Liderança

Programas de talentos: derrubem os estereótipos

Algumas empresas já perceberam que, ou mudam a regra do jogo, ou ficarão estagnadas
Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: *Grandes líderes de lessoas*, *25 anos de história da gestão de pessoas* e *Negócios nas melhores empresas para trabalhar*, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

Compartilhar:

Chamou atenção o anúncio do Magazine Luiza em selecionar apenas negros para o seu novo programa de trainees. Entre aplausos e revolta, o programa foi de inovador e disruptivo a ilegal e preconceituoso. Sem entrar no mérito do que é certo ou justo, gostaria de levantar apenas um ponto: por que a atitude do Magalu incomodou tanto a sociedade e ganhou tanta repercussão nas mídias? Porque ela rompe com um modelo mental de anos sobre quem é o jovem talento que se espera participar de um programa de trainees. 

Em minha trajetória profissional, pude acompanhar muitas companhias e conhecer de perto suas políticas e práticas de gestão de pessoas. Escrevi mais de cinquenta reportagens só sobre jovens talentos, seus perfis, competências e ambições. Durante mais de vinte anos, as empresas multinacionais ou gigantes nacionais, como o Magazine Luiza, buscavam selecionar jovens recém-formados em engenharia ou administração de empresas, de preferência em faculdades top de linha, com inglês avançado ou fluente, geralmente lapidado por intercâmbios no exterior realizados durante o Ensino Médio, e com um mínimo de experiência profissional. 

Num mercado que desenhava vagas baseadas apenas em hard skills, o profissional precisava preencher as lacunas exatas das competências exigidas. É claro que na fase de entrevistas a história pessoal de cada um e a empatia faziam diferença, mas a famosa peneira dos acirrados programas de trainees buscava selecionar, em sua esmagadora maioria, jovens com histórias de vida muito parecidas. A competitividade era vista como um traço de ambição saudável para a formação de futuros executivos de sucesso. Saíam na frente – e muito na frente – quem sabia (e podia) se alimentar com os ingredientes desejáveis para saciar a fome de poder. 

## Liderança homogênea

O resultado de anos de busca pelo mesmo tipo de talento traduziu-se numa liderança com perfil homogêneo em grande parte das organizações. Dentre as 150 Melhores Empresas para Trabalhar no Brasil de 2019, por exemplo, dos 150 CEOs, 47 eram formados em Engenharia, 38 em Administração de Empresas, 13 em Economia, 9 em Ciências Contábeis e 8 em Ciência da Computação. Em sua maioria homens (135 homens x 15 Mulheres) e brancos. Dentre as lideranças, incluindo aqui cargos de diretores, gerentes e supervisores, a mesmice se repete: 44% de administradores e 28% de engenheiros. Maioria composta também por homens brancos. 

Num mundo que muda exponencialmente e já dá claros sinais de que precisaremos de uma mão de obra diversa, nós ainda nos comportamos analogicamente esperando formar e receber os mesmos padrões de profissionais estabelecidos no passado. O que não nos damos conta é que se repetirmos a mesma fórmula de vinte anos atrás não sobreviveremos nos próximos vinte. Provavelmente nem nos próximos cinco anos. Cabeças iguais nascidas em berços iguais dificilmente irão encontrar soluções diferentes. Algumas empresas já entenderam, portanto, que ou mudam seu estereótipo de talento ou ficarão estagnadas. 

O Magazine Luiza não é o único a romper com o modelo do jovem talento defendido por muitos anos por grande parte das companhias mundo afora. A Bayer, uma das pioneiras a levantar a bandeira étnico-racial, também abriu um programa de trainees e outro de mentoria exclusivamente para negros. A Nestlé deixa claro em sua página do programa que busca talentos diversos *“não importa se você é black power ou indie, escuta um pagodinho, curte salto alto ou All Star”.* A Movile, um ecossistema de empesas de tecnologia, como IFood, PlayKids e Zoop, enfatiza que o inglês não é um pré-requisito e que o recrutamento é feito às cegas. Ambev e Johnson & Johnson também retiraram a obrigatoriedade do inglês nos seus programas de trainees. E a Porto Seguro, embora coloque o inglês como desejável, reforça em primeiro lugar as atitudes desejadas no candidato: influência, humildade e ser conectado com tendências de mercado. As *soft skills* chamam mais a atenção do que as *hard skills.*

