Estratégia e Execução

Sistema B certifica o impacto positivo

O movimento por um ambiente econômico mais inclusivo e sustentável avança no mundo todo

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“Estou profundamente convencido de que podemos livrar o mundo da pobreza se nos determinarmos a fazer isso.” Essa é a conclusão a que chegou o ganhador do prêmio Nobel de 2006, Muhammad Yunus, conhecido como o “banqueiro dos pobres”, não como fruto de uma “esperança crédula”, conforme suas palavras, mas pela experiência adquirida na prática de microcrédito do seu Grameen Bank.

Cinco anos depois, em 2011, ele criou a Yunus Social Business, com sede na Alemanha, com o propósito de financiar e apoiar negócios sociais sustentáveis em países em desenvolvimento. Em 2015, nasceu a unidade brasileira, a Yunus Negócios Sociais, resultado da parceria de Yunus com Rogério Oliveira. O instituto está envolvido, por exemplo, no desenvolvimento do negócio social da Ambev, a água Ama, em que 100% do lucro é destinado a projetos de água potável no semiárido brasileiro. Já foram realizados 29 projetos Ama, que receberam R$ 2 milhões em investimentos e beneficiaram 26 mil pessoas.

Mesmo com um prêmio Nobel como padrinho, a Yunus Negócios Sociais sentiu necessidade de materializar seu compromisso com negócios geradores de impacto positivo fazendo com que a Yunus brasileira recebesse em 2017 a certificação de empresa B. 

Se você lê HSM Management, já ouviu falar do Sistema B – ou B Lab. Há 12 anos, nascia nos Estados Unidos a organização B Lab, para dar impulso a um novo sistema econômico denominado “Economia B”. Virou um movimento global, cujo ambicioso objetivo é redefinir o que é sucesso na economia. Segundo ela, sucesso não é apenas o sucesso financeiro, mas também o bem-estar da sociedade e a saúde do planeta. Em outras palavras, a Economia B quer usar os negócios como uma força do bem, equilibrando propósito e lucro e sendo mais inclusiva e sustentável.

Em 2013, Marcel Fukayama introduziu a iniciativa no Brasil. Hoje há 140 empresas B certificadas no País e temos um dos maiores números em processo de certificação em todo o mundo. O ritmo de crescimento também é significativo – em 2017 eram 97 empresas. “Há uma grande demanda pela certificação, de fato, mostrando que várias empresas querem ser melhores para o mundo”, conta Fukayama, que é, além de cofundador, o atual diretor-executivo do Sistema B Brasil. A expectativa é que, até o final de 2019, 180 empresas sejam certificadas. “Queremos que essas empresas inspirem outras, estimulando mudanças sistêmicas.”

Uma empresa B reúne três elementos:

* Propósito. Ter o compromisso de gerar impacto positivo nos aspectos social e ambiental.
* Responsabilidade. Considerar a opinião de todos os stakeholders nas tomadas de decisão, sejam de curto, médio ou longo prazo.
* Compromisso com a transparência. Mensurar e reportar periodicamente seu triplo impacto (ambiental, social e econômico).

São poucos elementos, mas o processo de certificação dos três é trabalhoso. O primeiro passo é responder ao extenso e minucioso questionário “Avaliação de Impacto B”. Em seguida, deve-se enviar documentos de comprovação de todas as respostas, o que fornecerá subsídios para os avaliadores analisarem governança e modelo de negócio, relação com o meio ambiente, relação com a comunidade e relação com os colaboradores. 

Cada uma dessas quatro áreas de impacto ganha uma pontuação, conforme o grau de maturidade da empresa ali. Ao somar um total de 80 pontos na ferramenta de mensuração de impacto – cuja pontuação máxima é 200 –, uma empresa já fica elegível para se tornar B. 

Para obter o certificado, ela ainda tem de assinar a chamada “Declaração de Interdependência” e alterar seu contrato ou estatuto social, incorporando cláusulas B. Na declaração, a companhia admite “oficialmente” depender de seus stakeholders e saber que muitos (incluindo as gerações futuras) dependem dela. Já o rito formal do contrato a faz sair da área das intenções e entrar na dos compromissos, diz Fukayama. 

Ao certificar-se, toda empresa B entra na comunidade global B, que conta hoje com 2,7 mil organizações em 70 países – na América Latina, são 460 em dez países. Depois, a cada três anos, ocorre uma recertificação, quando o mesmo processo é aplicado. Só a companhia que não evolui nas próprias métricas não é aprovada.

