Em um ambiente corporativo de uma empresa de médio porte especializada em tecnologia da informação, uma crise de engajamento entre os funcionários começou a se agravar. Relatórios internos apontaram uma queda acentuada na produtividade e um aumento na rotatividade, ameaçando a sustentabilidade do negócio. Preocupada com os impactos negativos nos resultados financeiros e na reputação organizacional, a alta liderança reconheceu a urgência da situação e decidiu adotar medidas rápidas e estratégicas para reverter o cenário.
Durante uma reunião estratégica, foi proposta uma solução aparentemente lógica: implementar um robusto programa de metas rígidas aliado a um sistema de avaliações trimestrais com feedback focado no desempenho individual. A expectativa era que essa abordagem ajudasse os funcionários a se concentrar em objetivos claros e restaurasse rapidamente a produtividade.
Com entusiasmo, o programa foi iniciado. Relatórios mensais passaram a monitorar a produtividade individual, gestores receberam treinamento para fornecer feedback padronizado focado em identificar falhas e sugerir melhorias específicas, e a liderança comunicou que promoções e benefícios dependeriam de métricas objetivas de desempenho. No entanto, o impacto dessa estratégia foi muito diferente do que os líderes haviam previsto.
Nas primeiras semanas, houve um discreto aumento na produtividade, com os funcionários se empenhando em atingir metas e melhorar suas avaliações. Contudo, logo surgiram problemas: a rigidez das metas ignorava a variabilidade e a complexidade do trabalho realizado, levando os colaboradores a priorizarem tarefas simples e de curto prazo, que contribuíam diretamente para suas métricas, em detrimento de projetos mais desafiadores e inovadores. Feedbacks padronizados focados exclusivamente em lacunas de desempenho geraram um clima de desconfiança, desmotivando a equipe.
Enquanto isso, os processos organizacionais profundamente enraizados começaram a interferir de formas inesperadas. A estrutura hierárquica da empresa, já percebida como rígida, intensificou os impactos negativos das mudanças. Funcionários passaram a evitar interações colaborativas, temendo que seus esforços fossem atribuídos a colegas e não considerados em suas próprias avaliações. A transparência, antes um pilar da cultura organizacional, cedeu espaço a silos e rivalidades internas.
Nos corredores, rumores começaram a circular. Alguns sugeriam que a nova política era apenas um pretexto para justificar futuros cortes, enquanto outros acreditavam que a liderança estava mais preocupada em proteger seus próprios bônus de desempenho. Essas narrativas se disseminaram rapidamente, alimentando um ciclo crescente de insegurança e insatisfação.
Simultaneamente, as políticas de crescimento e carreira permaneceram desatualizadas, incapazes de atender às novas demandas impostas pelo programa. Muitos funcionários expressaram frustração com a ausência de oportunidades claras de desenvolvimento, sentindo que o foco excessivo em resultados de curto prazo obscurecia qualquer possibilidade de progresso significativo em suas trajetórias profissionais. Sessões de feedback, que deveriam promover aprendizado e aperfeiçoamento, tornaram-se rituais mecânicos, desconectados das aspirações e contextos individuais.
Com o tempo, os impactos negativos se intensificaram. A taxa de rotatividade disparou, especialmente entre os talentos mais experientes, que procuravam ambientes de trabalho mais saudáveis e recompensadores. Projetos importantes foram atrasados ou abandonados devido à falta de colaboração efetiva, e a reputação da empresa no mercado de trabalho começou a se deteriorar, dificultando a atração de novos talentos.
O que podemos aprender com essa história?
A história dessa empresa ilustra os riscos de ignorar os efeitos da obliquidade em sistemas sociais. Esse conceito sugere que, em sistemas complexos, os resultados frequentemente são alcançados de forma indireta, por meio de processos não lineares e adaptativos. Diferentemente da abordagem linear e mecanicista, que busca atingir metas por meios diretos e previsíveis, a obliquidade reconhece que a interação entre múltiplos agentes, as dinâmicas de retroalimentação e a imprevisibilidade emergente tornam as estratégias lineares insuficientes em ambientes complexos.
O chamado ‘efeito cobra’ também ajuda a compreender o que ocorreu nessa empresa. O termo descreve situações em que uma intervenção planejada para resolver um problema acaba agravando-o ou gerando novos problemas, devido a consequências não intencionais. Esse fenômeno evidencia os desafios de prever e controlar o comportamento de sistemas sociais e econômicos complexos, onde as interações entre agentes e variáveis podem produzir resultados contrários às intenções originais.
A origem do termo remonta a um episódio histórico na Índia colonial britânica, onde as autoridades tentaram reduzir a população de cobras oferecendo recompensas financeiras por cada animal morto. Em resposta, algumas pessoas passaram a criar cobras para matá-las e receber a recompensa. Quando o governo percebeu o problema e encerrou o programa, as cobras criadas foram liberadas, resultando em um aumento ainda maior da população na região.