A iniciativa dessas empresas em derrubar algumas fortes barreiras de entrada – sejam elas objetivas ou inconscientes – é uma forma inteligente de se adaptar e responder às mudanças do mundo e dos negócios. É preciso ter jovens com mais brilho nos olhos do que sangue nos olhos. Com mais vontade de pôr a mão na massa e aprender, do que esperar um cargo alto no final do programa – promessa oferecida como o grande prêmio para os melhores. Como ouvi recentemente de uma executiva de recursos humanos, é preciso usar botina e salto alto – sem medo, pudor ou nojo. 

Durante anos, os programas de trainees formaram os executivos que o mercado precisava. Só que o mercado mudou. Os negócios pedem agilidade e múltiplos olhares para descobrir várias alternativas. Quanto mais diversidade de pensamento, de origem e de vida houver, mais possibilidades de rotas sua empresa tende a encontrar. Se não quiser, portanto, adotar esse caminho por justiça, que adote ao menos por inteligência.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Zuckerberg e seu império

Leia esta crônica e se conscientize do espaço cada vez maior que as big techs ocupam em nossas vidas

Liderança
Rússia vs. Ucrânia, empresas globais fracassando, conflitos pessoais: o que têm em comum? Narrativas não questionadas. A chave para paz e negócios está em ressignificar as histórias que guiam nações, organizações e pessoas

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Empreendedorismo
Macro ou micro reducionismo? O verdadeiro desafio das organizações está em equilibrar análise sistêmica e ação concreta – nem tudo se explica só pela cultura da empresa ou por comportamentos individuais

Manoel Pimentel

0 min de leitura
Gestão de Pessoas
Aprender algo novo, como tocar bateria, revela insights poderosos sobre feedback, confiança e a importância de se manter na zona de aprendizagem

Isabela Corrêa

0 min de leitura
Inovação
O SXSW 2025 transformou Austin em um laboratório de mobilidade, unindo debates, testes e experiências práticas com veículos autônomos, eVTOLs e micromobilidade, mostrando que o futuro do transporte é imersivo, elétrico e cada vez mais integrado à tecnologia.

Renate Fuchs

4 min de leitura
ESG
Em um mundo de conhecimento volátil, os extreme learners surgem como protagonistas: autodidatas que transformam aprendizado contínuo em vantagem competitiva, combinando autonomia, mentalidade de crescimento e adaptação ágil às mudanças do mercado

Cris Sabbag

7 min de leitura
Gestão de Pessoas
Geração Beta, conflitos ou sistema defasado? O verdadeiro choque não está entre gerações, mas entre um modelo de trabalho do século XX e profissionais do século XXI que exigem propósito, diversidade e adaptação urgent

Rafael Bertoni

0 min de leitura
Empreendedorismo
88% dos profissionais confiam mais em líderes que interagem (Edelman), mas 53% abandonam perfis que não respondem. No LinkedIn, conteúdo sem engajamento é prato frio - mesmo com 1 bilhão de usuários à mesa

Bruna Lopes de Barros

0 min de leitura
ESG
Mais que cumprir cotas, o desafio em 2025 é combater o capacitismo e criar trajetórias reais de carreira para pessoas com deficiência – apenas 0,1% ocupam cargos de liderança, enquanto 63% nunca foram promovidos, revelando a urgência de ações estratégicas além da contratação

Carolina Ignarra

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O SXSW revelou o maior erro na discussão sobre IA: focar nos grãos de poeira (medos e detalhes técnicos) em vez do horizonte (humanização e estratégia integrada). O futuro exige telescópios, não lupas – empresas que enxergarem a IA como amplificadora (não substituta) da experiência humana liderarão a disrupção

Fernanda Nascimento

5 min de leitura
Liderança
Liderar é mais do que inspirar pelo exemplo: é sobre comunicação clara, decisões assertivas e desenvolvimento de talentos para construir equipes produtivas e alinhada

Rubens Pimentel

4 min de leitura