Contagem regressiva
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Quando um no time se cala por medo, todos perdemos

Em entrevista, a pesquisadora americana , e professora da Harvard Business School, Amy Edmondson, fala sobre a coragem de levantar temas difíceis no trabalho e aponta as vantagens que essa atitude traz para o negócio

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### 10 – Você escreveu um livro intitulado “A Organização sem Medo”. Coragem e ausência de medo são a mesma coisa?
São dois conceitos muito relacionados. É difícil falar de um sem o outro. Acho que é justo definir coragem como “a disposição para agir, mesmo quando você está com medo”. E você não precisaria de coragem se tivesse uma organização sem medo. A organização sem medo é uma aspiração, não uma realidade. Ela descreve uma organização mítica, na qual você não precisaria ter coragem, porque pareceria fácil falar francamente sobre suas preocupações, suas observações, suas ideias. É uma aspiração, improvável de se tornar realidade, por conta da natureza humana.

Penso na falta de medo e na coragem – ou a segurança psicológica, tema de minha pesquisa – como lados de uma mesma moeda valiosa. Você precisa de coragem para falar o que está pensando, mas nenhuma quantidade de coragem será suficiente para falar francamente se você acreditar que sua reputação ou sua carreira será colocada em risco.

Há muito trabalho que tem de ser feito nos dois lados dessa moeda. Queremos ajudar organizações a criar ambientes que sejam relativamente livres de medo interpessoal, para que, então, as pessoas possam mostrar seu lado corajoso.

### 09 – Por que precisamos de coragem no local de trabalho?
Primeiro, deixe-me descrever um local de trabalho no qual não precisamos de coragem: a linha de montagem criada por Henry Ford {para a fabricação do Ford Modelo T, em 1913} ou qualquer ambiente de produção da era industrial. Ali, não é preciso coragem, porque o trabalho é padronizado. Cada trabalhador recebe orientação precisa sobre o que fazer e quando. E não é necessário discutir e decidir com outras pessoas o que vai ser feito. São tarefas objetivas, ou seja, não dependem de interpretação.

Nesse tipo de ambiente, você só tem de dizer às pessoas: “isso é o que se espera que você faça. Se você não fizer, nós não vamos manter você na equipe”. Como as pessoas querem receber o pagamento, elas farão o que é pedido. Não é preciso coragem.

Agora vamos avaliar cada uma das características desse ambiente de trabalho: padronizado, individual, objetivo. Digamos que queremos um trabalho que requer capacidade de invenção, trabalho de equipe, conhecimento, significado. Digamos que queremos um trabalho cujo resultado é difícil de atingir no curto prazo – o resultado do tipo de pesquisa que eu faço, por exemplo, só será conhecido em alguns anos, quando será publicado, e eu vou poder saber se os dados que levantei têm algum valor.

Quando você tem um trabalho que exige capacidade de invenção e colaboração e tem uma natureza subjetiva, há um espaço enorme em que faz diferença se as pessoas se resguardam ou se engajam completamente. Eu posso compartilhar grandes ideias que eu tenho ou posso mantê-las comigo, porque não tenho certeza de que é seguro falar. Eu posso colaborar com você corajosa e abertamente ou eu posso dizer: “não estou certa do que você pensa de mim, então vou jogar na segurança”.
Se você tem um ambiente de trabalho em que há incerteza, interdependência e subjetividade e a necessidade de solucionar problemas novos, então você precisa da contribuição de todos. É melhor que as pessoas não sintam medo de falar.

### 08 – Por que precisamos de mais coragem no ambiente de trabalho hoje?
Porque o trabalho nunca foi tão incerto, interdependente, ambíguo. Quando há ambiguidade, é como se fosse a zona cinzenta, em que eu não sei se eu estou certa ou errada, não sei se você tem uma boa impressão a meu respeito, não sei o que os consumidores estão pensando ou o que os competidores estão fazendo. Quando há essa ambiguidade, a necessidade de assumirmos riscos interpessoais é maior, porque é quando eu tenho de fazer perguntas, dar ideias… E eu posso parecer ruim. O que aconteceu ao longo da última década e durante a pandemia é que a incerteza e a ambiguidade aumentaram, e com elas a necessidade de coragem.

### 07 – Em sua pesquisa e em sua experiência, o que faz a coragem diminuir?
A maior influência vem de nosso supervisor imediato, quando somos parte de um time. Quando essa pessoa age como se soubesse tudo, ou se ela fica muito irritada ou rígida quando as coisas dão errado – e elas vão dar errado, em um mundo tão incerto –, isso inibe a coragem e a disposição das pessoas em assumir riscos. Porque a maioria das pessoas não quer correr riscos. A própria definição de risco é “algo que pode acabar mal”. Se eu tiver a opção de me proteger, ficando quieta e mantendo minhas ideias comigo mesma, eu vou me proteger todas as vezes.

### 06 – O supervisor imediato é o principal responsável por estimular a coragem?
Eu diria que ele tem muita “influência”. A palavra “responsável” é muito ambígua na língua inglesa. Poderia significar que os supervisores têm a oportunidade de fazer a diferença, o que eu acredito que seja verdade. Mas também poderia significar que podemos culpá-los pelo que ocorrer, mas minha aposta é que eles são apenas ignorantes. Muito do comportamento horrível de gestores é apenas resíduo de lições que aprenderam cedo em suas carreiras sobre como um chefe deve agir. Eles podem ser responsáveis, mas podem não ser culpáveis. Eles podem influenciar, mas podem não estar fazendo isso de propósito. Eu diria que na maior parte das vezes não há intenção de agir assim. Eles não têm as habilidades e o treinamento para isso. Eles nunca pensaram a respeito! Ninguém nunca os ajudou a pensar nisso.

