uma boa quantidade, mas tenho a plena convicção que me faltarão anos para ler todos. Então, já passei do tempo de me penalizar por não ter começado a ler Dostoievski mais cedo. O próprio Jorge Luis Borges revelou uma vez a angústia que sentia ao olhar para seus livros e ter a consciência da sua finitude. “Às vezes, olhando os muitos livros que tenho em casa, sinto que morrerei antes que chegue ao fim deles, porém, não consigo resistir à tentação de adquirir novos”. Se até para Borges era impossível, está tudo bem. 

Foi assim que consumi o primeiro clássico do ano: O Apanhador no Campo de Centeio, do americano J. D. Salinger. Publicada em 1951, a obra narra o final de semana da vida de um adolescente, Holden Caulfield. Expulso da escola e sem coragem de regressar antes para casa, Caulfield vaga pela cidade de Nova York demonstrando toda sua revolta, impaciência, inquietude e sarcasmo com o que encontra ao redor. Debocha da vida adulta, critica a sociedade, o “sistema”, ironiza o próprio irmão que, de excelente escritor, passou a fazer peças para Broadway, se transformando assim num “fajuto”. Narrada em primeira pessoa, a obra exibe uma linguagem carregada de gírias e palavrões (o que fez o livro ser proibido algumas vezes nas escolas) e um vocabulário simples. Proposital, é claro. Afinal, trata-se da linguagem de um adolescente de 16 anos. E foi justamente por narrar uma história sob a ótica de um jovem que, por vezes, recebe alguns sermões na linha “quando é que você vai crescer”? que o livro de Salinger virou um clássico, ainda hoje recomendado. Mais do que isso, o livro segue atual. E aqui está o motivo deste artigo.

Envolvida não somente na história, mas no tema Gerações, que tanto fascínio provoca no ambiente corporativo, eu não pude deixar de fazer uma análise sobre o jovem Holden da década de 50, um Baby-Boomer hoje, e o nosso jovem de 2025 – que aos 16 anos transita entre o final da Geração Z e início da Alpha. Holden não estava cercado de tecnologia, usava telefones fixos, guardava agenda de papel, andava de trens e táxis e deixava bilhetes para dar recados. Deixando o ritmo da sociedade de lado – mais lento naturalmente – o ritmo, a ansiedade e impaciência de Holden não diferem muito do nosso jovem de hoje. Temos em nossas empresas e em nossas escolas jovens que gostam mais de criticar do que realizar, que não dão a mínima para regras e normas, que querem apenas ser feliz e fazer o bem e não se conformam com os discursos fajutos que não condizem com as atitudes reais. O questionamento e a indignação do jovem Holden foi também o questionamento e a indignação da Geração X, dos Millenias – e agora da Z e Alpha.

Obviamente que há características próprias em cada geração muito demarcadas pela época em que cada uma vive. Os pais da sociedade americana da década de 50, para muitos considerada a década “dourada” da classe média, nutriam expectativas bastante lineares e promissoras para seus filhos: estudar em bons colégios, fazer uma boa faculdade, comprar uma casa e um carro, casar e ter filhos. Transgredir a uma dessas expectativas era talvez mais vergonhoso que hoje – ao ponto de Holden, expulso do colégio, não ter coragem de encarar os pais logo de início. As expectativas dos pais de hoje podem não ser tão lineares assim e os filhos, distraídos num mundo de opções e escolhas, talvez não se sintam tão envergonhados de dizer que optaram por outros caminhos que os imaginados pelos seus pais, mas no fundo, todos esses jovens estão buscando apenas uma coisa: a sua identidade – e esse é o caminho para o amadurecimento.

Como afirmou o psicanalista Wilhelm Stekel, citado por J. D. Salinger ao final do livro: “a marca do homem imaturo é querer morrer de maneira nobre por alguma causa, enquanto a marca do homem maduro é querer viver de maneira humilde por uma causa”. Enquanto jovens, temos talvez mais causas e ideais, a ponto de nos revoltarmos com o status quo, fazendo mais barulho muitas vezes do que mudanças. Enquanto maduros, aprendemos as regras do jogo e transformamos nossos ideais em ideias para provocar as mudanças. O que acontece entre uma fase e outra não é a mudança de Geração, mas o amadurecimento. Precisamos do questionamento do jovem sempre – e da sua inquietude e impaciência e de suas causas.

