TBT HSM Management

O motor é a insatisfação

Em 2018, George Westerman apontou o “paradoxo” que devemos gerar nos funcionários
Adriana Salles Gomes é diretora-editorial de HSM Management.

Compartilhar:

“O animal satisfeito dorme”, já dizia Guimarães Rosa. Ao que tudo indica, esse grande escritor brasileiro sabia das coisas. Para George Westerman, professor e pesquisador da MIT Sloan School of Management, a maior força por trás da transformação digital não é a capacidade analítica, nem a inteligência artificial, tampouco a velocidade das startups tech ou as tecnologias móveis.

“Trata-se de algo mais profundo, abrangente e poderoso, mas subestimado na gestão de empresas: a insatisfação dos funcionários”, escreveu ele num artigo que publicamos em HSM Management. Isso porque pessoas satisfeitas com o modo como os negócios são conduzidos não costumam transformá-los; elas só transformam suas organizações se estiverem incomodadas o suficiente com o status quo.

Segundo Westerman, líderes que desejem transformar suas organizações devem cultivar a insatisfação entre seus colaboradores – e isso inclui deixar até os executivos seniores insatisfeitos. Ele disse, no entanto, que existem o tipo certo e o tipo errado de insatisfação. Enquanto o tipo errado de pessoa insatisfeita desmotiva, o certo é altamente inspirador. Mas o tipo certo “é relativamente raro, mesmo entre executivos seniores”. Conforme o professor da MIT Sloan School, a insatisfação certa pode ser ensinada e tornar-se contagiosa.

## O QUE WESTERMAN DIZIA EM 2018

O contexto histórico que o artigo traz é importante. Ele relembra que, 70 anos antes, um psicólogo social chamado Kurt Lewin descreveu o processo de mudança organizacional em três passos: descongelar, mudar o comportamento e (re)congelar. Usando essas palavras mesmo. “Descongelar” significa convencer as pessoas de que a situação presente não está funcionando, de modo que compreendam a necessidade da mudança; “(re)congelar” é institucionalizar as práticas novas, a fim de manter padrões elevados de qualidade e produtividade, não importa o que aconteça. Esse método simples, porém poderoso, resistiu ao teste do tempo, segundo Westerman, mas ficou insuficiente na economia digital. Esta, escreveu ele, “demanda algo a mais”. Os líderes de hoje precisam descongelar e congelar ao mesmo tempo, o que é um paradoxo e tanto. Devem congelar os bons comportamentos individuais enquanto descongelam as equipes para abri-las à mudança. Assim, os funcionários têm de ser mantidos muito satisfeitos para trabalharem bem e, ao mesmo tempo, estar constantemente insatisfeitos com o modo como as coisas são feitas. Aí vem o tipo certo de insatisfação, que é um constante questionamento do status quo e a busca de mudanças mais do que incrementais. O tipo errado o leitor já deve conhecer de muitos carnavais: é a insatisfação de quem está sempre achando erros no presente e atribuindo a outros a culpa por eles e a responsabilidade por consertá-los. Os insatisfeitos desenvolvem novas e melhores capacidades.

A sugestão de Westerman para fazer isso são provocações – externas e internas. As externas vêm de palestrantes de eventos, revistas e aplicativos como os da __HSM Management,__ podcasts e assim por diante. Abordam “ameaças que estão muito próximas, mas também apresentam oportunidades e paradigmas novos”, como comentava Westerman. As internas são líderes perguntadores seriais, que desafiam constantemente premissas fáceis sobre “o que o cliente quer”. Exemplos: (1) o cliente quer… um atendimento pessoal, odeia chatbots, ou (2) o cliente não quer ser atendido por uma pessoa. Essas premissas valem mesmo? Se não forem questionadas, podem fazer as pessoas chegarem a soluções que combinam automação e humanos.

No artigo que publicamos, Westerman também sugere mecanismos para empoderar os insatisfeitos, como a linha direta de comunicação com líderes, hackatons internos, concursos de inovação etc.

Por fim, ele dava um exemplo indiano: a Asian Paints, maior fabricante de tintas e revestimentos da Índia, que tem uma grande rede de lojas. Segundo Westerman, ela era bem-sucedida, mas seus executivos estavam insatisfeitos – achavam que podiam mais e melhor. Um dia, o diretor de estratégia da empresa explicitou a insatisfação ao questionar o status quo: “Por que fazemos e vendemos pinturas de 13 maneiras diferentes? Só porque estamos em 13 regiões? ”. Os executivos decidiram, então, padronizar os processos nas 13 regiões, contornar a “baixa produtividade de seus então mais de 3 mil vendedores” instalando um call center para receber os pedidos do varejo (de modo que a equipe de vendas pudesse se concentrar em vender de fato). Mais tarde, insatisfeitos com as reclamações em relação a produto feitas por clientes que tinham errado na aplicação, eles criaram um negócio ao estilo Uber para oferecer serviços de pintura de residências. “Foi a insatisfação, e não outra coisa, que levou os gestores seniores a transformar a empresa”, concluiu Westerman.

## O QUE WESTERMAN DIZ HOJE

A ambidestria, prima-irmã do tipo certo de insatifação descrito por Westerman, se dissemina cada vez mais rápido, mas não parece que as empresas já tenham conectado ambidestria à insatisfação dos seus funcionários. Westerman, por sua vez, parece ter agregado ao conceito de insatisfação dos funcionários outro, mais amplo: autonomia para as pessoas irem desenhando e mudando a carreira.

Em artigo deste ano, escrito em conjunto com Thomas Davenport para a MIT Sloan Management Review, ele propõe quatro estratégias à área de recursos humanos para fazer os colaboradores construírem o futuro já transformado digitalmente, em que grande parte do trabalho já esteja entregue às máquinas. E a mais efetiva consiste em estimular os funcionários a desenharem a própria carreira, como tem sido feito em unidades da Unilever a partir de algumas trilhas possíveis. Trata-se de autonomia para cada pessoa poder mudar a si mesma e, assim, mudar a empresa. Guimarães Rosa também previu essa: “O espírito da gente é cavalo que escolhe estrada”.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Pessoas, Cultura organizacional, Gestão de pessoas, Liderança, times e cultura, Liderança, Gestão de Pessoas
23 de julho de 2025
Entre idades, estilos e velocidades, o que parece distância pode virar aprendizado. Quando escuta substitui julgamento e curiosidade toma o lugar da resistência, as gerações não competem - colaboram. É nessa troca sincera que nasce o que importa: respeito, inovação e crescimento mútuo.

Ricardo Pessoa

5 minutos min de leitura
Liderança, Marketing e vendas
22 de julho de 2025
Em um mercado saturado de soluções, o que diferencia é a história que você conta - e vive. Quando marcas e líderes investem em narrativas genuínas, construídas com propósito e coerência, não só geram valor: criam conexões reais. E nesse jogo, reputação vale mais que visibilidade.

Anna Luísa Beserra

5 minutos min de leitura
Tecnologia e inovação
15 de julho 2025
Em tempos de aceleração digital e inteligência artificial, este artigo propõe a literacia histórica como chave estratégica para líderes e organizações: compreender o passado torna-se essencial para interpretar o presente e construir futuros com profundidade, propósito e memória.

Anna Flávia Ribeiro

17 min de leitura
Inovação
15 de julho de 2025
Olhar para um MBA como perda de tempo é um ponto cego que tem gerado bastante eco ultimamente. Precisamos entender que, num mundo complexo, cada estudo constrói nossas perspectivas para os desafios cotidianos.

Frederike Mette e Paulo Robilloti

6 min de leitura
User Experience, UX
Na era da indústria 5.0, priorizar as necessidades das pessoas aos objetivos do negócio ganha ainda mais relevância

GEP Worldwide - Manoella Oliveira

9 min de leitura
Tecnologia e inovação, Empreendedorismo
Esse fio tem a ver com a combinação de ciências e humanidades, que aumenta nossa capacidade de compreender o mundo e de resolver os grandes desafios que ele nos impõe

CESAR - Eduardo Peixoto

6 min de leitura
Inovação
Cinco etapas, passo a passo, ajudam você a conseguir o capital para levar seu sonho adiante

Eline Casasola

4 min de leitura
Transformação Digital, Inteligência artificial e gestão
Foco no resultado na era da IA: agilidade como alavanca para a estratégia do negócio acelerada pelo uso da inteligência artificial.

Rafael Ferrari

12 min de leitura
Negociação
Em tempos de transformação acelerada, onde cenários mudam mais rápido do que as estratégias conseguem acompanhar, a negociação se tornou muito mais do que uma habilidade tática. Negociar, hoje, é um ato de consciência.

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Inclusão
Imagine estar ao lado de fora de uma casa com dezenas de portas, mas todas trancadas. Você tem as chaves certas — seu talento, sua formação, sua vontade de crescer — mas do outro lado, ninguém gira a maçaneta. É assim que muitas pessoas com deficiência se sentem ao tentar acessar o mercado de trabalho.

Carolina Ignarra

4 min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)