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Diversidade

11 min de leitura

Case Cielo: Dicas para cocriar seu manifesto e política de diversidade

Uma política de D&I é mais do que um documento; traz um poder simbólico que ressoa na cultura organizacional, como ocorreu com a Cielo. Conheça o case e confira a entrevista da nossa colunista com o responsável pela área de D&I da empresa.

Colunista Thalita Gelenske

Thalita Gelenske

13 de Setembro

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Artigo Case Cielo: Dicas para cocriar seu manifesto e política de diversidade

Estruturar um programa de D&I é uma jornada que demanda uma série de passos, definições e articulações. Um dos pontos de partidas mais comuns - especialmente em grandes organizações, que possuem muitos colaboradores e processos - é a criação de uma política corporativa sobre o tema, estabelecendo objetivos, premissas e governança para o tema dentro da organização.

Por mais que algumas pessoas possam achar que a política é apenas mais um “documento”, uma política bem elaborada e divulgada com consistência tem um poder simbólico extremamente relevante dentro de uma cultura organizacional. Ela traz o respaldo e a formalização do compromisso que a organização possui em diversidade, envolvendo a alta liderança e o conselho (normalmente responsáveis por aprovar as políticas) nesse processo.

Listo abaixo alguns cuidados precisam ser tomados ao longo da construção de uma política de diversidade:

  1. A política precisa ser um documento com o foco no longo prazo. Documentos como esse tem um processo de aprovação com inúmeras etapas, o que pode ser demorado. Portanto o documento precisa ser escrito de maneira que tenha uma “vida útil” longa, sem ser datado em um contexto e momento específico;

  2. Ela precisa ser escrita de forma abrangente, mas (ao mesmo tempo) específica. Por mais que esses dois aspectos possam parecer mutuamente excludentes, isto quer dizer que o documento deve falar objetivos em um nível estratégico (abrangente) e, ao mesmo tempo, traçar metas e compromissos específicos;

  3. A política não pode ficar apenas no campo do discurso, mas precisa trazer compromissos práticos para tirar a diversidade “do papel”. Caso contrário, o texto vai parecer genérico e não vai engajar as pessoas a colocá-lo em prática;

  4. Para sermos coerentes com o valor da diversidade e da representatividade, precisamos tomar o cuidado de construir a política de maneira colaborativa, incorporando vozes e anseios das pessoas de grupos minorizados da organização;

  5. A política de diversidade precisa ser comunicada de maneira inspiradora para colaboradores e colaboradoras;

Recentemente, eu (enquanto fundadora da Blend Edu) tive a chance de apoiar a Cielo na construção da sua política de diversidade. Esse foi um importante passo dado pela organização e acredito que o processo de criação da política interna pode inspirar outras organizações a realizar este processo de maneira colaborativa e consistente.

Ela acabou dando origem a um Manifesto de Diversidade e Inclusão da Cielo, trazendo um tom mais informal e inspirador para que os compromissos firmados pudessem ressoar com mais de +3.500 pessoas que fazem parte da empresa. Caso queira conferir o resultado final, basta ver o vídeo abaixo:

Vídeo Manifesto de Diversidade & Inclusão Cielo

Para detalhar mais esse case, convidei Daniel Poli para uma entrevista e pedi para ele explicar com detalhes o processo de construção da política de diversidade e o manifesto da Cielo. Daniel é responsável por liderar o tema de diversidade e responsabilidade social na Cielo, tendo mais de 10 anos de experiência em consultoria, gestão de risco, sustentabilidade corporativa e gestão de negócios.

Entrevista sobre o case da Cielo:

O que motivou a estruturação do tema de diversidade na Cielo? Qual é a área responsável por fazer a gestão da diversidade na empresa?

As iniciativas relacionadas à diversidade sempre existiram na companhia, em sua maioria ligadas ao avanço das práticas de sustentabilidade difundidas no mercado na última década. Até 2019, as iniciativas ocorriam de maneira difusa, sem uma estratégia central e uma estrutura formal para o tema.

A partir de julho daquele ano, no entanto, a Cielo entendeu que precisava endereçar as ações e iniciativas para promover Diversidade e Inclusão de maneira mais organizada. Nasceu ali o programa de diversidade a partir do entendimento de que, para garantir efetividade nos resultados e sustentabilidade sobre o tema, este deveria ser tratado como uma disciplina específica da organização. A partir daí, foi natural que a estrutura crescesse e tomasse forma e, a partir de outubro de 2020, passasse a nomear a área funcional do tema, que passou a se chamar Gerência de Sustentabilidade, Diversidade e Responsabilidade Corporativa, com reporte direto ao vice-presidente de Gente, Gestão e Performance.

