Dentre os meus hábitos (ou vícios) de leitura, me proponho a ler ao menos um clássico por ano. Já li uma boa quantidade, mas tenho a plena convicção que me faltarão anos para ler todos. Então, já passei do tempo de me penalizar por não ter começado a ler Dostoievski mais cedo. O próprio Jorge Luis Borges revelou uma vez a angústia que sentia ao olhar para seus livros e ter a consciência da sua finitude. “Às vezes, olhando os muitos livros que tenho em casa, sinto que morrerei antes que chegue ao fim deles, porém, não consigo resistir à tentação de adquirir novos”. Se até para Borges era impossível, está tudo bem.
Foi assim que consumi o primeiro clássico do ano: O Apanhador no Campo de Centeio, do americano J. D. Salinger. Publicada em 1951, a obra narra o final de semana da vida de um adolescente, Holden Caulfield. Expulso da escola e sem coragem de regressar antes para casa, Caulfield vaga pela cidade de Nova York demonstrando toda sua revolta, impaciência, inquietude e sarcasmo com o que encontra ao redor. Debocha da vida adulta, critica a sociedade, o “sistema”, ironiza o próprio irmão que, de excelente escritor, passou a fazer peças para Broadway, se transformando assim num “fajuto”. Narrada em primeira pessoa, a obra exibe uma linguagem carregada de gírias e palavrões (o que fez o livro ser proibido algumas vezes nas escolas) e um vocabulário simples. Proposital, é claro. Afinal, trata-se da linguagem de um adolescente de 16 anos. E foi justamente por narrar uma história sob a ótica de um jovem que, por vezes, recebe alguns sermões na linha “quando é que você vai crescer”? que o livro de Salinger virou um clássico, ainda hoje recomendado. Mais do que isso, o livro segue atual. E aqui está o motivo deste artigo.
Envolvida não somente na história, mas no tema Gerações, que tanto fascínio provoca no ambiente corporativo, eu não pude deixar de fazer uma análise sobre o jovem Holden da década de 50, um Baby-Boomer hoje, e o nosso jovem de 2025 – que aos 16 anos transita entre o final da Geração Z e início da Alpha. Holden não estava cercado de tecnologia, usava telefones fixos, guardava agenda de papel, andava de trens e táxis e deixava bilhetes para dar recados. Deixando o ritmo da sociedade de lado – mais lento naturalmente – o ritmo, a ansiedade e impaciência de Holden não diferem muito do nosso jovem de hoje. Temos em nossas empresas e em nossas escolas jovens que gostam mais de criticar do que realizar, que não dão a mínima para regras e normas, que querem apenas ser feliz e fazer o bem e não se conformam com os discursos fajutos que não condizem com as atitudes reais. O questionamento e a indignação do jovem Holden foi também o questionamento e a indignação da Geração X, dos Millenias – e agora da Z e Alpha.
Obviamente que há características próprias em cada geração muito demarcadas pela época em que cada uma vive. Os pais da sociedade americana da década de 50, para muitos considerada a década “dourada” da classe média, nutriam expectativas bastante lineares e promissoras para seus filhos: estudar em bons colégios, fazer uma boa faculdade, comprar uma casa e um carro, casar e ter filhos. Transgredir a uma dessas expectativas era talvez mais vergonhoso que hoje – ao ponto de Holden, expulso do colégio, não ter coragem de encarar os pais logo de início. As expectativas dos pais de hoje podem não ser tão lineares assim e os filhos, distraídos num mundo de opções e escolhas, talvez não se sintam tão envergonhados de dizer que optaram por outros caminhos que os imaginados pelos seus pais, mas no fundo, todos esses jovens estão buscando apenas uma coisa: a sua identidade – e esse é o caminho para o amadurecimento.
Como afirmou o psicanalista Wilhelm Stekel, citado por J. D. Salinger ao final do livro: “a marca do homem imaturo é querer morrer de maneira nobre por alguma causa, enquanto a marca do homem maduro é querer viver de maneira humilde por uma causa”. Enquanto jovens, temos talvez mais causas e ideais, a ponto de nos revoltarmos com o status quo, fazendo mais barulho muitas vezes do que mudanças. Enquanto maduros, aprendemos as regras do jogo e transformamos nossos ideais em ideias para provocar as mudanças. O que acontece entre uma fase e outra não é a mudança de Geração, mas o amadurecimento. Precisamos do questionamento do jovem sempre – e da sua inquietude e impaciência e de suas causas.
Tivemos Holdens em todas as fases da nossa história – que transgrediram algumas regras, que debocharam da sociedade, que se deprimiram com a perspectiva do seu próprio futuro. E ainda bem que eles estão aqui. Graças aos Holdens fomos (e seremos) capazes de realizar, de construir e de evoluir como sociedade. Antes de fechar as portas para eles, portanto, pense nisso, cerque-os de mentores e, por que não, ofereça um exemplar de O Apanhador no Campo de Centeio para cada um – eles sentirão que não fazem apenas parte de uma Geração estereotipada, mas que são apenas jovens.