Com a evolução da agenda de transformação digital e a adoção de metodologias ágeis, as empresas se viram frente ao desafio de gerar ideias, explorar conceitos e definir tamanho de oportunidade de forma exponencial.
Nesta corrida para manter a liderança ou o diferencial competitivo no mercado, gestores têm sido cada vez mais demandados pelos acionistas, executivos e, principalmente, pelos consumidores a apresentarem inovações em ritmo incessante. Neste cenário, é cada vez mais comum nos depararmos com iniciativas que tiveram pouco tempo de amadurecimento e que muitas vezes foram “tiradas da cartola” de alguém.
Podemos citar algumas origens comuns dessas iniciativas, como: “o chefe pediu”; alguém fez uma “imersão em um polo de inovação global (China; Vale do Silício; ou Israel) e voltou com uma ‘grande ideia’; “o cliente está reclamando (via pesquisas de NPS, centrais de atendimento ou mídias sociais) e temos que solucionar aquela dor”; “a concorrência está fazendo (ou já fez)”; ou “um especialista Top Voice do mercado recomendou”.
Times focados em delivery (execução e entrega) e sem espaço para o discovery (descoberta e modelagem) acabam desperdiçando energia e recursos na execução de iniciativas com baixo valor para o negócio. Na maioria das vezes, os motivos para isso são a falta de tempo dedicado a explorar a ideia antes de colocá-la em produção, a falta de clareza de um objetivo estratégico ou ainda a priorização incorreta das inciativas.
Neste ponto, a volta aos princípios básicos do Marketing pode ser crucial para um bom processo de Discovery, que produza resultados eficazes para a transformação do negócio. Para quem não está familiarizado, de forma simplificada, o processo de Discovery é uma abordagem estruturada para explorar novas oportunidades de mercado, identificar problemas e necessidades dos clientes e criar soluções inovadoras que atendam a essas demandas. Este processo é essencial para garantir que os esforços de desenvolvimento de produtos e serviços estejam alinhados às reais necessidades do mercado, minimizando riscos e maximizando o potencial de sucesso.
O método de Discovery é derivado de abordagens como design thinking e service design. No entanto, existem duas etapas cruciais para o sucesso do Discovery que frequentemente são subestimadas: a clareza do propósito inicial e a priorização de iniciativas, a partir de critérios estratégicos.
Clareza do propósito inicial
A pedra fundamental de um Discovery é a clareza do objetivo. Durante todo o processo é essencial manter em mente o motivo pelo qual ele está sendo realizado. Essa definição inicial deve guiar todas as etapas subsequentes.
Um processo de Discovery eficaz começa pelas práticas básicas do Marketing: entendimento do cliente, foco na criação de valor e valoração da oferta. Para entender o cliente, como sabemos, é preciso identificar e segmentar o mercado-alvo, focando em grupos com necessidades e comportamentos similares. Também é importante realizar pesquisas qualitativas e quantitativas, para obter insights sobre as preferências e dores dos clientes. Se não tivermos a clareza do propósito do Discovery que estamos realizando, a chance de nos perdermos ao longo das pesquisas e estudos é alta.
Em seguida, é necessário modelar uma oferta de valor relevante para o cliente e para o negócio, explorando todos os aspectos do novo produto ou serviço, dando um passo além da ideia e tornando tangíveis os elementos que diferenciam a oferta para o cliente frente ao mercado existente.
Por fim, para que a iniciativa avance para a execução, é essencial a valoração da oferta de valor, estipulando o potencial de ganhos versus os investimentos necessários para a tomada de decisão de avançar ou não com a iniciativa. A partir do propósito inicial, as decisões sobre a valoração apresentada são tomadas.
