Uncategorized

OS VENTOS DA MUDANÇA SOPRAM NO VALE

IMPACTADAS PELAS TRANSFORMAÇÕES INDUSTRIAIS E SOCIAIS EM CURSO, AS EMPRESAS DO VALE DO SILÍCIO, NA CALIFÓRNIA, RESPONDEM COM A RENOVAÇÃO DE SEUS MODELOS GERENCIAIS E COM NOVAS SOLUÇÕES TECNOLÓGICAS PARA ATACAR OS GRANDES PROBLEMAS DA HUMANIDADE

Compartilhar:

Sempre venta forte nos arredores da ponte Golden Gate, que liga San Francisco a Oakland, na Califórnia, Estados Unidos. Os poetas diriam que é o vento da mudança. Mas, como a poesia maior do Vale do Silício é a inovação tecnológica, os empreendedores geeks fazem mudanças todos os dias. 

Só que, dessa vez, parece haver uma mudança maior em curso. É uma resposta à queixa que o _Wall Street Journal_ fez, em 2013, sobre a região estar se burocratizando com suas gigantescas empresas. No entanto, é uma resposta principalmente à quarta revolução industrial – alimentada pela soma de várias tecnologias digitais, como a inteligência artificial, o blockchain e a internet das coisas – e às transformações sociais que o mundo e a própria região vêm experimentando. 

De uns anos para cá, San Francisco não é mais a mesma. Os jovens que trabalham nos pequenos municípios do Vale quiseram ser moradores de cidade grande e o resultado foi um trânsito que não faz inveja a ninguém – nem a São Paulo. Pessoas sem-teto são vistas com frequência e andam tão revoltadas que a orientação local é evitar contato visual com elas. 

Essas situações novas e constrangedoras aumentaram a empatia da população do Vale com a parte do planeta que sofre a desigualdade e, assim, o respeito à diversidade tornou-se uma causa real, mais do que algo conveniente para a inovação. 

Quanto à quarta revolução industrial, o Vale entendeu que ela vai prevalecer, como foi com a prensa de Gutenberg, e já a está liderando em soluções tecnológicas, mas de um modo que precisa ser “humanizado”. Isso foi percebido rapidamente porque, como resumiu o CEO da empresa de elevadores inteligentes Kone, Henrik Ehrnrooth, no evento Dreamforce 2017, a quarta revolução industrial tem uma diferença em relação às três anteriores: não impactará só trabalhadores de colarinho azul; os de colarinho branco a sentirão. 

A Ásia vem sendo fortemente impactada pela quarta revolução industrial e suas empresas estão passando a usar as novas tecnologias com uma rapidez impressionante, como relatou Ehrnrooth, que passa muito tempo lá. Mas o Vale está sendo impactado pelas duas transformações, a industrial e a social. **HSM Management** passou dez dias na Bay Area no último bimestre do ano passado para entender como a região que mais influencia a economia e os negócios na Terra responde a esses impactos e compartilha alguns insights. 

**O “EVENTO DOS SONHOS”**

Junte os diferentes players de um setor em um mesmo lugar e você só terá uma síntese do que está acontecendo ali. É isso que o evento Dreamforce proporciona todos os anos, ao reunir 170 mil visitantes nas várias unidades do Moscone Center, funcionando como um anemômetro, o aparelho que mede a velocidade do vento, para a ventania que varre o ecossistema do Vale. A convite da Salesforce, **HSM Management** cobriu o Dreamforce 2017 e rapidamente entendeu o tom da mudança com Marc Benioff, CEO e cofundador da Salesforce: a empresa desenvolveu uma nova geração de tecnologias para habilitar os clientes, sua razão de ser, a atuar como “trailblazers”, que são desbravadores do futuro, em tradução livre. Contudo, essas tecnologias têm de ser usadas, direta e indiretamente, para melhorar o futuro, tornando o mundo mais inclusivo. 

Circulando entre o público, Benioff contou que as aplicações de sua plataforma de CRM ficaram customizáveis pelos clientes, como se estes escrevessem os apps. Por exemplo, a inteligência artificial Einstein, que desde o fim de 2016 funcionava como um cientista de dados embutido, tornou-se o MyEinstein, e cada empresa agora pode privilegiar os dados que mais lhe interessam para prever o comportamento dos consumidores e receber, automaticamente, recomendações de iniciativas a tomar. O mecanismo de internet das coisas, com o qual os dados captados dos consumidores entram diretamente na plataforma, virou o MyIoT. O e-learning passou a ser o MyTrailhead, permitindo que cada empresa treine seus funcionários, emqualquer assunto, a seu modo, com gamificação e com quantas trilhas quiser. 

