Dossiê HSM

Propósito e trabalho, o casamento atual

Em entrevista exclusiva para HSM Management, Lisiane Lemos, gerente de diversidade, equidade e inclusão do Google para a América Latina, indicou as melhores práticas tanto para empresas quanto para profissionais navegarem no espírito deste tempo com relação à carreira e ao trabalho
Maria Clara Lopes é colaboradora da revista HSM Management.

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Você já deve ter ouvido esse comentário: “Se as empresas não são mais leais aos colaboradores, os colaboradores não são mais leais às empresas”. É uma meia verdade. A carreira mudou: se era norteada pelo valor da lealdade, agora comporta um arco-íris de valores. Se muitas vezes acontecia na inércia, ou *ad hoc*, agora é intencional, e protagonizada pelo profissional. Se antes existia apenas da porta para dentro das empresas, agora evolui da porta para fora, inclusive nas redes sociais. Todo profissional virou um influencer de si mesmo.

Mapeadas em estudos como o *[What’s next 2021 – Tendências e impactos da mudança](https://www.inovaconsulting.com.br/wp-content/uploads/2021/10/Whats-Next-Report-2021-Dir-2030.pdf)*, da Inova Consulting, essas tendências já são percebidas. Dados da pesquisa *[Esperanças e temores 2021](https://www.pwc.com.br/pt/estudos/servicos/consultoria-negocios/2021/esperancas-e-temores-2021.html)*, na qual a PwC entrevistou mais de 32 mil pessoas em todo o mundo, também validaram o desejo por um emprego com propósito. Nada menos do que 75% dos entrevistados querem trabalhar em uma organização que contribua positivamente para a sociedade, sentimento presente em todas as faixas etárias.

No entanto, a carreira deste tempo também associa impacto ao equilíbrio financeiro. E esse foi um dos conselhos que Lisiane Lemos, gerente de diversidade, equidade e inclusão do Google para a América Latina, ela mesma um exemplo de construção de carreira afinado com o espírito do tempo, trouxe em entrevista para __HSM Management__. A seguir, destaques da entrevista com Lemos, selecionados a partir de tendências apontadas pelo estudo da Inova Consulting.

## Participação ativa, propósito e autenticidade
Enquanto as gerações mais jovens desejam atuar na solução dos problemas do mundo, há pessoas e empresas que buscam uma forma única e autêntica de fazer a diferença. Ambos fazem parte da história de Lisiane Lemos, representados nas causas que defende: o protagonismo da mulher e das pessoas negras.

Se no começo esse ativismo estava mais presente em sua vida pessoal, inspirada por sua família, hoje orienta sua carreira, com a recente promoção para assumir a cadeira de DEI no Google. “Confesso que fui resistente em sentar na cadeira de diversidade e inclusão. Foi difícil entender que eu poderia tornar o propósito um trabalho, achei que eu deixaria de ser uma pessoa de negócios e vi que continuo com esse foco, usando a expertise em outra atividade.”

Para ela, existe, sim, uma relação entre propósito e trabalho, algo mais raro no início da carreira. “Quando você precisa pagar as contas, às vezes não dá. Vai ter que servir companhias que não estão alinhadas com o que você pensa por um tempo.” Para ela, pessoas com carreiras mais maduras “se preparam para fazer esse movimento e podem bancar suas decisões, por mais que o tema esteja na mente das novas gerações”, avalia. Essa percepção é validada pela pesquisa da PwC. Entre uma opção ou outra, 54% dos entrevistados escolheriam maximizar a renda, enquanto 46% prefereriam um emprego no qual pudessem fazer diferença. Na faixa dos 18 aos 34 anos, a preferência por renda é ainda maior: 57% fariam essa opção.

## Protagonismo
Esse desejo de fazer diferença leva a outra característica do tempo atual: o protagonismo. Ser protagonista da própria vida demanda reflexão e autoconhecimento {veja quadro abaixo}. “Nesses últimos dois anos, o desejo por uma transição de carreira aumentou porque a gente teve tempo de olhar para a gente mesmo”, reflete ela.

