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O PowerPoint na era do storytelling

Desde 2004 as apresentações em PowerPoint foram banidas da Amazon e já há empresas seguindo a receita de Jeff Bezos. Mas será que precisamos ser tão radicais? Anos de consultoria e experiência em sala de aula me dizem que não, desde que estejamos atentos a essas cinco lições
Bruno Scartozzoni é consultor e professor especialista em storytelling. Formado em administração pública e pós- -graduado em administração e marketing pela FGV EAESP, Bruno é e cofundador da StoryTalks, empresa especializada em treinamentos para falar em público.

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Você tem uma apresentação para fazer. Um relatório que precisa ser explicado para o board da empresa, um novo projeto a ser dividido com sua equipe ou uma palestra que será feita para mil pessoas. Então, frente a um desses desafios, você abre o PowerPoint (ou Keynote, se tiver um Mac) e fica olhando para aquele grande retângulo branco enquanto se pergunta “por onde eu começo”?

Como diz meu amigo e sócio Paulo Ferreira, começar uma apresentação pelo PowerPoint é o equivalente a começar a construção de uma casa pelas ferramentas, esquecendo-se do projeto arquitetônico, do plano de obras etc. O fato é que o PowerPoint é uma ferramenta incrível, que facilitou bastante nossas vidas na árdua missão de apresentar e vender ideias. Mas, de certa forma, se ficamos presos à ferramenta, nos esquecemos de algo muito mais importante e que deveria vir antes dela: a narrativa.

Jeff Bezos, o famoso CEO da Amazon, parece ter consciência disso, tanto que data de 2004 seu primeiro e-mail banindo o PowerPoint de reuniões em sua empresa. Posição reforçada recentemente em 2018, em uma carta para acionistas. No lugar do PowerPoint os funcionários da Amazon devem escrever memorandos entre quatro e seis páginas explicando seu ponto, de modo estruturado, com começo, meio e fim. Ele deixa claro que os memorandos devem conter parágrafos, verbos, substantivos etc. A ideia por trás desse formato é que ele força as pessoas a priorizarem as informações que importam e facilita a estrutura de argumentação, de maneira que seja mais próxima de uma conversa normal ou de um discurso. Ninguém contando histórias no bar para amigos, ou falando em um palanque, comunica-se por bullet points, não é mesmo?

Há relatos de outras empresas que, nos últimos anos, vêm tentando adotar modelos semelhantes. Mas, sejamos honestos, isso soa muito radical para a maioria das organizações. E tampouco defendo que alguém desista do PowerPoint, até porque eu mesmo ainda o adoto. O ponto é que as organizações terão muito a ganhar se passarem a usá-lo do jeito certo.

Recentemente desenvolvi um trabalho para uma empresa que faria uma convenção de vendas. Nossa missão era treinar, em forma e conteúdo, alguns executivos que dariam palestras naquele evento. Chegando à primeira reunião um assistente logo me puxa num canto, abre seu notebook e mostra alguns slides que já tinham sido feitos por uma empresa especializada: “E então? Você acha que a apresentação do meu chefe está boa? Precisa mudar algo?”

Slides bonitos e bem-feitos são um recurso que deve ser usado sempre quando possível, mas será que uma apresentação deve começar por aí? Provoquei o assistente com essa pergunta e, no fim daquele dia, já estava claro para todos os executivos que suas apresentações deveriam ter sido pensadas antes e transformadas em PowerPoint depois. Muitos deles inclusive tiveram que pedir para que os slides fossem refeitos, afinal, as ideias que surgiram a quatro mãos, sem que tivéssemos aquele retângulo branco nas nossas frentes, se mostraram muito mais criativas e eficientes dentro dos objetivos que eles tinham. No final a convenção foi um sucesso.

A verdade é que todo mundo deveria começar sua apresentação pela história que quer contar, e não preenchendo slides. Discursos, assim como os memorandos da Amazon, tem sujeitos e predicados, verbos, substantivos e adjetivos, uma estrutura completa. Em outras palavras, as ideias tendem a se desencadear de uma forma muito mais fluida desse jeito.

Outro aspecto importante é que pensar no discurso implica definir aonde queremos chegar com ele. Queremos convencer quem a fazer o quê? A partir daí, com quais ideias, fatos, dados, imagens e curiosidades vamos chegar a esse objetivo mais facilmente? Vamos pegar o exemplo da apresentação de um relatório. Quando alguém discursa sem saber aonde quer chegar, as informações são estruturadas em uma sequência em que cada pessoa vai extrair o que lhe for interessante. É muito melhor, e mais eficiente, conduzir sua plateia por esse mar de informações. Sem fazer isso de forma consciente a plateia pode chegar a um lugar não desejado pelo apresentador.