Empresas que não aceitam todas as condições têm de deixar o Sistema B. Foi o que aconteceu com a norte-americana Etsy, dona de um e-commerce de itens artesanais, que não queria mais incorporar as cláusulas B após o IPO na Nasdaq. 

Quem pode se candidatar ao Sistema B? Todas as empresas. Não há restrições por atividade. Alguns setores encontram bem mais dificul­dade de ingressar ali, como o bélico, o de tabaco e 

o de bebidas alcoólicas, mas há na listagem do B Lab mundial companhias de vinho e de cerveja. Também não há limites de tamanho. Fukayama explica que 78% do movimento B mundial é formado por pequenas e médias empresas (PMEs). Aliás, ser empresa B reduz a alta mortalidade que é natural das empresas de menor porte: se a descontinuidade é de 30% para PMEs em geral, entre as PMEs do Sistema B ela cai para 12%.

HSM Management foi entender quem são as empresas B brasileiras e faz um apanhado de casos a seguir.

**VIVENDA, DIN4MO E GRUPO GAIA**

Uma das questões mais delicadas do Brasil atual é o déficit de moradia. A startup Vivenda nasceu em 2013 com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de quem mora em más condições. “Morar bem e viver melhor” é o mote de sua atuação. Seu cofundador Fernando Assad conta que oferece à população de baixa renda uma solução completa do projeto à reforma pronta em 15 dias (prazo que tem sido de seis dias na prática), o que inclui planejamento, serviços de arquiteto, mão de obra, material e financiamento. “Pegamos geralmente casas insalubres, com problemas de ventilação e umidade”, diz Assad. 

Com esse propósito, a Vivenda registrou faturamento de R$ 2,5 milhões em 2018 e tem 30 funcionários. Ela já realizou 1,3 mil reformas, impactando aproximadamente 5 mil pessoas.Como isso é viabilizado? “Criamos uma solução de financiamento que é a primeira debênture de impacto social do mundo, permitindo que o cliente parcele o pagamento em até 30 vezes com taxa de 2% ao mês”, explica Assad. 

O desenvolvimento da primeira debênture de impacto social (social bonds) envolveu três empresas B: a Vivenda, a consultoria Din4mo e a empresa financeira conhecida como Grupo Gaia. Essa debênture social, ou “social bond”, foi selecionada como prática inspiradora em concurso organizado pela ONU-Habitat em 2018. A Din4mo liderou a modelagem da debênture e o Grupo Gaia fez a emissão. O montante já captado é de R$ 5 milhões, com previsão de impactar 32 mil pessoas até 2023. Para os aplicadores que investiram na debênture, a remuneração é de 7% ao ano fixa mais prêmio e o prazo da operação, de dez anos.

O Grupo Gaia, fundado por João Paulo Pacífico e que conta com as empresas GaiaSec, Gaia Agro e GaiaServ, realiza transações financeiras por meio de operações de securitização, no mercado de capitais. As operações variam – embora haja as convencionais, muitas visam gerar impacto, como as destinadas à compra da casa própria pela população de baixa renda e a dar aportes financeiros a usinas de energia renovável (etanol) e a pequenos produtores de café e açúcar.

Já a Din4mo, fundada por Fukayama (que deixou a operação em janeiro último mas se mantém sócio e conselheiro), é voltada ao desenvolvimento e à gestão de empresas de impacto social. Atua nos eixos de fortalecimento de empreendedores (gestão, governança, go-to-market e apoio à captação de recursos); de investimento (equity crowdfunding); crédito (estrutura operações de securitização de recebíveis); e apoio a organizações sociais que desejam incorporar o tema de negócios de impacto à sua lógica operacional. 

Assad conta que o Vivenda já nasceu como negócio de impacto além do financeiro, mas a certificação B, obtida há dois anos, o ajuda na identificação dos quesitos em que precisa melhorar. “O bom é que não se trata de uma certificação estática, mas dinâmica”, pontua. “É um processo e nos provoca a melhorar os nossos, da gestão de resíduos até as práticas societárias.”

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**GEEKIE**

Outra startup que abraçou o movimento B é a Geekie. Fundada em 2011 e credenciada como B em 2014, ela nasceu com a missão de transformar a educação do Brasil com inovação. 