Tivemos Holdens em todas as fases da nossa história – que transgrediram algumas regras, que debocharam da sociedade, que se deprimiram com a perspectiva do seu próprio futuro. E ainda bem que eles estão aqui. Graças aos Holdens fomos (e seremos) capazes de realizar, de construir e de evoluir como sociedade. Antes de fechar as portas para eles, portanto, pense nisso, cerque-os de mentores e, por que não, ofereça um exemplar de O Apanhador no Campo de Centeio para cada um – eles sentirão que não fazem apenas parte de uma Geração estereotipada, mas que são apenas jovens.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Gestão de Pessoas
O aprendizado está mudando, e a forma de reconhecer habilidades também! Micro-credenciais, certificados e badges digitais ajudam a validar competências de forma flexível e alinhada às demandas do mercado. Mas qual a diferença entre eles e como podem impulsionar carreiras e instituições de ensino?

Carolina Ferrés

9 min de leitura
Inovação
O papel do design nem sempre recebe o mérito necessário. Há ainda quem pense que se trata de uma área do conhecimento que é complexa em termos estéticos, mas esse pensamento acaba perdendo a riqueza de detalhes que é compreender as capacidades cognoscíveis que nós possuímos.

Rafael Ferrari

8 min de leitura
Inovação
Depois de quatro dias de evento, Rafael Ferrari, colunista e correspondente nos trouxe suas reflexões sobre o evento. O que esperar dos próximos dias?

Rafael Ferrari

12 min de leitura
ESG
Este artigo convida os profissionais a reimaginarem a fofoca — não como um tabu, mas como uma estratégia de comunicação refinada que reflete a necessidade humana fundamental de se conectar, compreender e navegar em paisagens sociais complexas.

Rafael Ferrari

7 min de leitura
ESG
Prever o futuro vai além de dados: pesquisa revela que 42% dos brasileiros veem a diversidade de pensamento como chave para antecipar tendências, enquanto 57% comprovam que equipes plurais são mais produtivas. No SXSW 2025, Rohit Bhargava mostrou que o verdadeiro diferencial competitivo está em combinar tecnologia com o que é 'unicamente humano'.

Dilma Campos

7 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Para líderes e empreendedores, a mensagem é clara: invista em amplitude, não apenas em profundidade. Cultive a curiosidade, abrace a interdisciplinaridade e esteja sempre pronto para aprender. O futuro não pertence aos que sabem tudo, mas aos que estão dispostos a aprender tudo.

Rafael Ferrari e Marcel Nobre

5 min de leitura
ESG
A missão incessante de Brené Brown para tirar o melhor da vulnerabilidade e empatia humana continua a ecoar por aqueles que tentam entender seu caminho. Dessa vez, vergonha, culpa e narrativas são pontos cruciais para o entendimento de seu pensamento.

Rafael Ferrari

0 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A palestra de Amy Webb foi um chamado à ação. As tecnologias que moldarão o futuro – sistemas multiagentes, biologia generativa e inteligência viva – estão avançando rapidamente, e precisamos estar atentos para garantir que sejam usadas de forma ética e sustentável. Como Webb destacou, o futuro não é algo que simplesmente acontece; é algo que construímos coletivamente.

Glaucia Guarcello

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O avanço do AI emocional está revolucionando a interação humano-computador, trazendo desafios éticos e de design para cada vez mais intensificar a relação híbrida que veem se criando cotidianamente.

Glaucia Guarcello

7 min de leitura
Tecnologias exponenciais
No SXSW 2025, Meredith Whittaker alertou sobre o crescente controle de dados por grandes empresas e governos. A criptografia é a única proteção real, mas enfrenta desafios diante da vigilância em massa e da pressão por backdoors. Em um mundo onde IA e agentes digitais ampliam a exposição, entender o que está em jogo nunca foi tão urgente.

Marcel Nobre

5 min de leitura