Não é possível se tornar, por decreto, uma liderança que inclui as diversidades humanas. Pessoas inclusivas conhecem e convivem com a diversidade. Se você só convive, admira, interage, escuta e acompanha gente que se parece e pensa como você, como terá empatia por quem é diferente de você?
Empatia não é se colocar no lugar de outra pessoa, muito menos sentir a dor que ela sente. Dor é algo pessoal e intransferível e você nunca vai conseguir se colocar no lugar de outra pessoa, porque você não é a outra pessoa. Você não passou pelo que ela passou nem viveu o que ela viveu. Mas você pode ter respeito, interesse e curiosidade para escutar e entender as histórias e realidades de pessoas que trilharam caminhos diferentes do seu.
Quando você conhece e compreende todas as barreiras, desafios, exclusões e preconceitos enfrentados por alguém, você começa a ter empatia por essa pessoa. E a empatia é a porta de entrada da inclusão porque é ela que nos dá a consciência dos nossos privilégios, assim como da desigualdade de oportunidades e recursos, da negação dos direitos humanos que assola uma imensa parcela da população no Brasil e no mundo.
É impressionante a nossa capacidade de inconsciência, anestesia ou alienação perante a realidade que nos cerca. Nascemos, crescemos e aprendemos a enxergar, medir e julgar o mundo a partir do nosso ponto de vista. E assim, sequer percebemos, muito menos consideramos legítimas, perspectivas divergentes das nossas.
Comecei a ter consciência da falta absoluta de diversidade humana no ambiente corporativo quando assumi a liderança da comunicação da GE do Brasil, em 2011. Embora eu já fosse uma mulher líder há 16 anos, nunca tinha me perguntado por que não havia mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTI+ ou pessoas com deficiência nas posições de liderança e poder das empresas e instituições, fossem elas privadas ou públicas.
Fui convidada a participar da rede global de mulheres da empresa e a fundar, como aliada, o grupo LGBTI+ local. Apesar disso, me faltava empatia por aquelas discussões, pois eu seguia acreditando em meritocracia, repetindo aquele mantra de que “quem quer consegue: basta se esforçar, se dedicar ao máximo para realizar seus sonhos e atingir seus objetivos. Só depende do esforço individual.”
Demorei longos três anos para entender que a ideologia do mérito é uma das maiores fake news do mundo corporativo. Aliás, um belíssimo instrumento de manutenção do status quo: se só há homens brancos, heterossexuais, cisgêneros e sem deficiência nas posições de liderança, e eles só confiam, contratam e promovem homens com a mesma origem, trajetória e formação que eles, como é possível quebrar esse ciclo vicioso e trazer pessoas diversas para o time?
Vivi na pele essa realidade quando, em 2014, me tornei a primeira diretora da Goodyear América Latina em 99 anos. Nos primeiros meses, senti um misto de euforia e estranhamento: um orgulho de autoria por ser a primeira e uma solidão absoluta por ser a única. Quando a AMCHAM me convidou para contar minha história num fórum de liderança feminina, finalmente entendi que não era “normal” ser a primeira e única mulher numa diretoria de uma empresa, na metade da segunda década do século 21. Mas o mero fato de ser mulher, representante de um grupo minorizado nas posições de poder e liderança, não me credenciava a falar em nome de todas as mulheres. Eu precisava desconstruir estereótipos, crenças e preconceitos arraigados em mim, na certeza de que era necessário fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para deixar o mundo melhor, mais justo e inclusivo para a geração das minhas filhas.
Desde então, comecei a estudar sobre vieses inconscientes, preconceitos, desigualdades, direitos humanos, feminismo, machismo, racismo, homofobia, etarismo, capacitismo, entre tantos outros temas relacionados à nossa construção sócio-cultural. Sigo em aprendizado contínuo.
Criei o #OndeEstãoAsMulheres, movimento de comunicação digital que evidencia a falta de mulheres nas posições de liderança, em todas as esferas da nossa sociedade. Sofri e ainda sofro todo tipo de retaliação e violência de gênero, especialmente no Linkedin. Também criei o #AquiEstãoAsMulheres, movimento de sororidade que visibiliza e evidencia a presença da diversidade e interseccionalidade de mulheres protagonizando e liderando histórias de sucesso em todos os lugares e instâncias de poder. Participei de incontáveis eventos, ministrei inúmeras palestras, workshops e aulas. Liderei projetos de comunicação e inclusão das diversidades humanas, ora como consultora, ora como executiva de grandes empresas globais.
Fato é que, de lá para cá, avançamos muito menos do que deveríamos. Isso porque não é possível fazer lindos discursos se tornarem práticas efetivas sem o engajamento e o exemplo da alta liderança. Não se faz transformação cultural apenas por meio de voluntariado, de baixo para cima, começando pelas partes ao invés do todo. É preciso entender e estabelecer o papel estratégico da inclusão das diversidades humanas na sustentabilidade do negócio e das lideranças da empresa, de maneira simples e contundente, com metas claras, processos, políticas, governança e ações afirmativas.
Embora não existam fórmulas prontas quando se trata da inclusão das diversidades humanas, eu sempre recomendo que se comece pelas mulheres. Afinal de contas, todas as pessoas existentes neste planeta foram geradas num ventre feminino e salvo raras exceções, convivem com pelo menos uma mulher e carregam em si o masculino e o feminino. Nós, mulheres, trazemos conosco toda a interseccionalidade necessária à inclusão de pessoas diversas.
Por isso, vá além das mulheres brancas, heterossexuais, cisgênero e sem deficiência. Use a familiaridade e a empatia pelo feminino que fazem parte da nossa vida para também contratar e promover, afirmativamente, mulheres negras, lésbicas, bissexuais, transexuais, com deficiência e na menopausa. Assim, efetivamente, você tornará sua empresa pronta para incluir todas as diversidades humanas.