A Geekie resolveu atuar em um dos setores mais desafiadores, mas o balanço é positivo: “Nos últimos seis anos, já impactamos cerca de 12 milhões de estudantes de 5 mil escolas públicas e privadas”, conta o cofundador Claudio Sassaki. Investidores também foram sensibilizados, como Fundo Virtuose, Fundação Lemann, Fundo Gera, SAS – Plataforma de educação, Omidyar Network, dos Estados Unidos, e Mitsui & Co, do Japão.

A Geekie tem uma plataforma digital de aprendizado adaptativo, que custa em média R$ 130 por ano. Nela, cada estudante consegue aprender de modo customizado, de acordo com suas necessidades individuais, e isso aumenta a probabilidade de que atinja seu potencial. Um dos produtos da empresa é o Geekie Games, plataforma de estudos visando o Enem; para ingressar, o estudante deve fazer um simulado gratuitamente para testar seus pontos fortes e fracos. 

**OBRIGADO**

Essa empresa de água de coco e outros produtos à base da fruta, cuja marca foi lançada em 2014, foi certificada como empresa B no ano passado. Desde o princípio, no entanto, ela visou, além do lucro, ter um cuidado especial com o meio ambiente e as comunidades nos entornos de sua produção, na Bahia. 

Por exemplo, cerca de 70% dos 6 mil hectares das fazendas de cultivo de coco são floresta preservada da Mata Atlântica – os coqueiros ocupam áreas adjacentes, de forma a não prejudicar animais e pássaros nativos. Assim, a Obrigado colabora com a redução de 34 mil toneladas de dióxido de carbono ao ano. Outra iniciativa sua é a utilização de 80% a menos de água no sistema de irrigação do que é a prática habitual do setor.

Para as pessoas, a Obrigado mantém projetos sociais e de incentivo à produção para a comunidade local, formada por cerca de 200 pessoas. Como está instalada em uma região sem indústrias e adquire coco de produtores regionais, ela lhes dá apoio técnico, principalmente para o aumento de produtividade. 

A Obrigado criou também o Instituto Gente, que é o principal mantenedor da única escola do local, abrigada em um prédio cedido pela empresa. São 120 crianças e 40 adultos, com aulas e outras atividades, como música, capoeira e inclusão digital. Segundo Roberto Lessa, CEO global do Grupo Aurantiaca, dono das fazendas responsáveis pelos produtos da marca Obrigado, um dos segredos do sucesso da empresa é ter criado a escola antes mesmo de começar a operar na região. 

O objetivo da Obrigado agora é ser uma empresa resíduo zero. A água de coco Obrigado, que não contém adição de açúcar nem conservantes, vem do fruto jovem e verde. O leite de coco é extraído da polpa branca. E a casca é transformada em mantas e rolos biodegradáveis, usados na recuperação da vegetação de áreas degradadas. 

**MÃE TERRA**

A empresa de produtos naturais e orgânicos Mãe Terra, fundada em 1979, foi certificada pelo sistema B em 2016, depois de um processo que durou quase seis meses, conforme conta Wilbert Zumba, gerente de inteligência comercial e trade marketing da empresa.

O impacto da Mãe Terra já era inegável antes. Ela tem sido uma grande força no desenvolvimento do mercado de orgânicos – principalmente o de grãos. “Nossos fornecedores foram crescendo conosco. Até porque, quando compramos deles, não consideramos simplesmente o fator do preço do produto; valorizamos muito mais do que isso”, afirma o gerente. Eles valorizam o que é de fato orgânico.

Mas a Mãe Terra vem amplificando seu impacto depois de se tornar B – como ao trabalhar cada vez mais com a biodiversidade brasileira. Um bom exemplo disso foi a mudança do produto Remix de Castanhas: antes, a embalagem trazia castanhas-de-caju, castanhas-do-pará e amêndoas, mas, como as amêndoas não são uma espécie nativa brasileira, ela foi substituída há dois anos pelas pouco conhecidas castanhas-de-baru. “Tivemos que desenvolver fornecedores e cooperativas de castanhas-de-baru, mas o esforço valeu a pena, porque demos escala para uma castanha brasileira”, diz ele. Isso tem influência direta sobre a preservação ambiental, como explica Zumba. “Quando uma árvore ganha valor no mercado, o produtor deixa de cortá-la; ele passa a manter a floresta em pé”. Assim como a castanha-de-baru, o mercado de babaçu foi desenvolvido graças à adoção dessa espécie em produtos da empresa.

