Reportagem

Socorro corporativo

Reuniões mais curtas, programas de bem-estar, escuta atenta. Veja como líderes e rh têm apoiado o coping de seu pessoal
Editor de conteúdo multimídia para HSM Management, radialista, jornalista e professor universitário, especialista em comunicação corporativa, mestre em comunicação e inovação e doutorando em processos comunicacionais. Desde 2008, atua em agências, consultorias de comunicação e gestão para grandes empresas e em multinacionais.

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Pesquisadores de gestão do mundo inteiro buscam caminhos para as empresas poderem apoiar os funcionários emocionalmente fragilizados nestes tempos pandêmicos. O antigo manual de gestão emocional nas organizações não se aplica aos tempos atuais, segundo os professores Jeffrey Sanchez-Burks e Lindred Greer, da University of Michigan, nos Estados Unidos.

Eles sugerem que nenhuma de suas duas regras de ouro é efetiva – fazer um discurso motivador contra o desânimo ou dar o alerta (leia-se “colocar medo”) de que aquela emoção negativa pode ter consequências indesejáveis – para a própria pessoa, a equipe e a empresa.

Ambas as abordagens tentam criar uma experiência emocional compartilhada por todos em uma equipe, em oposição a experiências individualizadas e diversificadas. E, embora o alinhamento emocional possa ser útil em certas circunstâncias, em uma pandemia é preferível dar espaço às emoções individuais, em meio à gama complexa de emoções negativas no ar. O efeito de minimizá-las pode ser amplificá-las.

O que os professores de Michigan sugerem, na prática, é que os líderes e o RH gerenciem as emoções de suas equipes cultivando-as uma por uma. Exemplo? Se uma pessoa está com medo de não ser vacinada a tempo e de contrair covid-19, seu líder não deve buscar amenizar a sensação; é melhor que reconheça solidariamente os tempos difíceis que vivemos, dê-lhe espaço para processar o sentimento e proponha pensarem juntos num plano para evitar que aqueles temores se concretizem.

__HSM Management__ conversou com executivos e consultores para compreender como lideranças e gestores de recursos humanos têm buscado ajudar os funcionários a atravessar um cenário inédito, desafiador e que ninguém sabe ao certo quando vai acabar. Buscando um alinhamento emocional com as velhas abordagens? Ou aceitando a diversidade de emoções? A boa notícia é que há empresas que estão seguindo a segunda opção, seja com a criação de programas de bem-estar que cada um aciona individualmente (programas esses que incluem apoio à saúde mental), seja ao proporcionarem mais pausas durante o expediente para que as pessoas necessitadas possam processar suas emoções, e até licenças. Reservar mais tempo de agenda para a escuta tem sido outra medida frequente, bem como pesquisas constantes para medir os humores.

Estudos têm atestado tanto as emoções negativas dos colaboradores quanto as iniciativas das empresas. Uma pesquisa encomendada pela Microsoft, feita com 6 mil pessoas em sete países mais o Brasil, mostrou que, em média, 30% delas estão sentindo mais exaustão na pandemia; no Brasil, o percentual de burnout subiu para 44%. E, em uma pesquisa da Great Place to Work Brasil com 1.724 profissionais, 63% afirmaram que suas empresas começaram ou intensificaram ações voltadas para a saúde mental dos colaboradores desde o início da pandemia.

## Adecco: mais escuta, mais acolhimento
André Vicente, CEO da Adecco Brasil, é direto quando fala da pandemia. “Não há esperança de que o cenário vá mudar amanhã, e isso está gerando um desgaste enorme”, afirma. Ele tem percebido isso duplamente: as queixas dos funcionários aumentaram tanto na Adecco quanto nos clientes, que procuram a empresa para apoiar suas ações de treinamento, desenvolvimento, recrutamento e seleção. “Tenho dito para as pessoas que, o que conseguimos controlar, vamos fazer. E que não podemos minimizar sentimentos oriundos de situações que a gente não controla.”

