Dossiê HSM

Rosa Magalhães: O silêncio precede o êxtase

A maior vencedora da era moderna dos desfiles de escolas de samba, dona de um Emmy, mistura o erudito e o pop

Compartilhar:

O cavaquinho estridente faz eriçar os pelos na arquibancada. A marcação do surdo rege a emoção do público. Os pandeiros e as cinturas ondulam. Os olhos quase não conseguem absorver a imensidão de cores e a escola explode na avenida como fogos de artifício vivos que se arranjam para narrar epopeias de som e glória. Talvez os estrangeiros não entendam, mas sentimos muita falta dessa criatividade em 2021. Uma criatividade gestada no silêncio – por pessoas como a carnavalesca Rosa Magalhães.

É assim, na quietude, que a artista plástica gosta de elaborar seus enredos. O costume vem da infância. Filha de uma teatróloga e de um escritor, Magalhães desenhava enquanto os pais liam. “Fiquei condicionada ao silêncio para produzir”, admite. Além dele, ela conta com outro aliado: o cigarro. “Às vezes, deixo queimando de lado, só para sentir a fumaça”, diz Magalhães, que soma sete títulos do carnaval do Rio de Janeiro – seis deles após a inauguração do sambódromo, em 1984. É a maior vencedora da era moderna dos desfiles.

Uma das características do seu trabalho é a mescla de referências eruditas e populares – legado de sua formação. Graduada em pintura e cenografia, Magalhães atuou durante décadas como professora na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Chegou ao Carnaval em 1970, egressa do meio acadêmico, pela mão de um de seus professores – o cenógrafo Fernando Pamplona, responsável por revolucionar o Salgueiro nos anos seguintes. “Aqueles desfiles influenciaram uma série de outras criações. Filmes como Xica da Silva só surgiram em razão dos temas abordados à época”, lembra.

## Estopim de reação em cadeia
A missão de um carnavalesco, aliás, é servir como estopim para uma reação criativa em cadeia. A partir do enredo delimitado por ele, as demais áreas da escola de samba vão desenvolver seus próprios imaginários para brilhar na avenida. “Da comissão de frente ao mestre-sala, todos precisam receber esse subsídio”, explica Magalhães. A organização, assim, torna-se fundamental. E começa na própria estrutura narrativa.

A rigor, o desfile é um storytelling que se vale de diferentes expressões artísticas. “A base é sempre a história, que demanda muita pesquisa. Ela permite metáforas, mas deve ter início, meio e fim”, diz ela, que, em outro campo, diferente mas semelhante, ganhou um Prêmio Emmy de melhor figurino – pela assinatura da cerimônia dos Jogos Pan-Americanos de 2007.
O próximo desafio de Magalhães na Sapucaí já começou. À frente da Imperatriz Leopoldinense, ela contará a vida do cenógrafo Arlindo Rodrigues, precursor da erudição na avenida. A escola será a primeira a desfilar. Só não se sabe quando.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Quando a IA desafia o ESG: o dilema das lideranças na era algorítmica

A inteligência artificial está reconfigurando decisões empresariais e estruturas de poder. Sem governança estratégica, essa tecnologia pode colidir com os compromissos ambientais, sociais e éticos das organizações. Liderar com consciência é a nova fronteira da sustentabilidade corporativa.

Semana Mundial do Meio Ambiente: desafios e oportunidades para a agenda de sustentabilidade

Construímos um universo de possibilidades. Mas a pergunta é: a vida humana está realmente melhor hoje do que 30 anos atrás? Enquanto brasileiros — e guardiões de um dos maiores biomas preservados do planeta — somos chamados a desafiar as retóricas de crescimento e consumo atuais. Se bem endereçados, tais desafios podem nos representar uma vantagem competitiva e um fôlego para o planeta

Tecnologia, mãe do autoetarismo

Ninguém fala disso, mas muitos profissionais mais velhos estão discriminando a si mesmos com a tecnofobia. Eles precisam compreender que a revolução digital não é exclusividade dos jovens

ESG
Prever o futuro vai além de dados: pesquisa revela que 42% dos brasileiros veem a diversidade de pensamento como chave para antecipar tendências, enquanto 57% comprovam que equipes plurais são mais produtivas. No SXSW 2025, Rohit Bhargava mostrou que o verdadeiro diferencial competitivo está em combinar tecnologia com o que é 'unicamente humano'.

Dilma Campos

7 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Para líderes e empreendedores, a mensagem é clara: invista em amplitude, não apenas em profundidade. Cultive a curiosidade, abrace a interdisciplinaridade e esteja sempre pronto para aprender. O futuro não pertence aos que sabem tudo, mas aos que estão dispostos a aprender tudo.

Rafael Ferrari e Marcel Nobre

5 min de leitura
ESG
A missão incessante de Brené Brown para tirar o melhor da vulnerabilidade e empatia humana continua a ecoar por aqueles que tentam entender seu caminho. Dessa vez, vergonha, culpa e narrativas são pontos cruciais para o entendimento de seu pensamento.

Rafael Ferrari

0 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A palestra de Amy Webb foi um chamado à ação. As tecnologias que moldarão o futuro – sistemas multiagentes, biologia generativa e inteligência viva – estão avançando rapidamente, e precisamos estar atentos para garantir que sejam usadas de forma ética e sustentável. Como Webb destacou, o futuro não é algo que simplesmente acontece; é algo que construímos coletivamente.

Glaucia Guarcello

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O avanço do AI emocional está revolucionando a interação humano-computador, trazendo desafios éticos e de design para cada vez mais intensificar a relação híbrida que veem se criando cotidianamente.

Glaucia Guarcello

7 min de leitura
Tecnologias exponenciais
No SXSW 2025, Meredith Whittaker alertou sobre o crescente controle de dados por grandes empresas e governos. A criptografia é a única proteção real, mas enfrenta desafios diante da vigilância em massa e da pressão por backdoors. Em um mundo onde IA e agentes digitais ampliam a exposição, entender o que está em jogo nunca foi tão urgente.

Marcel Nobre

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
As redes sociais prometeram revolucionar a forma como nos conectamos, mas, décadas depois, é justo perguntar: elas realmente nos aproximaram ou nos afastaram?

Marcel Nobre

7 min de leitura
ESG
Quanto menos entenderem que DEI não é cota e oportunidades de enriquecer a complexidade das demandas atuais, melhor seu negócio se sustentará nos desenhos de futuros que estão aparencendo.

Rafael Ferrari

0 min de leitura
Inovação
De 'fofoca positiva' à batom inteligente: SXSW 2025 revela tendências globais que esbarram na realidade brasileira - enquanto 59% rejeitam fofocas no trabalho, 70% seguem creators e 37% exigem flexibilidade para permanecer em empregos. Inovar será traduzir, não copiar

Ligia Mello

6 min de leitura
Inovação
O impacto de seu trabalho vai além da pesquisa fundamental. Oliveira já fundou duas startups de biotecnologia que utilizam a tecnologia de organoides para desenvolvimento de medicamentos, colocando o Brasil no mapa da inovação neurotecnológica global.

Marcel Nobre

5 min de leitura