Adquirida pela Unilever em 2017 – que já reafirmou que a consciência rende bons negócios –, a Mãe Terra impôs à multinacional de origem anglo-holandesa a condição de que seu propósito de causar impacto socioambiental fosse integralmente preservado. Na aquisição, foi garantido em contrato, por exemplo, que um conselho de pessoas externas seria mantido para preservar as causas e o espírito do movimento B ali dentro – o que era uma preocupação de seus líderes e colaboradores. 

O gerente explica que há três grandes causas na empresa: (1) a reinvenção da cadeia de alimentos, incluindo a agricultura orgânica, o pequeno agricultor, a biodiversidade, assim como a reinvenção das embalagens, para que sejam coerentes com tudo isso ; (2) a conscientização da cadeia alimentar, que passa por fazer as pessoas de fato comerem melhor – mais frutas, legumes e vegetais e (3 ) a humanização do trabalho, com um ambiente que promova a alegria nas pessoas. 

Todos os funcionários da Mãe Terra têm uma meta B, que deve estar envolvida em alguma das três causas. “Temos encontros semanais dentro da empresa para que as pessoas possam falar sobre sua meta B, e cada funcionário pode desenvolver algum projeto mais robusto nessa linha, como tirar copo descartável da fábrica, por exemplo. Temos uma lista grande de projetos.”

De fato, a Unilever está preservando o propósito da Mãe Terra. “Para manter viva a alma da empresa, sua estrutura organizacional continua separada, assim como todas as tomadas de decisões. Claro que reportamos tudo para a Unilever, mas temos nosso coração pulsando separadamente”, esclarece Zumba. 

**NATURA**

Ainda são poucas as companhias de grande porte no movimento B mundial, mas elas existem. Foi em 2014 que o jornal britânico The Guardian saudou o fato de uma “gigante virar B”. Ele se referia à fabricante de cosméticos brasileira Natura, a primeira empresa de capital aberto da América Latina a receber o selo. Hoje a Natura está entre as três maiores do B Lab, ao lado de Danone e Laureate. “Isso é bom para todos, principalmente para construirmos uma nova economia, de fato sustentável”, afirma Luciana Villa Nova, gerente de sustentabilidade da Natura, que obteve a renovação do selo em 2017, o mesmo ano em que ela adquiriu a marca britânica The Body Shop da L’Órèal.

“Por meio da recertificação, a Natura reafirmou seu compromisso com o papel de agente de transformação social e conservação ambiental. Nós entendemos esses dois compromissos como oportunidades para inovações disruptivas, e isso vale para todas as empresas”, destaca Villa Nova.

Para reforçar o comprometimento, a Natura também lançou em 2017 sua “Visão de Sustentabilidade”, que estabelece metas a serem cumpridas até 2050. O resultado dos três primeiros anos promete: a meta de gerar R$ 1,5 bilhão de valor para a região Pan-Amazônica, prevista para 2020, foi atingida já em 2018. Também foram positivos os resultados na gestão das comunidades daquela região, segundo Villa Nova, além de várias ações estabelecidas na Visão de Sustentabilidade, como as de logística reversa, valoração de externalidades ambientais, fortalecimento da cultura da empresa e promoção do desenvolvimento social e humano – das consultoras, das comunidades fornecedoras e dos entornos. 

“Mas, em alguns pontos, vimos a necessidade de ampliar os esforços para acelerar os resultados e estamos trabalhando para isso”, admite Villa Nova, com transparência. Ela cita, como exemplos do que deixou a desejar, respostas à mudança climática, a ampliação do percentual de embalagens ecoeficientes e a educação do consumidor nas causas da companhia.

Em 2013, a Natura já tinha sido a primeira empresa da América Latina a contabilizar o impacto de seus negócios no meio ambiente, por meio de uma metodologia internacional conhecida pela sigla em inglês EP&L (ganhos e perdas ambientais). Com base nessa análise, que se aprofunda em todas as etapas do ciclo de vida dos produtos, a empresa é capaz de medir, por exemplo, o uso e a poluição da água, a emissão de gases de efeito estufa e de poluentes no ar, de forma a combinar métricas de sustentabilidade com a gestão empresarial tradicional. “Nosso objetivo foi e continua sendo o de inovar na análise de desempenho dos negócios pela avaliação efetiva do triple bottom line, considerando o capital natural e social como ativos críticos para o desenvolvimento dos negócios”, explica a gerente. 