Não é difícil entender por que essa sofisticação tecnológica é uma valiosa ajuda para a Salesforce alcançar seu principal objetivo, que é a retenção dos clientes – dos pequenos aos poderosos, como Adidas e a brasileira Embraer. Mas ela também cumpre o objetivo da humanização, ao tirar complexidade do trabalho e liberar o tempo e a energia das pessoas para o que realmente importa. 

Por isso, Benioff e a maioria das 2,7 mil palestras do evento ficaram lembrando o que realmente importa, como a espiritualidade (com rituais e música havaianos – sua empresa é “ohana”, família na língua ancestral havaiana), a igualdade de oportunidades para os diferentes (que pode ser promovida pela educação, como faz o rapper will.i.am com cursos a jovens de comunidades menos favorecidas e a ajuda da tecnologia), a proteção aos vulneráveis (como faz o ator Ashton Kutcher com sua ONG Thorn, que, entre outras coisas, identifica pedófilos na internet, com a ajuda da tecnologia, e avisa a polícia), diversão e arte. O evento terminou com show de Alicia Keys e Lenny Kravitz no estádio do time de beisebol San Francisco 49ers. 

Todos os anos, o Dreamforce prima por misturar artistas, pessoas de negócios e Marc Benioff. Ele integra os dois times. Sua narrativa, radical e traduzida em ações, é o que explica sua fama – mesmo sem ele ter uma companhia B2C e pop como a Apple e sem prometer nos levar a Marte, como Elon Musk. Benioff simboliza o novo Vale do Silício, capaz de usar a tecnologia para melhorar o mundo – e de ganhar muito dinheiro com isso sem se envergonhar de fazê-lo. Sua previsão é alcançar, em 2022, uma receita de US$ 18 bilhões e ver seu ecossistema movimentando US$ 859 bilhões ( US$ 27 bilhões no Brasil, de acordo com o diretor de marketing para a América Latina, Daniel Hoe, com geração de 195 mil empregos). 

Quase 20 anos atrás, Benioff deixava uma organização tida como “desumana”, a Oracle, para fazer uma startup diferente: a Salesforce nasceu com o Modelo 1:1:1, segundo o qual doa a causas sociais 1% do tempo dos funcionários, 1% da receita de seus produtos e 1% do próprio capital. Já conseguiu que mais de 3 mil empresas adotassem o mesmo compromisso. 

**DIVERSIDADE POLÊMICA**

O grafite de super-heróis da Draper University tem mulheres e negros. Mesmo que, no topo da escada, vejamos o escudo do “homem branco” Capitão América, a diversidade é respeitada. No entanto, há críticos, como Michael Moritz, sócio do fundo de venture capital Sequoia. Ele reclamou no Financial Times que, enquanto a Califórnia passa o tempo debatendo a desigualdade, a China trabalha. 

Por maior que seja o risco, é difícil imaginar retrocesso na tendência. O discurso da equidade de gêneros é visto tanto na gerente do coworking Hanahaus (que pertence à companhia alemã SAP), a espanhola Anna Licea, como na ex-primeiradama dos Estados Unidos Michelle Obama, uma das mais aplaudidas no Dreamforce 2017. A diversidade é ativamente praticada em uma empresa de US$ 10,4 bilhões de receita anual como a Salesforce, onde a vice-presidência mundial da nevrálgica área de customer service é ocupada por uma mulher, a porto-riquenha Maria Martinez, e onde a plataforma de e-learning dos clientes é aberta a qualquer pessoa que queira se qualificar para conseguir um emprego melhor, como conta a VP do Trailhead, Kris Lande. Também é praticada por investidores como Tim Draper, que apoia com naturalidade o empreendedor de 19 anos Ashutosh Sharma, das Ilhas Fiji – este tem um e-commerce na Ásia, o SellMyGood, e fez um ICO (oferta inicial em criptomoeda) para captar investidores. 

E, além de capital de sobra, há duas razões extras para o Vale não recuar: o público quer respeito à diversidade (o que o design thinking da d.School ensina é pôr-se no lugar do público) e a cultura do Vale sempre foi de desapego ao dinheiro, tanto que a icônica garagem da HP, onde tudo começou, e a casa de Steve Jobs têm moradores, apesar de tombadas. 