Cinco perguntas para orientar sua carreira

A reflexão ajuda a tomar decisões mais assertivas e em sintonia com seus valores pessoais.

Em tempos que demandam adaptabilidade, é preciso revisitar os fundamentos de sua carreira. Rebecca Zucker, sócia-fundadora da Next Step Partners, diz que é preciso reflexão para construir uma carreira de forma proativa, baseada em intenções. Em artigo para a Harvard Business Review, ela propôs cinco perguntas que ajudam a sair do piloto automático.

1. Quão realizado eu estou?
Você encontra significado e propósito no trabalho? A ideia dessas perguntas é avaliar se você vivencia valores importantes e que representam quem você é. Zucker sugere listar esses valores principais e pontuar, em uma escala de 1 a 10, o quanto e como eles estão sendo expressos em seu trabalho. E depois, o que pode ser feito para eles serem vividos com mais intensidade.

2. Como estou aprendendo e me desenvolvendo?
O aprendizado é base para construir expertise e competências. Zucker sugere avaliar o processo com perguntas como: “Você está construindo expertise em sua função? O que você aprendeu no último ano? O que deseja? Quais investimentos (seu ou da organização) você fará? Que ações serão postas em prática para apoiar esse aprendizado?

3. Estou indo na direção certa?
É comum perder de vista o foco da carreira. Oportunidades tentadoras levam a decisões impulsivas e desconectadas da visão de futuro, e a carreira se torna mais aleatória do que intencional. Para ser menos reativo, pense no que quer para a carreira em até cinco anos. Essa consciência apoia a tomada de decisão.

4. Quais sementes eu preciso plantar agora?
O sucesso costuma ser fruto da soma de ações pequenas e regulares ao longo do tempo, o que Zucker chama de “plantar sementes”. Algumas brotam logo, outras podem levar dez anos. É importante, com base na intenção, distribuir seu tempo para explorar e experimentar algo novo.

5. Quais relacionamentos eu preciso construir?
Cuidador narcisístico: cuida do outro para fortalecer a própria imagem. Quando assume esse papel, o cuidador narcisístico nega ao outro a possibilidade de fazer algo por conta própria (pois pressupõe que a entrega jamais será “tão boa” quanto a que ele mesmo faria).

Isso torna as carreiras mais voláteis, com mais autonomia e liberdade, diferente das gerações anteriores que ficavam na empresa até a aposentadoria, mudança recente para Lemos. “Minha geração está em transição, já a do meu irmão, oito anos mais novo, vê com naturalidade essas mudanças”, conta.

Há impactos nas empresas, que precisam se adaptar, inclusive na regulação de acordos. Hora de Lemos assumir seu lado advogada. “Talvez a legislação tenha de se adequar”, diz. “Por exemplo, uma pessoa CLT full time remote tem benefícios e sofre um acidente no exterior. O que se faz?”. Outra forma de vivenciar o protagonismo, as multicarreiras demandam flexibilidade das lideranças {veja mais abaixo}.

A personificação do zeitgeist de carreira

Carreira de Lisiane Lemos representa os diversos aspectos do trabalho no século 21.

Os leitores de HSM Management estão habituados a ter tendências antecipadas pela revista. Não foi diferente com as carreiras. A edição 142 já perguntava: “Plano multicarreira: sua empresa tem um?”. Dessa edição, retomamos um elemento típico do atual espírito do tempo: carreiras múltiplas, carreira mosaico, T-shaped e outros nomes que nomeiam o movimento de termos diversas formas de entregar valor enquanto profissionais.

Um desses termos é a anticarreira, definição criada pelo colunista do nosso site e autor do livro “Anticarreira”, o headhunter Joseph Teperman. Para ele, a carreira no sentido original – caminho estreito – é limitadora. O tempo atual, complexo, necessita de uma opção mais adaptativa. A anticarreira tem mais possibilidades, experiências e oportunidades, e permite que o profissional cresça à medida que o mundo muda. De certa forma, esse foi o caminho que Lisiane Lemos seguiu. “Eu tenho quatro empregos. Um deles é CLT, mas eu tenho múltiplas carreiras. Ao mesmo tempo em que estou aqui como gerente de diversidade, tenho uma carreira como professora, uma como palestrante, às vezes eu escrevo. E para mim essa é a graça da vida”, conta ela.