A Natura também já havia adotado um modelo de negócio ancorado na inovação e na tecnologia sustentáveis. “Utilizamos insumos da sociobiodiversidade desde o lançamento da linha Ekos, em 2000. Hoje, já trabalhamos com mais de 20 ativos da biodiversidade brasileira, especialmente amazônica, unindo conhecimento tradicional e produção artesanal à tecnologia de ponta e eficácia comprovada. Nossas fórmulas priorizam a utilização de matérias-primas de origem vegetal e, portanto, renovável.”

Um exemplo disso é que, nos perfumes, a empresa utiliza um tipo de álcool 100% orgânico, desenvolvido em parceria com a companhia Native. Ele é obtido da cana-de-açúcar verde, plantada sem uso de agrotóxicos e sem recorrer a queimadas. O cultivo do álcool sustentável contribui para a regeneração da vida de 23 mil hectares de uma região onde habitam mais de 340 espécies de animais, o que aumenta em 30% o volume de água de córregos e rios.

Há muitas iniciativas que atestam a Natura como empresa B – a atuação com 30 cooperativas de produção sustentável, impactando 4,6 mil famílias; a ajuda na conservação de 257 mil hectares da Floresta Amazônica; as ações em favor da diversidade e da inclusão no quadro de colaboradores (63% do quadro são mulheres, e elas ocupam 47% dos cargos de alta gestão; 6% têm alguma deficiência), além dos investimentos destinados à educação para consultoras e também para alunos de 23 estados. Então, por que a Natura precisa de uma certificação B?

**QUEM SÃO OS EMPRESÁRIOS B**

Confira o depoimento de Dario Guarita Neto e Ana Sarkovas, e entenda a nova geração de empreendedores que já faz negócios de uma maneira diferente

Nossos caminhos se cruzaram em 2011, na Amata. Mas, antes disso, embora venhamos ambos de famílias envolvidas em negócios, construímos carreiras bem diferentes. 

Dario é de uma família tradicional paulistana, estudou em colégio católico e se formou em administração. Começou trabalhando em consultoria estratégica, depois em banco de investimento e com gestão de portfólio, até que, em 2006, buscou um propósito maior em sua atuação e fundou a Amata, empresa que comercializa madeira certificada, produzida com responsabilidade socioambiental e com garantia de origem. 

Ana nasceu em uma família ligada ao meio cultural e às artes, estudou em colégio construtivista e fez ciências sociais e publicidade e marketing. Queria se tornar presidente da República e mudar o Brasil. À procura de um caminho de mudança mais rápido do que o governo, foi primeiro atuar na Ashoka, ONG pioneira no apoio ao empreendedorismo social. Depois, à procura de um caminho de mudança ainda mais rápido do que o terceiro setor, foi trabalhar no Banco Real, na gestão Fabio Barbosa. Ali aprendeu a olhar as questões sociais e ambientais como oportunidade de negócio e geração de valor – e não só como mitigação de riscos. Então, foi para a Amata.

Com atividade extrativista, a Amata é um ótimo exemplo de negócio que 

nasceu dentro de um setor tradicional mas com um modelo bem distinto, visando gerar 

valor não só para o acionista, mas para todos os envolvidos em sua cadeia. De um lado, ela faz a ponte entre a floresta e o mercado consumidor, não acostumado a relacionar a mesa de madeira à qual se senta todo dia para as refeições com o desmatamento da Amazônia. De outro, faz mais uma ponte, entre a Amazônia e Avenida Faria Lima, o que significa converter a economia da floresta e da madeira 

produzida e colhida de modo responsável em algo de valor para investidores institucionais. A Amata produz madeira de florestas plantadas e também do manejo de baixo impacto de mata nativa, atuando no Paraná, no Mato Grosso do Sul, no Pará e em Rondônia (na concessão da Floresta Nacional do Jamari), e hoje tem o desafio de adicionar tecnologia à madeira, oferecendo uma solução sustentável para a construção civil. 

