TBT HSM Management

Os neuromitos das organizações

Programas de T&D corporativo se apoiavam em ideias erradas, afirma artigo de 2015
Adriana Salles Gomes é diretora-editorial de HSM Management.

Compartilhar:

Aprendizado é o nome do jogo profissional. Talvez alguns gestores só internalizem isso para valer lá por 2030, mas, quanto antes, melhor. É para aumentar a capacidade de aprender que a neurociência tem ocupado tantas páginas de revistas e livros, e tantas falas de webinars e podcasts.

Aprendizado já era o nome do jogo em 2015, quando HSM Management publicou, em sua edição 112-eXtra, um artigo insolente de três consultores da McKinsey. O texto derrubou o que eles chamaram de “neuromitos do aprendizado” – premissas sobre o funcionamento cerebral muito fortes nas áreas de treinamento e desenvolvimento (T&D) das empresas, nas universidades corporativas e nos programas executivos em geral.

Os autores falaram com conhecimento de causa: dos três, dois são médicos com doutorado em neurociência – Artin Atabaki, que atuava na McKinsey de Stuttgart, Alemanha, tem PhD em neurociência cognitiva pela Universität Tübingen, e Julia Sperling, então no escritório de Dubai, Emirados Árabes, tem PhD pelo Max Planck Institute, referência mundial em pesquisas do cérebro. Stacey Dietsch, a outra autora, era diretora da McKinsey em Washington, EUA.

## O que eles diziam em 2015
O artigo afirmava que três neuromitos dominam a área de treinamento e desenvolvimento: (1) após um período crítico da infância, não há esperança de termos aprendizado significativo, (2) metade de nosso cérebro está inativa e (3) só somos capazes de aprender apropriadamente em nosso estilo de aprendizado preferido. De acordo com os autores, nenhum desses mitos corresponde à verdade. Em relação ao primeiro, já há pesquisas neurocientíficas suficientes sobre a “neuroplasticidade”, que ocorre durante toda a vida. Trata-se da alteração tanto da estrutura física do cérebro como de sua organização funcional. O mindfulness – técnica meditativa que busca promover a atenção plena e a saúde – seria uma das melhores maneiras de produzir mudanças estruturais no cérebro.

O segundo mito, do espaço cerebral ocioso, também é uma inverdade. Escaneamentos feitos com aparelhos de ressonância magnética mostram que não importa o que a pessoa esteja fazendo, todo o seu cérebro está ativo o tempo todo – algumas áreas mais que outras talvez, dependendo da tarefa. Então, o desenvolvimento de novas ideias e habilidades não emprega uma parte não usada do cérebro; as ideias vão formando e sendo formadas por conexões novas ou mais fortes entre os neurônios. O alerta que os autores faziam é que ser multitarefas exige grandes partes da memória operacional do cérebro e, assim, aprender e fazer mais atividades ao mesmo tempo é algo que não costuma ter sucesso.

O terceiro mito, do estilo de aprendizado, teria a ver com a teoria de que as pessoas são predominantemente analíticas (guiadas mais pelo lado esquerdo do cérebro) ou criativas (lado direito). Conforme o artigo, os hemisférios do cérebro estão conectados e se comunicam intensamente. (O best-seller de Daniel Pink, O cérebro do futuro, vai nessa linha, por exemplo, assim como a classificação de adaptadores, assimiladores, divergentes e convergentes como os quatro estilos de aprendizagem, de David Kolb. Até Peter Drucker dizia que as pessoas são mais leitoras ou mais ouvintes e devem aproveitar essa predisposição na hora de aprender.)

Qual a recomendação dos autores? Apelar para tudo a fim de reter novo conteúdo – para todos os nossos sentidos e de modos variados. Exemplo: ter aula com experiência audiovisual e tátil. O artigo terminava convidando as companhias a se basearem em conhecimento científico novo e a repensar seus programas de treinamento.

## O que dizemos hoje
Os gestores de T&D não se aproximaram da comunidade científica para entender melhor o aprendizado. O mindfulness é muito mais comum hoje do que era em 2015, é verdade, mas a maioria dos gestores o vê como atividade de relaxamento e engajamento, nada além. E o incrível é que concentrar-se na respiração já basta para ajudar a construir massa cinzenta em partes do cérebro mais associadas ao aprendizado e à memória, ao controle das emoções e à compaixão. Oito semanas de meditação mindfulness já podem surtir efeito sobre a estrutura cerebral.
Quanto às multitarefas, essa ideia continua à toda – quando se fala em aprendizado on the job, por exemplo. São duas atividades juntas – trabalhar e aprender. Pode-se aprender fazendo, mas um período de reflexão imersiva para consolidar o aprendizado é necessário.