**OS PROBLEMAS A RESOLVER**

Não se sabe quem puxou o assunto primeiro, mas foi a Singularity University que deu tração à ideia de que resolver os grandes problemas mundiais com inovação tecnológica é um bom negócio para as empresas. (Mais ou menos como C.K. Prahalad fez com o atendimento à base da pirâmide socioeconômica em 2004.) O foco nos problemas mundiais rapidamente virou uma cultura no Vale; só se fala nisso ali, tanto em organizações do tipo Tesla, que quer disseminar a energia de fontes renováveis no planeta, como em startups – a seleção feita por aceleradoras, investidores e profissionais talentosos leva a isso. Por exemplo, a Plug & Play, uma das maiores aceleradoras do mundo, com 200 startups no portfólio, tem privilegiado o investimento em fintechs, empresas que tentam facilitar o acesso da população de baixa renda às finanças formais (a fim de melhorarem de vida) por meio da tecnologia. Então, entre os 5 mil candidatos anuais a um programa de aceleração na Plug & Play, sempre têm mais chance os que querem fechar o gap – e olhe que a Plug & Play nem alardeia responsabilidade social. 

A BioIndie, maior aceleradora de biotecnologia em estágio seed, explicita seu compromisso com grandes problemas mundiais. Entre as startups militantes que abriga nas vizinhanças da Berkeley University está a cada vez mais conhecida Memphis Meats [veja quadro na página ao lado]. O problema mundial não é livrar os veganos da proteína animal ou salvar as vaquinhas, embora isso seja uma consequência; o que se quer é tornar a tão fundamental proteína acessível a uma população muito maior (porque planta é mais barata que animal) e reduzir os impactos no meio ambiente, em consumo de água e em emissão de gases de efeito estufa, “pecados” que costumam ser imputados à pecuária tradicional. Ryan Bethencourt, cofundador da IndieBio, desta ca outras startups que estão fazendo esse “biohacking”, como a New Wave Foods, que faz uma proteína tão nutritiva e saborosa quanto frutos do mar a partir de algas e plantas; a Endura Bio, desenvolvedora de plantas que podem ser regadas com água salgada em vez de doce; a Sugarlogix, cujos açúcares aumentam a imunidade das pessoas ou as curam de males como inflamações sem que o sabor piore; a BioNascent, que aproxima o leite de fórmula do leite materno em termos nutricionais; a Jungla, que usa machine learning e mapas de funções proteicas para previsões precisas da ocorrência de doenças como câncer no genoma de uma pessoa, e a Venomyx, criadora do soro antiofídico do século 21. “Só apoiamos startups extremamente ambiciosas”, diz Bethencourt. Ron Shigeta, o outro cientista que fundou a BioIndie, mostrou o simplicíssimo laboratório em que eles trabalham, destacando que grandes avanços têm de ocorrer em ciclos muito curtos, de dois ou três meses, e que a maioria usa matéria-prima barata e acessível – “compramos os ingredientes no supermercado”. 

**O MODELO DE GESTÃO A ADOTAR**

Sempre que defendem causas, empresas são questionadas, com razão, sobre não aplicarem os mesmos bons princípios com funcionários, clientes, fornecedores e concorrentes. A geração desafiada pela indústria 4.0 no Vale se mostra, em geral, muito preocupada com o modelo gerencial. Não é só a Salesforce, que criou o conceito de sucesso do cliente e se preocupa com a formação de um ecossistema de negócios que inclua parcerias com empresas rivais. Muitas organizações se dedicam a melhorar e diferenciar continuamente o modelo, até porque a disputa por talentos no Vale é acirrada: um jovem pode sair da faculdade já ganhando entre US$ 120 mil e US$ 150 mil por ano; alguém com dez anos de experiência não custa menos de US$ 500 mil anuais para as empresas, e a rotatividade é alta. 

O modelo do Google segue como uma referência – por incentivar os funcionários a intraempreender seus sonhos e por cuidar tanto da experiência de usuário (UX) deles. No entanto, os críticos dizem que só funciona para o Google, “que tem dinheiro para jogar fora”. Com o Facebook, acontece o mesmo; é descrito como um Google desorganizado. Já a Netflix seria um Google racional. Na empresa de streaming de filmes, os colaboradores têm total autonomia – trabalham em equipes pequenas sem chefe e devem satisfação uns aos outros –, mas sabem que precisam entregar performance alta e com rapidez, ou estarão fora. Isso tem um tradeoff, e bons modelos em geral têm tradeoffs: a Netflix não forma jovens; concentra-se nos profissionais experientes. Um terceiro modelo é o das startups e se chama coworking – os coworkings estão em toda parte. 