Muitos anos atrás, eu atendia a uma grande marca envolvida numa história curiosa. Uma consultoria havia sido contratada para resolver um problema e, depois de meses de trabalho, um consultor finalmente foi apresentar suas conclusões para o CEO. Logo no começo este faz uma pergunta: “Quantos slides tem isso aí?”. Não lembro o número exato, mas passava dos cem. Então o CEO informa que só gostaria de ver oito slides e pede para que ele faça o ajuste. Horas depois, o consultor retorna para a sala, recomeça a apresentação e o CEO o interrompe de novo: “E agora, quantos slides tem?”. Nessa nova versão havia vinte slides. Então, o CEO sai da sala e informa que só volta quando de fato houver oito.

Esse caso é icônico porque revela dois erros e, portanto, duas lições valiosas. A primeira delas tem relação com nossa mania de tentar colocar tudo o que for possível dentro de uma apresentação. Todo o nosso conhecimento sobre um assunto, todas as descobertas de um estudo, todo o portfólio que uma empresa tem a oferecer. E, paradoxalmente, há a percepção de que as pessoas querem assistir a apresentações cada vez mais curtas. Como resolver isso?

O fato é que raramente uma apresentação vai esgotar um assunto no tempo dado. Eu, que ministro cursos e aulas sobre storytelling há quase uma década, no início dessa carreira tentava comprimir todo o meu conhecimento sobre o tema dentro das horas disponíveis. Fatalmente estourava o tempo, e eu me via obrigado a segurar os alunos na sala, muitas vezes gerando a percepção de que uma parte tinha sido ensinada às pressas ou de que faltava algo. 

Com o tempo fui entendendo que “menos é mais”. Hoje, comparativamente, apresento menos conceitos e exemplos. Porém, faço isso de forma mais profunda, com mais tempo de respiro e reflexão. Se alguém perguntar ou mostrar interesse sobre um ponto que não está lá, aproveito para abordá-lo. O resultado é que hoje sou muito mais bem avaliado como professor, da mesma forma que, usando o poder da edição, você pode ser melhor avaliado como apresentador.

Edição aqui é a palavra-chave. Quando fazemos escolhas mais conscientes sobre quais informações queremos usar para levar o público até a conclusão desejada (em vez de despejar um monte de coisas), não só tornamos o trabalho da apresentação mais fácil, como também facilitamos a vida de quem está escutando. Mas é claro que sempre poderá haver a pessoa que pergunta sobre aquele ponto que você decidiu tirar. Para esses casos sempre existe a possibilidade de colocar alguns slides extras no final, de entregar um relatório impresso para consulta à parte, de enviar um complemento por e-mail ou de simplesmente explicar depois.

O segundo erro está relacionado com a falsa percepção de que mais slides significam, automaticamente, mais tempo. Quando alguém determina um número máximo de slides, no caso oito, a tendência natural não é encurtar a narrativa, e sim entulhar todas as informações que couberem naquele curto espaço. No final, temos como resultado uma apresentação que demora o mesmo tempo, mas com slides superpoluídos. Você está falando do primeiro dado e seu público já está lendo o segundo, o terceiro e o quarto. Por isso é bastante importante que, na medida do possível, a gente se atenha a uma informação por slide. Apenas uma frase, um número, um gráfico. Dessa forma, o slide funciona somente como uma ilustração do que o apresentador está falando, e não compete com ele pela atenção do público.

Por fim, a última lição passa pela estrutura da apresentação. Quando precisamos contar uma história normalmente pensamos em uma sequência de eventos cronológicos: começo, meio e fim. Em apresentações, é mais eficiente pensarmos de outra forma: abertura, desenvolvimento e conclusão.

Façamos um paralelo com o entretenimento. Quantas vezes você já não desistiu de uma série de TV porque os primeiros episódios eram chatos? Quantas vezes sua experiência com filmes mais ou menos foram salvas por um final surpreendente? O começo de uma história pode convencer muita gente a prestar atenção e o final pode reverter a sensação de chatice. Por isso, a dica é sempre procurar uma introdução impactante e uma conclusão surpreendente para sua apresentação. Ainda que o desenvolvimento seja um pouco mais sem graça, as duas extremidades de um discurso podem fazer toda a diferença.

Agora reparem que este artigo poderia ser a estrutura de uma apresentação sobre fazer apresentações. A partir daqui eu poderia abrir meu PowerPoint e inserir dados, números, imagens que ajudassem a ilustrar esse discurso. Poderia, inclusive, fazer uma lista com as cinco lições aprendidas. Uma em cada slide, claro. 

1- Narrativa antes dos slides

2- Para qual conclusão você quer levar seu público?

3- Uma boa edição conduz o público

4- Uma informação por slide

5- Abertura, desenvolvimento,  conclusão

Ainda assim, minha apresentação não seria o PowerPoint, e sim a narrativa que acabei de construir. O apresentador é o veículo da mensagem, os slides são mero apoio visual. E, se a gente for pensar bem, nem sempre eles são necessários

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