O efeito cobra exemplifica o impacto de feedbacks não previstos em sistemas sociais complexos. Esses sistemas são marcados por interações não lineares, múltiplos agentes com interesses variados e a dificuldade de antecipar o impacto total de mudanças em qualquer parte do sistema. Sem um monitoramento atento das possíveis respostas adaptativas dos envolvidos, intervenções podem gerar incentivos perversos que não apenas agravem a situação inicial, mas também introduzam novos problemas.
A natureza dos problemas complexos
Sob a ótica do Cynefin Framework, um sistema complexo se caracteriza por ser um ambiente em que as relações de causa e efeito não são imediatamente perceptíveis ou previsíveis, mesmo após análise detalhada. Na prática, qualquer entendimento dessas relações só se torna possível em retrospecto, ou seja, ao examinar eventos que já ocorreram. Isso se deve ao fato de que sistemas complexos são dinâmicos, adaptativos e compostos por múltiplos agentes interconectados, cujas interações geram comportamentos emergentes. Esses comportamentos não podem ser explicados apenas pelas características individuais de seus componentes.
Enfrentar problemas complexos de forma direta pode resultar em desperdício de energia, já que o sistema reage e se modifica a cada intervenção. Assim, é essencial identificar e atuar nos vetores capazes de influenciar mudanças de estado dentro do próprio sistema. Vale destacar que problemas complexos nunca têm uma única causa, e uma causa, por sua vez, pode gerar múltiplos efeitos desconhecidos.
Reconhecer as características de um contexto complexo ajuda a evitar armadilhas como visões macro-reducionistas, exemplificadas pela clássica conclusão: “o problema é a cultura!”. Da mesma forma, abordagens micro-reducionistas, que atribuem a culpa a indivíduos ou comportamentos específicos, também são prejudiciais. Em um sistema social complexo, é fundamental entender que até mesmo decisões individuais são moldadas pela coletividade — um conjunto de formas de pensar e agir compartilhadas dentro de uma organização.
O que podemos fazer de forma diferente?
Retornando à empresa mencionada no início do texto, seus líderes, após gerar considerável desperdício, perceberam que os problemas de engajamento e produtividade não poderiam ser resolvidos com uma solução simples e direta. A situação era, na verdade, resultado de um emaranhado de fatores interconectados: uma estrutura organizacional centralizadora, processos e rituais que privilegiavam a conformidade em detrimento da criatividade, políticas de carreira desalinhadas com as expectativas dos funcionários e até mesmo rumores e narrativas não intencionais que permeavam o ambiente de trabalho. Cada um desses elementos, embora parecessem secundários à primeira vista, contribuíam para formar um sistema complexo onde os problemas se reforçavam mutuamente.
A navegação em contextos complexos exige a adoção de práticas adaptativas, como o método “probe-sense-respond” (investigar, perceber e responder). Essa abordagem começa com pequenos experimentos que exploram o sistema, identificam padrões emergentes e avaliam como o sistema responde a diferentes intervenções. As descobertas obtidas são usadas para ajustar as ações subsequentes, permitindo uma adaptação contínua conforme o sistema evolui.
Abordar problemas complexos de forma indireta significa explorar um emaranhado de fatores que podem estar influenciando uma determinada situação. Exemplos recorrentes, como o baixo engajamento ou a saída indesejada de talentos de uma empresa, ilustram esse tipo de desafio. Problemas complexos como esses não são resolvidos simplesmente com uma única ação.
Com base em minha experiência em companhias semelhantes à mencionada na história acima, tem sido indispensável explorar diferentes níveis de fatores ambientais, como mercado, processos internos, estrutura organizacional, evolução profissional, motivadores intrínsecos, políticas de remuneração, benefícios, tecnologias, comportamento das lideranças e até mesmo hábitos informais e inconscientes enraizados na cultura organizacional.
A execução de safe-to-fail probes (experimentos seguros para falhar) é uma abordagem fundamental para lidar com a complexidade e a imprevisibilidade de sistemas sociais complexos. Esses experimentos consistem em pequenas intervenções projetadas para testar hipóteses em paralelo, permitindo aprendizado com os resultados enquanto minimizam os riscos associados a eventuais falhas. Essa prática não apenas reduz os impactos negativos das falhas, mas também possibilita o monitoramento de resultados oblíquos — efeitos colaterais ou inesperados que podem surgir de tais intervenções.
Reconhecer esses efeitos oblíquos em sistemas complexos é essencial para evitar decisões estratégicas equivocadas. Nesses sistemas, as interações entre os componentes frequentemente geram resultados inesperados ou desproporcionais às intenções originais. Ignorar essas dinâmicas pode resultar em consequências indesejadas, desperdício de recursos e falhas estratégicas que poderiam ser evitadas por meio de uma compreensão mais profunda da complexidade inerente ao ambiente corporativo.