O problema para identificar um ambiente de medo é que você não consegue localizar a voz que nunca se pronunciou. É um problema invisível. Alguém se resguardou e ninguém nunca soube. O líder fica cego a respeito disso.

Os pares também exercem influência nisso. Se o time for formado por pessoas muito competitivas, neuróticas, este será um ambiente pouco prazeroso e, naturalmente, eu vou procurar navegar com cuidado. Se você tem um time que não tem um chefe, então os pares são tudo, e algumas vezes o comportamento aleatório de nossa história toma uma forma saudável ou pouco saudável.

### 05 – Como o C-level pode influenciar esse ambiente?
A influência deles é diluída em tudo o que acontece entre eles próprios e os trabalhadores da base, que geralmente são a maioria. O maior impacto vem da influência que exercem em seus subordinados diretos, que por sua vez influenciam outras pessoas. Mas claro que todo mundo olha para eles e, implícita ou explicitamente, percebe seu comportamento. Assim, eles deduzem como devem se comportar.

Os C-level são um modelo de comportamento. Se eles são curiosos, positivos, entusiasmados pelos clientes, eu vou seguir esse comportamento. Se são cínicos, arrogantes, o impacto será negativo.

### 04 -É possível criar segurança psicológica em meu time, mesmo que acima de mim as lideranças não se comportem de maneira positiva?
Com certeza. Você pode amortecer essa influência, porque eles não precisam ser diretamente impactados pelo C-level. De qualquer maneira, eles são mais impactados por você. Nesse caso, você pode se atentar para demonstrar interesse pelos outros, fazer perguntas, ouvir etc.

## 03 – Quais são os primeiros passos para criar mais coragem em seu ambiente?
Você cria mais coragem com mais vulnerabilidade. Você dá o exemplo, vai primeiro, dizendo coisas como: “Estas são minhas ideias, minhas preocupações, minhas inquietações, minhas dúvidas sobre nosso trabalho”. E então ir além para dizer: “Isto é o que eu acho que pode dar errado, por isso eu preciso tanto da ajuda e da opinião frequente de vocês, para produzirmos excelência”. Você mostra que não tem todas as respostas, que você sabe o quão desafiador é nosso ambiente de negócios.

Mas você não quer que as pessoas corram riscos estúpidos, irresponsavelmente. Queremos que as pessoas usem a coragem de forma pensada e analisada. A segurança psicológica tem a ver com tornar mais aceitável correr riscos interpessoais. Em resumo, se você quer reduzir os riscos do negócio, é melhor reduzir os riscos interpessoais no time. As pessoas que sabem o que está errado na linha de frente do negócio em geral são aquelas na base da hierarquia: vendedores, operadores etc. São elas que vão sentir os primeiros sinais de que a organização tomou atitudes que destroem valor junto aos clientes.

Se essas pessoas tiverem medo de falar, o risco do negócio aumenta. Há muitos exemplos de organizações em que o CEO foi mantido no escuro em relação a más notícias, e o resultado sempre foi trágico. Eles deduziram que tudo estava indo bem, porque ninguém disse o contrário. Você quer que as pessoas falem o mais cedo possível sobre possíveis problemas no horizonte. Um CEO disse que seu maior medo no cargo era não saber o que estava acontecendo. Esse é o maior risco possível.

### 02 – Em sua experiência, quais são os principais desafios para construir ambientes corajosos?
O maior desafio é o traço humano de acreditar que temos acesso à realidade objetiva. Eu não vejo que minha percepção é filtrada por minhas experiências pregressas, por minha cultura etc. Então nós achamos que conhecemos a realidade que nos cerca e que não somos naturalmente curiosos.

Quando somos adultos, temos essa sensação forte de “eu já sei”. E é difícil aprender algo quando você já sabe ou acha que sabe. No alicerce da coragem e da ausência de medo está a vontade de aprender. Se você quer ter uma organização que aprende, você precisa de gente corajosa, disponível para romper a rotina e as crenças e se interessar pelo que existe lá fora.

### 01 – A cultura organizacional tem impacto na segurança psicológica?
Sim e não. Cultura influencia, mas não é determinística. Há empresas com culturas fortes nas quais, quando você levanta os dados, percebe que a segurança psicológica varia entre os times. Isso nos diz que a cultura se infunde nos times, mas que a experiência interpessoal imediata importa muito.

Se quiser criar uma cultura voltada ao aprendizado, como a da Pixar ou da Southwest Airlines, você vai precisar de uma cultura de segurança psicológica. É o que Satya Nadella está fazendo com a Microsoft {ele é CEO da empresa desde 2014}. Ele realmente instaurou a ideia de querer ser uma empresa que aprende tudo, não uma que já sabe tudo. Quando enfatiza que todos precisamos aprender, ser curiosos, ajudar uns aos outros, você está ajudando a criar segurança psicológica. Isso incentiva os gestores a ser muito bons em gerir pessoas, não apenas em suas funções técnicas.

Cultura é uma porção de suposições, assumidas como se fossem verdades, em relação ao jeito como somos e ao que significa ser um bom profissional. Nem todas as
culturas são igualmente saudáveis. Se você tem uma cultura que valoriza o perfeccionismo, ou apontar o dedo para quem erra, essa cultura não ajuda muito. Eu acho que as mais saudáveis são aquelas que têm uma forte relação com a aprendizagem e a paixão pelo consumidor. Voltadas para fora. Tais empresas tendem a ser seguras internamente. “Quero muito ouvir você, porque a última coisa que eu desejo é causar problemas junto ao consumidor.”

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