A Amata vale a pena como negócio. Acreditamos que o século 21 será o século da madeira, como o 20 foi o do concreto e o 19, do aço. Símbolo disso é que o Tokyo Olympic National Stadium, que sediará a Olimpíada de 2020, será de madeira. Mas, para nós, não valeria a pena investir nesse negócio se ele não respondesse aos anseios e ao modo de vida da nova geração, que não tolera mais o consumo gerador de impacto negativo. 

Assim, entramos no tópico das empresas B. A Amata nasceu antes do surgimento do B Lab, mas é, por essência, parte desse movimento. Tanto que, em 2015, Ana teve o privilégio de assumir a liderança do Sistema B no Brasil. Isso nos permitiu ter contato próximo com uma série de empresas que geram impacto positivo, seja pela forma como gerenciam seu negócio, produto ou serviço, seja pelo produto ou serviço final, como no caso de empresas de educação, saúde, energia renovável etc. Aprendemos muito com organizações como Patagônia, Ben & Jerry’s, Method, Seventh Generation e tantas outras. 

Após o nascimento da Luisa, nossa primeira filha, em 2018, resolvemos passar dois meses em San Francisco em busca de inspiração para acelerar ainda mais as transformações positivas. Na Califórnia, eles estão pelo menos dez anos à nossa frente no que diz respeito a uma economia sustentável. Nada nasce lá fora dessa lógica, porque, se nascer, vai morrer rápido. Os fundos de investimento nem aceitam mais ser separados entre os de impacto e os convencionais. Todos os fundos procuram oportunidades de negócios que vão perdurar e que consigam responder aos principais desafios dos nossos tempos – fundos como o Generation, o TPG Rise Fund e o Obvious Ventures, que tivemos o privilégio de conhecer. 

Retornamos ao Brasil com duas certezas. Existem muitas coisas que podem ser desenvolvidas por aqui em termos de negócios conscientes. E existe um gap geracional entre as lideranças de empresas tradicionais e os consumidores contemporâneos (a “purpose driven generation”), gap esse que dificulta a criação de mais negócios conscientes.

Agora, como todo gap que se preze, essa é uma oportunidade de negócio, pelo menos durante uma determinada janela temporal. Nós decidimos atuar nos próximos anos para aproveitar essa janela temporal. Estamos convencidos de que o movimento não tem mais volta e de que, em um futuro não muito distante, olharemos para trás e consideraremos absurda a ideia de empresas gerarem impacto negativo nas pessoas e na natureza. 

**DIAGNÓSTICO E CONEXÕES**

A organização que procura o sistema B é, originalmente, bem-intencionada e esforçada, como esses casos revelam. Usar o selo apenas para fins de marketing também não compensa, porque o processo de certificação é trabalhoso – pode levar seis meses, como já vimos –, e tem de ser refeito a cada três anos, comprovando melhorias. 

As empresas procuram essa certificação por duas razões, mais ou menos as mesmas que levam as companhias a buscarem os selos de qualidade ISO – diagnóstico de seus processos e conexões, com mais parceiros e clientes. 

“A Mãe Terra sempre teve uma cultura diferenciada, preocupada com as pessoas, o planeta e a cadeia de produção. Mas foi quando respondemos ao questionário da certificação B que conseguimos ter uma visão mais ampla disso e perceber onde estávamos bem e onde podíamos melhorar”, diz Zumba. Para ele, o processo do sistema B faz um diagnóstico preciso e, assim, ajuda mesmo a guiar os próximos passos.

 Outra vantagem de ser B, na opinião de Zumba, é a conexão à rede de empresas B, com a troca de ideias, experiências e, por que não, negócios conjuntos. Foi esse o caso dos social bonds para financiar reformas residenciais para a população de baixa renda que reuniu três empresas B, e esse tem sido o caso para a Natura, que tem feito cada vez mais negócios com integrantes do movimento. 

Como afirma Villa Nova, a Natura tem, inclusive, convidado os fornecedores da rede existente a se tornarem B, como é o caso da Patrus, que foi certificada em 2018. Empresa de transporte de carga com soluções inovadoras e customizadas, a Patrus é uma das fornecedoras de logística da Natura. Seus pontos de destaque para ter obtido o selo B, segundo seu presidente, Marcelo Patrus, foram as ações com a comunidade, os projetos de preservação do meio ambiente e a relação com os funcionários.

As empresas certificadas como B não são perfeitas, lembra Fukayama. “Mas faz toda a diferença elas não quererem ser as melhores do mundo, e sim as melhores para o mundo.”

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