E o estilo de aprendizado? Bem, personalizar é preocupação crescente da área, o que talvez faça com que as empresas não usem distintos estímulos com as pessoas, respeitando apenas ao que é da sua preferência. Isso está longe de ser o ideal.
Especificamente Julia Sperling (que agora assina Sperling-Magro), ainda na McKinsey, tem pregado o “corporate nudging”. Trata-se de usar ferramentas da economia comportamental (cuja referência é o prêmio Nobel Richard Thaler) para impulsionar a mudança de condutas – jeitos diferentes de incentivar, educar e conscientizar. Poucas empresas têm departamentos de nudging, sobretudo no Brasil, e, quando o têm, usam mais em marketing do que em T&D ou recursos humanos. Esses departamentos as aproximam da ciência, porque incluem cientistas comportamentais, psicólogos, pessoal de analytics etc. Sperling rebatiza os times de T&D como L&D – aprendizado (learning) e desenvolvimento, em inglês.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Inteligência Artificial, Liderança
20 de novembro de 2025
Na era da inteligência artificial, a verdadeira transformação digital começa pela cultura: liderar com consciência é o novo imperativo para empresas que querem unir tecnologia, propósito e humanidade.

Valéria Oliveira - Especialista em desenvolvimento de líderes e gestão da cultura

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
19 de novembro de 2025
Construir uma cultura organizacional autêntica é papel estratégico do RH, que deve traduzir propósito em práticas reais, alinhadas à estratégia e vividas no dia a dia por líderes e equipes.

Rennan Vilar - Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional

3 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
18 de novembro de 2025
Com agilidade, baixo risco e cofinanciamento não reembolsável, a Embrapii transforma desafios tecnológicos em inovação real, conectando empresas à ciência de ponta e impulsionando a nova economia industrial brasileira.

Eline Casasola - CEO da Atitude Inovação, Atitude Collab e sócia da Hub89 empresas

4 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
17 de novembro de 2025
A cultura de cocriação só se consolida quando líderes desapegam do comando-controle e constroem ambientes de confiança, autonomia e valorização da experiência - especialmente do talento sênior.

Juliana Ramalho - CEO da Talento Sênior

4 minutos min de leitura
Liderança
14 de novembro de 2025
Como dividir dúvidas, receios e decisões no topo?

Rubens Pimentel - CEO da Trajeto Desenvolvimento Empresarial

2 minutos min de leitura
Sustentabilidade
13 de novembro de 2025
O protagonismo feminino se consolidou no movimento com a Carta das Mulheres para a COP30

Luiza Helena Trajano e Fabiana Peroni

5 min de leitura
ESG, Liderança
13 de novembro de 2025
Saiba o que há em comum entre o desengajamento de 79% da força de trabalho e um evento como a COP30

Viviane Mansi - Conselheira de empresas, mentora e professora

3 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
12 de novembro de 2025
Modernizar o prazo de validade com o conceito de “best before” é mais do que uma mudança técnica - é um avanço cultural que conecta o Brasil às práticas globais de consumo consciente, combate ao desperdício e construção de uma economia verde.

Lucas Infante - CEO da Food To Save

3 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, ESG
11 de novembro de 2025
Com a COP30, o turismo sustentável se consolida como vetor estratégico para o Brasil, unindo tecnologia, impacto social e preservação ambiental em uma nova era de desenvolvimento consciente.

André Veneziani - Vice-Presidente Comercial Brasil & América Latina da C-MORE Sustainability

3 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
10 de novembro de 2025
A arquitetura de software deixou de ser apenas técnica: hoje, ela é peça-chave para transformar estratégia em inovação real, conectando visão de negócio à entrega de valor com consistência, escalabilidade e impacto.

Diego Souza - Principal Technical Manager no CESAR, Dayvison Chaves - Gerente do Ambiente de Arquitetura e Inovação e Diego Ivo - Gerente Executivo do Hub de Inovação, ambos do BNB

8 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança