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O padrinho de todos os marketplaces

Primeiro, Pierre Omidyar transformou o comércio mundial com a plataforma digital eBay; agora, sua nova transformação é no campo da informação.

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A Omidyar Network, iniciativa filantrópica de Pierre Omidyar, fundador e chairman do eBay, recentemente financiou um estudo brasileiro. Realizado pelo instituto de pesquisa Plano CDE, Aprendendo com os pais e alunos para melhorar a educação no Brasil buscou descobrir o que influencia as escolhas educacionais das classes C, D e E para que a educação possa ser verdadeiramente transformada no País.

Omidyar, com seu ativismo filantrópico, está em sua segunda geração de transformações. Ao criar o protótipo de um site de leilões online em sua página pessoal na internet, em 1995, com 28 anos de idade, esse francês de origem iraniana transformou para sempre o comércio mundial. Foi um hobby, embora ele achasse que o comércio era o motor do desenvolvimento humano. “Foi com o comércio que surgiram as cidades, por exemplo. As pessoas levavam suas coisas a um lugar, faziam negócios e então voltavam para suas casas no campo. E, no fim, isso acontecia tantas vezes que era preciso construir uma muralha em volta desse mercado para protegê-lo”, afirma o empresário em uma entrevista à Academy of Achievement.

Quando seu protótipo começou a funcionar – e as primeiras reclamações chegaram –, Omidyar entendeu como era o motor. Havia um lado humano por trás das transações: os relacionamentos. “Tudo o que eu queria era criar um mercado eficiente no qual os indivíduos pudessem se beneficiar, nivelando o terreno para todos, e a internet era perfeita para isso. Nem percebi essa questão humana.” 

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Como ele acabou percebendo, o eBay foi o primeiro marketplace a entender a necessidade de estabelecer um ambiente humano na internet. “Para realizar uma transação comercial com outra pessoa, você precisa conhecê-la e construir uma relação de confiança, e, para isso, as duas partes têm de se comunicar. É aí que a questão humana se torna a mais importante.”

Uma forma de o eBay abordar o problema foi a criação de fóruns de feedback, copiados por virtualmente todas as plataformas que vieram depois – essa é a base dos relacionamentos promovidos por Mercado Livre, OLX, Uber e Airbnb, por exemplo.

De início, a avaliação mútua de vendedores e compradores e os comentários nos fóruns eram suficientes para regular as transações, porque pontuações baixas determinavam se o vendedor permanecia ou não na plataforma. Porém, com o crescimento do negócio, algumas regras foram impostas, não só para descomplicar as relações, mas também por consciência: armas de fogo, por exemplo, foram proibidas – pelos dois motivos. Além de a regulamentação ser muito diferente em cada um dos 50 estados norte-americanos, não haveria armas compradas ali ferindo alguém. Outra questão que surgiu dizia respeito a produtos voltados para o público adulto. A comunidade foi consultada e votou a favor da permanência, mas o eBay os separou em uma área à qual menores de idade não têm acesso (menores, de qualquer modo, não podem realizar transações pelo eBay).

Hoje, 99,99% das transações acontecem sem que alguém reporte fraude – são apenas 30 casos problemáticos em cada 1 milhão de transações. “Abri o negócio tendo fé na humanidade e agora temos provas estatísticas disso! É inacreditável, mas esse índice permaneceu igual desde que começamos a medi-lo, em janeiro de 1998. Mesmo com a explosão no número absoluto de transações, a relação permaneceu.”

**CRESCIMENTO VERTIGINOSO**

“Explosão” talvez seja o termo mais apropriado para descrever a evolução do eBay. Uma lenda em torno da fundação da empresa dizia que Omidyar abriu o eBay para que sua esposa pudesse comprar dispensers da bala Pez para sua coleção pessoal. Porta-vozes da companhia já afirmaram que a história foi romanceada. Mas o fato é que, seis meses depois de começar, o eBay já pagava seus custos, mesmo com Omidyar ainda o tocando em paralelo com o trabalho como programador na General Magic, empresa que desenvolvia precursores do assistentes digitais pessoais (PDAs). Nove meses mais tarde, o faturamento do eBay era maior do que seu salário e então ele se deu conta de que precisava se dedicar em tempo integral.

O crescimento nos dois primeiros anos foi de 20% a 30% ao mês – algo que Omidyar jamais poderia prever. “Ninguém em sã consciência crê que um crescimento assim dure muito. Mas os meses se passavam e continuávamos expandindo 30% ao mês”, explica na entrevista. Os percalços foram surpreendentemente poucos. O primeiro deles aconteceu em 1999, quando os sistemas da empresa caíram por 22 horas. “Acho que uma falha dessa magnitude é realmente importante e fico feliz de que tenhamos enfrentado isso tão cedo, porque Meg [Whitman, CEO de 1998 a 2008] realmente acordou e aprendemos muito. É o que dizem: ‘O que não mata engorda’.”

“Sei que o trabalho de um empreendedor típico é muito mais difícil do que o meu com o eBay, porque antes de fundá-lo eu tive outra empresa. Quando fomos levantar investimentos, em vez de convencer as pessoas a investir no eBay, tivemos de dizer para pararem de bater a nossa porta. Fizemos nossa escolha e encontramos um parceiro estratégico, então pegamos seu dinheiro, colocamos no banco e nunca tiramos dali”, conta. 

**PAIXÃO QUE MOVE**

O senso de oportunidade talvez explique parte do sucesso do eBay e de seu fundador, mas, para Omidyar, a resposta está na paixão por resolver problemas, algo que sempre o moveu. A pessoa que aprendeu a mexer em computadores na infância e depois a programar, cursando ciência da computação em uma universidade de ponta, só buscava o que gostava de fazer: criar um software que pudesse beneficiar e impactar pessoas. Assim como para a maioria dos que trabalham com software, era mais uma paixão do que trabalho. “Não é trabalho quando a gente está se divertindo.”

Além de resolver os problemas em si, o que motiva Omidyar é acreditar que pode fazer isso de um jeito novo. “Há certo orgulho em fazer algo totalmente novo, e eu me sinto especialmente inspirado por problemas difíceis de resolver, tão difíceis que ninguém se dedica a eles. Com o eBay, a ideia era ajudar as pessoas a fazer negócios entre si na internet. Em 1995, elas achavam isso impossível. Como confiariam umas nas outras? Como se conheceriam? Para mim, era uma preocupação boba, porque os indivíduos geralmente são bons, honestos. Então, essa percepção da solução impossível era muito motivadora.”

Para Omidyar, a maneira como o eBay resolve os problemas não é o caminho definitivo. “Não gosto de dizer que o eBay, ou mesmo a internet, é a forma como todos os negócios serão feitos, com tudo tornando-se comércio eletrônico – de modo algum. Você ainda vai querer ir à loja, socializar ali. Há definitivamente um valor e uma realidade na experiência do mundo real.”

O que o eBay fez foi criar um mercado que não existia, explica o empresário. Começou como um mercado mundial para o tipo de bem que geralmente era comercializado em mercados de pulgas e vendas de garagem; depois, incorporou computadores e outros eletrônicos; mais tarde, passou a comercializar praticamente todas as categorias de produtos, “exceto livros e música, porque há outra companhia que é especialmente boa nisso”, brinca, referindo-se à Amazon, de Jeff Bezos. Depois de tudo o que conquistou com a internet, Omidyar continua apaixonado. Agora ele se entusiasma com o futuro que pode ser criado pelos nativos digitais. “Sou muito velho já; cresci em um ambiente que criava aplicativos que pudessem resolver os problemas das pessoas e mudar o mundo. Agora as crianças estão crescendo e indo para a força de trabalho tendo à disposição um meio de comunicação global que é interativo e em torno do qual todos podem se reunir. Fico entusiasmado de pensar em que tipos de ideias vão surgir, coisas que o mundo jamais viu.”

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**EVOLUÇÃO**

O propósito de Omidyar de resolver problemas tomou outra forma. Depois de deixar a direção executiva do eBay, ele se tornou, ao lado de Bill Gates e Warren Buffett, um dos maiores filantropos dos Estados Unidos. Em 2005, criou a The Omidyar Foundation, voltada principalmente para a promoção da transparência e da liberdade de expressão. 

Ele financiou, por exemplo, os Panama Papers e, em abril passado, anunciou no Skoll World Forum, em Oxford, Estados Unidos, a doação de US$ 100 milhões em apoio ao jornalismo investigativo e no combate às fake news. O bilionário, engajado em causas sociais, pretendia doar os primeiros US$ 4,5 milhões ao International Consortium of Investigative Journalism.

A Omidyar Network precedeu a fundação, em 2004, e já doou mais de US$ 1 bilhão a projetos sociais, como a pesquisa brasileira citada no início do texto e especialmente os ligados a transparência e informação. Apoia criadores de tecnologias que impactam a vida de comunidades carentes, como o aplicativo Ushahidi, para comunicação em situações de emergência. (O Ushahidi permite gerar mapas com base em dados enviados por usuários de celular.)

Em 2013, o fundador do eBay também criou a First Look Media, startup de mídia que tem por objetivo defender a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Ele até cofinanciou a produção do filme Spotlight, que venceu o Oscar de 2015 ao mostrar os bastidores de uma reportagem do jornal Boston Globe sobre abusos sexuais cometidos por padres.

O bilionário e sua esposa, Pamela, planejam doar 99% de sua fortuna dentro de 20 anos. 

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