Uma das iniciativas que aconteceu recentemente foi a construção do Manifesto de Diversidade da Cielo, que eu, Thalita (como Blend Edu), tive a chance de acompanhar e apoiar. Um dos pontos que achei mais interessantes na forma que pensamos o trabalho foi que a construção deste manifesto não aconteceu de maneira unilateral, mas foi um processo cocriado por várias (e diversas) vozes. Você pode contar um pouco mais sobre como a construção do manifesto de diversidade aconteceu?

Acredito que o movimento para a coconstrução do manifesto foi consequência natural e esperada dentro de um ambiente de discussão dos Grupos de Afinidade, que, por propósito, na Cielo, existem para debater e propor ações que avancem sobre o panorama de Raça e Etnia, Gênero, Pessoas com Deficiência e comunidade LGBTQIA+ no meio coorporativo.

A construção do manifesto surgiu da necessidade de entender a direção que a Cielo precisava tomar nesses temas e, sobretudo, dar clareza a todos stakeholders da companhia sobre qual o posicionamento e a ambição em Diversidade e Inclusão da empresa. Dessa forma, de maneira orgânica, os grupos começaram a construir seus manifestos individualmente e, em um dado momento, entendemos que esses posicionamentos dos grupos demonstravam reinvindicação similar.

Todos os grupos, a sua maneira, sugeriam como a empresa deveria trabalhar de forma ativa e objetiva para acelerar a inclusão de grupos minorizados, além de firmar compromissos da administração para atingir esses objetivos. A partir daí, com apoio da Blend Edu e sempre com envolvimento dos grupos de afinidade e dos executivos, conseguimos chegar a um texto que representasse a voz de todos, ao priorizar compromissos que tangibilizassem essa direção de atuação.

É importante ressaltar que tudo foi possível graças a uma estruturação prévia da governança para diversidade, com a formação de Grupos de Afinidade e um Fórum Executivo de Diversidade, coordenado pelo nosso CEO. O fato de garantir espaços de contribuição e construção específicos sobre o tema foi uma peça fundamental.

Muitas pessoas acreditam que a construção de um manifesto e de uma política é um ponto muito simples, que não muda muita coisa. No entanto, as diretrizes e políticas organizacionais são muito relevantes na perspectiva de governança organizacional (o famoso G do ESG) e de respaldo institucional. Queria que você comentasse: por que foi importante que esse manifesto desse origem a uma política interna de diversidade?

Criar processos de governança e diretrizes claras sobre como se deve operar, ou quais objetivos e ambições pretendemos atingir em diversidade, parece simples na teoria. Quando avaliamos um documento isolado, podemos ter a falsa sensação de que estes parecem avanços pequenos para o tamanho do desafio que temos para promover a diversidade real nas organizações. Mas, na prática, o que percebemos é que ele é um salto fundamental para dar tração e tornar ações pontuais em estruturas de geração de valor.

Como qualquer outra disciplina de uma organização, se não há clareza de propósito, não se elencam as peças, os recursos e os caminhos para geração de valor no tema. Em Diversidade e Inclusão não é diferente. Sem um guia que comunique a estratégia com clareza, todas as ações ficam muito mais expostas à possibilidade das ações mais marqueteiras, ou mais conhecidas como “Diversity Washing”.

Dessa forma, quando começamos a estruturar a governança de maneira mais efetiva, nos deparamos com o entendimento de que a formulação de uma política interna de diversidade deveria ser sua peça inaugural e, de fato, iniciamos os trabalhos por ela. Em um dado momento percebemos que havia uma necessidade implícita neste tema que diferia de muitas outras disciplinas da organização, pois embora uma política como documento formal da governança da companhia seja fundamental, precisávamos ouvir a organização e entender sua manifestação sobre o assunto. Então decidimos dar um passo para trás e estimular a participação plural desde a concepção das diretrizes. Nesse contexto, surgiu a necessidade objetiva e clara de se conceber um manifesto e os compromissos da companhia em relação a Diversidade & Inclusão. Ou seja, dar condições de criação de uma política interna para que já nascesse com força institucional, e não como uma diretriz que atenda apenas quesitos hierárquicos.

Na minha percepção, o ponto-chave para tornar o Manifesto e a Política da Cielo tão especial é o fato dele ter vindo junto com compromissos e objetivos específicos. Você poderia comentar um pouco mais sobre como as palavras e as intenções contidas nesses documentos deram origem à compromissos? E como tem sido o apoio da alta liderança para esse tema?

Trabalhar o tema de Diversidade & Inclusão nas organizações, na minha concepção, apresenta similaridades fundamentais com outras áreas de geração de valor da companhia, pois exige que se pense com um olhar estratégico, tático e operacional de maneira estruturada e dinâmica. Contudo, trabalhar o tema de D&I possui também diferenças marcantes que precisam ser ressaltadas. Na concepção da Cielo, geração de valor vai além do valor financeiro. Então é importante dar clareza de que, ao se trabalhar os assuntos afetos ao negócio, devemos pensar de maneira ampla como parte fundamental da estratégia ESG. Gerar valor social como resultados de nossas atividades, e em especial o valor social da diversidade, passa por estabelecer de maneira clara nossa aspiração pela busca por valores ligados aos direitos humanos fundamentais, mas também por tangibilizar como a estratégia de D&I se liga ao core business da empresa.

Por esse motivo, os compromissos e objetivos estratégicos de D&I, além de expressar os elementos humanísticos e culturais que buscamos, também contribuem para determinar como a estratégia no tema contribuirá para garantir geração de valor ao negócio. Esta clareza de entendimento passa necessariamente pelo alinhamento e apoio da alta liderança, que hoje na Cielo já enxerga que gerar valor sustentável exige entre muitas assuntos um olhar sério para o desenvolvimento da disciplina corporativa de D&I.

Além dos compromissos, a Cielo foi uma das primeiras empresas a aderir a Diversidade SA, a primeira comunidade empresarial de diversidade em formato digital. O que fez com que vocês aderissem a essa comunidade / movimento logo após o seu lançamento? Como, hoje, a Diversidade SA apoia os membros dos grupos de afinidade (e membros do Fórum de Diversidade), se conectando com o plano de ação que está em andamento?

D&I possui diversas similaridades com o desenvolvimento de outras áreas do negócio, mas também muitas diferenças em relação a como se implementar uma estratégia eficaz para o negócio. Uma das características marcantes que difere esta disciplina de outras da administração é uma quase necessidade de se coconstruir o processo a todo tempo, e estar atento à constante ressignificação e interpretação de conceitos exige fluxo de capacitação contínuo.

A gestão de D&I nas organizações, por ser um tema que, de certa maneira, tem se desenvolvido há muito menos tempo do que outras disciplinas e teorias da administração, como finanças, ou mesmo gestão de pessoas, tem se alimentado de um ambiente de alta colaboração e aprendizado, permitindo que esse dinamismo e essa troca que ocorre entre as pessoas que trabalham no tema leve ao aperfeiçoamento da prática de maneira acelerada.

Fazer parte de uma comunidade empresarial de aprendizagem dedicada ao tema, como a Diversidade SA, que também oferece um ambiente em rede para troca de experiências sobre as práticas de gestão no assunto, seja com as pessoas com dedicação exclusiva ao tema, ou aquelas que atuam de maneira voluntária, faz todo sentido quando enxergamos a necessidade de estimular uma arena de colaboração para se abreviar os caminhos práticos para se colher melhores resultados em D&I.

Quais dicas você daria para outras empresas que estão em fase de estruturação do tema e, eventualmente, construção de uma política?

Estabelecer os espaços de diálogo formais dedicados exclusivamente ao tema. Sabemos que a agenda executiva nas organizações é extremamente disputada. Então garantir solidez e constância na discussão do tema o tornará uma realidade concreta. A partir daí é importante trazer todo mundo para esses espaços. Praticar a escuta ativa e se dedicar a ouvir e incorporar diferentes pontos de vista.

Quanto maior o debate e mais genuíno for o olhar para dentro, seja individualmente nas pessoas ou como um diagnóstico da própria cultura organizacional, mais pavimentado será o caminho para impulsionar uma política que faça sentido e aplicável ao contexto da organização. Adotar soluções de prateleira, ou apenas impor uma política top-down, tende a ser mais repelida na organização, pois a ausência de diálogo quando se busca estabelecer uma política de inclusão é um contrassenso em sua lógica.

O que não significa que não se deva garantir o total apoio, e mais do que apoio, o envolvimento e engajamento da alta liderança como condição de partida. Sem essa força conjunta da alta administração, fica virtualmente inatingível qualquer tipo ambição, o que vale para qualquer iniciativa ESG.

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Autoria

Colunista Thalita Gelenske

Thalita Gelenske

Fundadora e CEO da Blend Edu, startup que já tem em seu portfólio empresas como 3M, TIM, Reserva, Movile, Grupo Fleury, TechnipFMC, Prumo Logística, brMalls etc. Thalita também está presente na lista da Forbes Under 30 de 2019, como uma dos 6 jovens destaques na categoria Terceiro Setor e Empreendedorismo Social.

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