**FAROL PARA OUTROS PAÍSES**

O Vale não virou 100% do avesso. Nem vai. **HSM Management** viu quatro pitches no Vale do Silício, e não acabou a fase dos apps que reorganizam rotinas, B2B ou B2C, como o da Loop & Tie, plataforma de escolha de brindes corporativos, ou o da NoPassword, que troca senhas por autenticações adaptativas, contextuais e comportamentais. Mas o propósito de usar a indústria 4.0 para resolver os grandes desafios do planeta e influenciar outras regiões é cada vez mais visível – simbolicamente, na recém-inaugurada Salesforce Tower. A torre, que inclui um coworking para negócios sociais nos fins de semana, ilumina-se à noite e parece um farol. Será que, do outro lado do oceano, a China a vê?

**CARNES DE LABORATÓRIO**

**![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/ee797ed9-3834-4ad2-b8d4-b7ebdc489e87.png)**

A startup Impossible Foods criou um hambúrguer com produtos naturais de origem não animal, como aveia, soja, óleo de coco, batatas e um ingrediente chamado “heme”, que funciona como a levedura na fermentação da cerveja, dando o cheiro e o gosto de carne. Embora o heme seja encontrado em animais, o usado pela Impossible foi sintetizado de plantas. Remover animais da alimentação tem sido uma meta de várias startups, como a Beyond Meat, que vende hambúrgueres sem carne em lojas como Whole Foods e Safeway, e a Memphis Meats, que, em 2016, lançou a primeira almôndega de carne in vitro. Esses produtos, consumidos por não vegetarianos em 80% dos casos, ainda têm baixa escala devido ao preço: enquanto 500 gramas de carne moída de boi custam US$ 3,50 no varejo dos EUA, 500 gramas de carne de plantas saem por US$ 12 – mas eles eram 99% mais caros quatro anos atrás. A reportagem provou o Impossible Burger no restaurante Umami Burger, de Palo Alto, pagando US$ 16, e achou uma delícia!

Compartilhar:

Artigos relacionados

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

Uncategorized
Há alguns anos, o modelo de capitalismo praticado no Brasil era saudado como um novo e promissor caminho para o mundo. Com os recentes desdobramentos e a mudança de cenário para a economia mundial, amplia-se a percepção de que o modelo precisa de ajustes que maximizem seus aspectos positivos e minimizem seus riscos

Sérgio Lazzarini

Gestão de Pessoas
Os resultados só chegam a partir das interações e das produções realizadas por pessoas. A estreia da coluna de Karen Monterlei, CEO da Humanecer, chega com provocações intergeracionais e perspectivas tomadas como normais.

Karen Monterlei

Liderança, times e cultura, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
Entenda como utilizar a metodologia DISC em quatro pontos e cuidados que você deve tomar no uso deste assessment tão popular nos dias de hoje.

Valéria Pimenta

Inovação
Os Jogos Olímpicos de 2024 acabaram, mas aprendizados do esporte podem ser aplicados à inovação organizacional. Sonhar, planejar, priorizar e ter resiliência para transformar metas em realidade, são pontos que o colunista da HSM Management, Rafael Ferrari, nos traz para alcançar resultados de alto impacto.

Rafael Ferrari

6 min de leitura
Liderança, times e cultura, ESG
Conheça as 4 skills para reforçar sua liderança, a partir das reflexões de Fabiana Ramos, CEO da Pine PR.

Fabiana Ramos

ESG, Empreendedorismo, Transformação Digital
Com a onda de mudanças de datas e festivais sendo cancelados, é hora de repensar se os festivais como conhecemos perdurarão mais tempo ou terão que se reinventar.

Daniela Klaiman

ESG, Inteligência artificial e gestão, Diversidade, Diversidade
Racismo algorítimico deve ser sempre lembrado na medida em que estamos depositando nossa confiança na inteligência artificial. Você já pensou sobre esta necessidade neste futuro próximo?

Dilma Campos

Inovação
A transformação da cultura empresarial para abraçar a inovação pode ser um desafio gigante. Por isso, usar uma estratégia diferente, como conectar a empresa a um hub de inovação, pode ser a chave para desbloquear o potencial criativo e inovador de uma organização.

Juliana Burza

ESG, Diversidade, Diversidade, Liderança, times e cultura, Liderança
Conheça os seis passos necessários para a inserção saudável de indivíduos neuroatípicos em suas empresas, a fim de torná-las também mais sustentáveis.

Marcelo Franco

Lifelong learning
Quais tendências estão sendo vistas e bem recebidas nos novos formatos de aprendizagem nas organizações?

Vanessa Pacheco Amaral