Se estamos realizando um Discovery para ampliar a receita em um novo mercado, por exemplo, o processo só avançará para a execução se a valoração apresentar este potencial de ganho. Nem todo Discovery avançará para o delivery. Se o processo de é iniciado já com a certeza de execução da solução como proposta, ele torna-se desnecessário. E se nos perdemos do propósito inicial ao longo do Discovery, podemos ter um desperdício de recursos organizacionais em esforços não alinhados à estratégia organizacional. Por isso a relevância de um propósito claro desde o início.
Case: Redefinição da estratégia de Canais Digitais
Um caso prático de boa aplicação do processo de Discovery orientado por um propósito claro desde o início – do qual participamos – foi o de uma companhia aérea que enfrentava dois grandes desafios em seus canais digitais: insatisfação dos passageiros e alto custo de atendimento dos canais. A insatisfação se dava por problemas de usabilidade e funcionamento do aplicativo e do site. Já os custos elevados dos canais ocorriam como consequência, uma vez que os passageiros, não conseguindo se servir nos canais digitais, migravam para os canais analógicos (central telefônica e balcão de atendimento).
Ao revisar o backlog (conjunto de ações para desenvolvimento), encontramos ações priorizadas para a execução com baixo impacto nos pontos críticos mencionados acima, como, por exemplo, o desenvolvimento de biometria para check-in (algo que seria possível de ser aplicado em apenas um aeroporto do Brasil), enquanto funcionalidades básicas, como a alteração das passagens compradas pelo app, não foram priorizadas. A partir disso, ficou clara a falta de visibilidade de pontos críticos nos processos de priorização.
Para virar o jogo, realizamos o Discovery com foco em melhorar a experiência do cliente e reduzir custos de atendimento. Foram identificados e priorizados problemas com base em critérios que incluíam a vocação de cada canal, o impacto na jornada do passageiro e o potencial de redução de custo.
Ao final do trabalho, os canais digitais foram reestruturados, as prioridades redefinidas e os problemas críticos solucionados, melhorando a experiência dos passageiros e aumentando a eficiência operacional. Essa transformação trouxe não apenas ganhos financeiros a partir do direcionamento do cliente para o canal mais adequado, mas também alinhou as prioridades estratégicas da empresa, resultando em maior satisfação dos passageiros.
Priorização de iniciativas
A segunda etapa crítica do Discovery é a priorização das iniciativas a partir de fundamentos sólidos e conectados ao propósito inicial. Um bom processo de Discovery gera diversas possibilidades que precisam ser priorizadas para a modelagem, testes e execução. Em vez de utilizarmos ferramentas genéricas como esforço x impacto, criamos para cada projeto uma ferramenta de priorização a partir do princípio da engenharia de valor, que traduz esforço e impacto em critérios mensuráveis e tangíveis, e conectados ao propósito inicial do Discovery e estratégia do negócio.
Esse método considera fatores como tempo e investimento para desenvolvimento, complexidade, ganhos diretos e indiretos, e riscos diversos. Exemplo de alguns critérios que podem ser definidos e deverão ser escolhidos frente à estratégia:
ESFORÇO
- Tempo de desenvolvimento
- Investimento para desenvolvimento
- Complexidade (número de áreas envolvidas; necessidade de parceiros externos; desenvolvimento de tecnologias etc.)
IMPACTOS (positivos)
- Ganhos diretos e indiretos
- Atendimento do objetivo inicial
RISCOS (opcional – medem o grau de tolerância ao risco que a empresa está disposta a correr para inovar)
- GUT (gravidade, urgência, tendência)
- Riscos Jurídicos
- Riscos de Marca
- Riscos financeiros
É importante definir pesos e parâmetros para cada elemento a ser avaliado, o que permitirá chegar ao final do processo com um score para cada iniciativa, priorizando assim as ações mais relevantes frente ao objetivo inicial.
Para concluir, trazer método, ferramentas e padronizar o processo de Discovery é fundamental para que possamos tanto ganhar escala nesse processo quanto garantir qualidade e profundidade necessários para aportar cada vez mais valor ao negócio.