Foram muitas as adaptações que fizemos desde o início da pandemia, e comigo não foi diferente, especialmente quando meus dois filhos começaram o ensino remoto. Dentre as adaptações, foi preciso transformar um quarto, que antes era um home office, em um dormitório para o filho.
Essas mudanças levaram meu escritório para dentro do meu quarto, literalmente. Montei minha mesa de trabalho próxima à janela e minha rotina começava e terminava por ali, com algumas passagens pela cozinha, banheiro, verificando se as crianças estavam acompanhando as aulas. A atividade física acontecia no corredor e na sala, como pular corda, jogar bola e brincar de pega-pega.
Quando as aulas retornaram ao presencial, cada filho estava com seu quarto individual e meu “escritório” continuava ali, dentro do meu quarto.
É fato que o home office traz comodidades e que também pode ser a causa de diversos transtornos psicológicos. “De acordo com pesquisa de uma empresa suíça de recursos humanos que reuniu 15 mil pessoas em diversos países, 38% dos entrevistados relataram ter sofrido da síndrome de burnout ao longo de 2021. 32% também disseram ter uma piora ‘significativa’ da saúde mental trabalhando de casa”, apontou a CNN.
## Um relato pessoal de burnout
Foi em agosto de 2021 que alguns sintomas vieram mostrar que essa rotina de responsabilidades acumuladas estava exigindo mais do que meu corpo e minha mente conseguiam entregar. Começou com noites insones, madrugadas em que eu ficava — mentalmente — respondendo e-mails enquanto me revirava na cama. Comecei a emagrecer pois não conseguia me alimentar direito e as corridas eram praticamente os únicos momentos que conseguia ficar sozinha e ao ar livre.
Sentia muita falta de ar, minhas mãos suavam e estava tão cansada que me arrastava pela casa, sem poder de reação, apenas cumprindo as tarefas básicas exigidas pela rotina de duas crianças pequenas.
O que eu mais precisava naquele momento era de uma pausa. O mais difícil para mim foi não ter encontrado apoio de quem estava comigo à época.
A síndrome de Burnout é reconhecida como um fenômeno relacionado ao trabalho pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A aceitação dessa condição passou a valer neste mês de janeiro de 2022, com a vigência da nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11).
“A síndrome é definida pela OMS como “resultante de um estresse crônico associado ao local de trabalho que não foi adequadamente administrado”. Conforme a caracterização da entidade, há três dimensões que compõem a condição.
A primeira delas é a sensação de exaustão ou falta de energia. A segunda são sentimentos de negativismo, cinismo ou distância em relação ao trabalho. A terceira é a sensação de ineficácia e falta de realização.
Além da sensação de ineficácia, o burnout pode ser ainda mais agravado quando nossa jornada múltipla de trabalho é minimizada e se torna invisível aos olhos dos outros, especialmente por quem está a seu lado, vendo tudo e desqualificando os sintomas, por mais evidentes que sejam.
No mais, a administração do tempo é uma das habilidades que mais requer atenção e dedicação.
### Mulheres à beira de um ataque de nervos
Dados recentes focados no burnout em mulheres são preocupantes. Segundo uma pesquisa feita pela plataforma LinkedIn com quase 5 mil americanos, 74% das mulheres disseram que estavam muito ou razoavelmente estressadas por motivos ligados ao trabalho, em comparação com apenas 61% dos empregados do sexo masculino que responderam à pesquisa.
Patrícia Motta é criadora da página do instagram [@reflexoesdeequilibrio](https://www.instagram.com/reflexoesdeequilibrio/) e conta que desde que lançou o perfil para falar sobre síndrome de burnout e equilíbrio, pouco antes da pandemia, recebeu 17% dos depoimentos de homens, enquanto 83% eram mulheres. “Se olharmos apenas para o período durante a pandemia, as mensagens sobre burnout que chegaram a mim foram 100% de mulheres”, afirma.
Uma análise separada da empresa de consultoria Great Place to Work e da startup de saúde Maven observou que mães com empregos remunerados têm 23% mais chances de sofrer de burnout que pais empregados.
Resultados da pesquisa Women in the Workplace 2021, feita pela consultoria McKinsey & Company e pela organização LeanIn com mais de 65 mil pessoas entrevistas de 423 empresas nos Estados Unidos e Canadá, concluíram que 42% das mulheres sofrem com sintomas da síndrome de burnout. Entre os homens, a taxa foi de 35%. Em 2020 e 2019, os índices eram de 32% e 28%.
Desde o começo da pandemia, estima-se que 2,35 milhões de mães que trabalham fora nos Estados Unidos sofreram de esgotamento profissional, especificamente “devido às demandas desiguais da casa e do trabalho”, mostrou a análise reportada pela BBC.
“O assunto é um tabu, e poucos se sentem confortáveis de falar sobre, ainda mais sem o diagnóstico” lembra Patrícia Valéria — nome foi alterado para manter o sigilo do depoimento — uma publicitária de 25 anos.
Ela entrou numa nova empresa no começo da pandemia e o alto volume de entregas, aliado ao home office, contribuiu para sua sobrecarga de trabalho: “levava meu celular para o banheiro, que ficava dentro do meu quarto. Minha chefe e os grupos ficavam cobrando respostas imediatas e essa pressão começou a refletir em crises de choro e de ansiedade. Após consultar uma médica e me medicar, cheguei ao ponto de me tratar com ansiolítico controlado, quase todos os dias! Era uma situação de quase paralisia. Optei por mudar de emprego, ganhando menos e com uma melhor qualidade de vida”.
O que os dados e os fatos comprovam é que ainda enfrentamos uma desigualdade nas atribuições sociais entre os gêneros, fator esse que evidencia o peso social que recai sobre os ombros femininos.
Falar sobre gênero também é fundamental quando o escritório e a casa estão cada vez mais juntos e misturados.
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