fb-embed

Liderança

4 min de leitura

Succession expõe lado sombrio do líder narcisista

Série proporciona reflexões perturbadoras sobre a transição de uma organização familiar conduzida por um gestor que não consegue desapegar do poder

Colunista Nelson Cury Filho

Nelson Cury Filho

13 de Dezembro

Compartilhar:
Artigo  Succession expõe lado sombrio do líder narcisista

A história de uma família empresária, dona de um império de mídia, cujo fundador beira a tirania. Esse é o enredo de Succession, série de sucesso da HBO que estreou em 2018 e está agora em sua terceira temporada. Aos 80 anos, Logan Roy insiste em se manter no poder. Mesmo diante da idade avançada e da necessidade de planejar sua sucessão, ele resiste em passar o bastão para os filhos – três homens e uma mulher –, mantendo a família e a empresa imersas num constante embate, numa atmosfera de disputas e ressentimentos.

O fundador consegue manipular sua prole, plantando a discórdia entre os irmãos, semeando a disputa nada ética pelo poder e manipulando os filhos com muito dinheiro e cargos que eles nunca assumiram. Há quem diga que a série foi inspirada na família Murdoch, dos EUA, outros veem pontos de contato com a peça Rei Lear, de Shakespeare.

Vencedora de nove prêmios Emmy, Succession coloca em evidência, e de forma perturbadora, a figura do líder narcisista, nos levando a muitas reflexões sobre o processo de sucessão familiar nas empresas familiares e como líderes narcisistas podem ter impacto tóxico no mundo corporativo, assunto já amplamente abordado pelo professor do Insead Manfred F.R. Kets de Vries, uma autoridade em comportamento organizacional.

A dinâmica entre o fundador e seus sucessores espelha um desafio comum a muitas empresas familiares: o desejo das novas gerações por mudanças e inovações versus o conservadorismo e o apego ao status quo da geração mais velha. Por isso é tão importante começar, desde cedo, a investir na capacitação dos herdeiros, eles assumindo ou não a gestão dos negócios. A preparação de um sucessor é uma tarefa árdua para qualquer empresa, mas nas organizações familiares essa iniciativa pode definir o futuro dos negócios.

Mal do século

No artigo O lado sombrio da sucessão do CEO, de 1987, Kets de Vries afirma que a “percepção de que é preciso abrir mão do poder ameaça o desejo profundo de acreditar na própria imortalidade”. É exatamente o que se passa com o personagem Logan Roy. Mesmo enfrentando um problema grave de saúde, ele não consegue desapegar do cargo e entregar o comando do conglomerado que construiu aos herdeiros.

Para esses líderes, ter de passar o bastão é como ter de aceitar o próprio envelhecimento e lidar com a morte. Isso é difícil para todos, mas especialmente para narcisistas destrutivos. Como reação, eles se agarram ainda mais ao poder ao invés de planejar o processo sucessório, o que acaba sendo muito prejudicial para a empresa.

Outro motivo apontado para o CEO se recusar a entregar o poder é o medo de que o sucessor não dê continuidade ao legado, destruindo o que foi construído ao longo dos anos.

Sigmund Freud, em seus estudos, admitiu a existência de lado sombrio do narcisismo, que é a adoração exacerbada do eu. Pessoas narcisistas, segundo o pai da psicanálise, são muito desconfiadas e não conseguem criar vínculos emocionais saudáveis com outras pessoas.

Líderes implacáveis

São líderes inflexíveis e que almejam sempre, acima de tudo e de todos, a vitória. Perder é um verbo que não faz parte do dicionário do líder narcisista e a série Succession retrata com nitidez essa característica em Roy Logan. Em uma cena, ao participar de um jogo com o neto, um menino de cerca de 8 anos, e perceber que vai perder, ele se sente ameaçado e parte literalmente para o ataque: agride fisicamente a criança.

Na condução dos negócios, gestores narcisistas destrutivos afastam os melhores colaboradores, pois não toleram o sucesso dos subordinados, sejam eles profissionais, sejam seus próprios filhos. Impedem o desenvolvimento de sua equipe e insistem em agir do seu próprio modo. De maneira geral, os líderes narcisistas têm dificuldades em lidar com as próprias emoções e são avessos às críticas.

Não é exagero dizer que o mal das organizações do século 21 são os líderes narcisistas, mas eles só são identificados quando estão no poder.