Para ela, as multicarreiras demandam flexibilidade e negociação entre as partes. “O cenário brasileiro tem de evoluir para abraçar essa multiplicidade”. Ela sugere que as lideranças se mostrem flexíveis ao negociar alternativas que contemplem ambas as partes. “Como gestora, eu tenho de me preparar, principalmente sob a ótica de flexibilidade e de regramento.”

Lemos coleciona, aos 32 anos, conquistas “anticarreiristas”: fez parte da lista Forbes Under 30, foi uma das 100 pessoas afrodescentes mais influentes do mundo na área de negócios e empreendedorismo e, desde 2020, é LinkedIn Top Voice. (Maria Clara Lopes)

O profissional também precisa ser claro desde o início. “Quando entrei na primeira companhia, falei que essa carreira (em DEI) era importante para mim”, disse. Em todas as empresas, as regras para essa divisão foram estabelecida desde o início. Para evitar questões legais e de compliance, ela recomenda oferecer segurança psicológica desde a entrevista.

## Colaboração e Cocriação
Neste espírito do tempo não há um super-herói isolado, mas heróis que trabalham juntos, compartilhando conhecimento e ideias que levam a soluções conjuntas, diz a Inova Consulting. Lemos concorda. “O futuro não tem aquela competitividade a todo o custo”, diz, reconhecendo que há concorrência pela melhor solução. “Compartilham-se melhores práticas, formam-se alianças envolvendo indivíduos e comunidades.”

Estudiosa de inovação, ela valoriza a cooperação entre concorrentes, divulgação de melhores práticas e abertura de benchmark. “Quando divulgamos o investimento do Google for Startups para o Black Founders Fund (programa de fomento a empresas com pessoas negras em seu quadro societário), meu desejo foi que meu concorrente fizesse uma ação tão bonita quanto essa para incentivar as comunidades”, conta. Na área de DEI, os benchmarks geram diálogos importantes. “É preciso estabelecer uma camada de governança que defina o que é dividido com a sociedade e o que fica guardado dentro de casa”, pondera.

## Incluindo a equidade
Do ponto de vista das empresas, Lemos relativiza a questão da falta de vagas para grupos minoritários. “A meu ver, as portas talvez estivessem ocultas, ou talvez não tenhamos conseguido oferecer uma plataforma a que pudessem (ter acesso)”, analisa. Para ela, a tecnologia pode ser uma grande aliada nesse sentido, ao aproximar candidato e vaga. “Usamos o digital como mecanismo de abertura de oportunidades para todas as pessoas, principalmente pobres, minorias, populações e grupos minorizados”, conta. Várias empresas estão investindo em ferramentas que evidenciam essas oportunidades, afirma Lemos, e também em qualificação e bancos de vagas para esses públicos.

Em um tempo em que o digital se sobrepõe ao físico e boa parte da vida acontece nas redes sociais, a presença online afeta diretamente a percepção de valor de um profissional. “Essa divisão entre marca pessoal e marca profissional é uma linha muito tênue. Tem uma ação do indivíduo de separar: aqui estou falando com meu crachá, aqui não estou”, diz Lemos, que se vê representando a empresa em todos os momentos. “É um cuidado que tem a ver com valores e a ótica do ESG, de se preocupar com a reputação. Se eu gosto da empresa e quero que ela seja sustentável, vou pensar: quais são as consequências de tudo o que eu falo, das palavras que uso, como as outras pessoas vão ver? Tem de ser colaborativo, ajudar a construir a sociedade e a empresa em que se quer trabalhar.”

Para Lemos, o filtro começa no alinhamento com o propósito e os valores da empresa. “Se está alinhado, dificilmente vai ter conflito pessoal com o que eu digo.” Na dúvida, ela sugere se inspirar no comportamento das lideranças que admira. Sua referência, nessas horas, é Luiza Trajano.

__Leia mais: [Relações no centro dos desafios organizacionais](https://www.revistahsm.com.br/post/relacoes-no-centro-dos-desafios-organizacionais)__

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