Ambiente tóxico

Para Kets de Vries, um número significativo de executivos seniores têm algum tipo de transtorno de personalidade. A tese de mestrado de Fernanda Pomin, Sobrevivendo à liderança narcisista, apresentada ao Insead em 2019, traz alguns dados interessantes sobre isso. Segundo a autora, aproximadamente 1% da população se enquadra na categoria de psicopata e cerca de 3,9% dos profissionais que trabalham no mundo corporativo podem ser descritos como psicopatas.

Quando não é controlado, o narcisismo pode destruir a organização, além de abalar a moral de quem trabalha sob o comando desse tipo de liderança. Num ambiente tóxico, é natural que os subordinados de lideranças narcisistas se sintam desmoralizados e infelizes.

Sabemos que a longevidade de empresas familiares está diretamente ligada às relações familiares saudáveis, fundamentais para proporcionar mudanças verdadeiramente eficazes e positivas no empreendimento, ao longo do tempo. Se por um lado, muitas empresas familiares não conseguem planejar uma transição suave por meio de uma gestão narcisista, por outro, são inúmeros os casos de grupos familiares que fizeram ou estão fazendo processos sucessórios bem-sucedidos, seja envolvendo os herdeiros ou uma gestão profissional.

Gostou do artigo de Nelson Cury Filho? Confira conteúdos semelhantes assinando nossas newsletters e escutando nossos podcasts em sua plataforma de streaming favorita.

Compartilhar:

Autoria

Colunista Nelson Cury Filho

Nelson Cury Filho

É sócio-proprietário da Cedar Tree Family Business Advisors e da Consilium Family Office Advisros. Graduado em gestão de recursos humanos e mestrado em consulting and coaching for change pela INSEAD Business School, na França, trabalhou por mais de 20 anos como executivo no conglomerado de empresas de sua família. Especialista em governança Familiar e no desenvolvimento da família empresária, cursou diversos programas como parceria para o desenvolvimento do acionista-PDA e desenvolvimento de conselheiros-PDC, pela Fundação Dom Cabral-FDC. É certificado internacionalmente em Family Business advisor pelo Family Firm Institute-FFI, de Boston (USA). É fundador do Fórum Brasileiro da Família Empresária-FBFE.

Artigos relacionados

Imagem de capa Liderança com propósito e ambidestria são chaves para seguir empreendendo em 2024

Liderança

07 Fevereiro | 2024

Liderança com propósito e ambidestria são chaves para seguir empreendendo em 2024

Compreender o passado, para refazer o futuro e alinhado com propósitos necessários que 2024 precisa

Fábio Hayashi

4 min de leitura

Imagem de capa Você exerce uma liderança inclusiva?

Liderança

02 Fevereiro | 2024

Você exerce uma liderança inclusiva?

Um novo mundo pede um novo estilo de liderança e a tarefa não é fácil. Envolve ações cruciais de nossa capacidade humana e contínua tarefa nossa aliarmos isso aos nossos propósitos

Neivia Justa

3 min de leitura

Imagem de capa Caito Maia e o perfil do CEO da nova economia

Liderança

08 Dezembro | 2023

Caito Maia e o perfil do CEO da nova economia

Os líderes de empresas de tecnologia não têm o monopólio da liderança adequada à nova economia. Confira o porquê nesta conversa aberta sobre tecnologia, sustentabilidade, arte, negócios e gestão de pessoas com o fundador e CEO da Chilli Beans

Leonardo Pujol

9 min de leitura

Imagem de capa Cultura de desenvolvimento para o crescimento sustentável da organização

Cultura organizacional

27 Novembro | 2023

Cultura de desenvolvimento para o crescimento sustentável da organização

Empresas que buscam progresso sustentável e relevância no mercado atual, aplicam a cultura de desenvolvimento investindo no crescimento dos colaboradores. A estratégia é fundamental para a formação de líderes capazes de guiar a organização rumo ao futuro

Fabiana Ramos

3 min de leitura

Imagem de capa Franchising, varejo e cultura: de gestor para gestor

Cultura organizacional

21 Novembro | 2023

Franchising, varejo e cultura: de gestor para gestor

Para criar uma cultura de franchising sólida, a empresa deve ter clareza de papéis e responsabilidades de todas as partes envolvidas na cadeia. E isso só é possível a partir da orquestração de conhecimento técnico específico, engajamento das partes envolvidas e decisão estratégica de fazer dar certo

Ana Flavia Martins

4 min de leitura