A saída, segundo ele, é aprimorar a escuta e criar uma cultura de acolhimento. Nesse sentido, a Adecco vem adotando internamente uma série de medidas voltadas para a saúde e a qualidade de vida. Uma delas – em vigor no primeiro semestre deste ano e que será estendida se necessário – foi permitir que as pessoas tirem até três dias de folga seguidos dentro de um mês. Reuniões às sextas estão proibidas, e há uma campanha forte com os gestores para que as pessoas se desconectem do trabalho às 18h diariamente. A empresa considera, inclusive, implementar um “lockdown” do sistema às 19h, evitando que o funcionário trabalhe mesmo que queira.

“Eu mesmo entro em reuniões de grandes projetos e aviso que está na hora de parar, se for preciso”, diz Vicente. “Porque as pessoas não querem parar, mas precisam. E o papel do líder é dizer ‘não’.” Ele acredita que ações como essa podem ajudar a educar tanto a equipe quanto o mercado, visto que a Adecco trabalha exclusivamente com a área de recursos humanos. “No escritório, parte-se do pressuposto de que a partir das 18h, 19h, ninguém vai estar lá. No formato atual é o contrário: a pessoa está lá, então por que não pode responder um e-mail? No entanto, a partir do momento que eu, como líder, não envio uma mensagem, o outro não recebe, não aciona os colegas, e assim vamos conseguindo refletir o comportamento em todos os níveis.”

Em breve, a Adecco planeja implantar no Brasil a diretoria de well being, que já existe na Europa, dedicada à qualidade de vida e à sustentabilidade (inclusive emocional).

## LinkedIn: o dia em que a empresa parou
No início da pandemia, os gestores de recursos humanos do LinkedIn decidiram mudar a periodicidade da pesquisa de clima organizacional. Trimestral até então, o levantamento passou a ser feito todo mês. Algumas ações foram instituídas para tentar manter a coesão da equipe e preservar a rotina dos funcionários que agora estavam remotos – como as happy hours virtuais e a regra de um dia sem reunião por semana. Deu certo? Que nada. Mês após mês, os indicadores mostravam que as pessoas estavam muito cansadas, próximas do burnout.

A alta gestão resolveu, então, que era hora de parar. E, no último dia 5 de abril, o LinkedIn deu folga, por uma semana, para quase 16 mil funcionários em todo o mundo (a empresa opera em mais de 200 países). “A iniciativa foi global porque de nada adiantaria algumas equipes descansarem e outras trabalharem. Isso só remanejaria a carga de trabalho”, afirma Alexandre Ullmann, diretor de recursos humanos do LinkedIn no Brasil. “Os indicadores mostravam que, por causa da pandemia, os funcionários estavam com dificuldades para equilibrar questões profissionais, pessoais e familiares.”

Batizada de Rest Up Week, a iniciativa foi um convite à reflexão sobre produtividade e autocuidado, e um alerta de que as entregas não podem derrubar as pessoas que fazem com que essas entregas aconteçam.

A preocupação com saúde mental não é nova no LinkedIn. Antes da pandemia, a empresa já oferecia aos funcionários a possibilidade de fazer terapia, além de até 60 dias em licença remunerada – em dias corridos ou intermitentes – para os responsáveis por idosos ou crianças de até 12 anos. Depois da pandemia, o benefício da terapia foi estendido aos familiares, com número ilimitado de sessões.

Nos últimos meses, os executivos da empresa vêm exercendo o que chamam de “gestão compassiva”. A ideia é ser compreensivos em relação às demandas domésticas dos funcionários e deixar de lado, por exemplo, o controle do número de horas trabalhadas. “Todo mundo está aprendendo a conviver de outra forma, então precisamos dar o tempo de volta para as pessoas”, diz Ullman. Um exemplo é a recomendação sobre gestão dos compromissos: “se alguma reunião foi desmarcada, mantenha aquele espaço fechado na agenda e tire esse tempo para você”.

Quando veio a pandemia, a Continental, fabricante alemã de pneus, precisou lidar com dois contextos distintos. De um lado, a equipe administrativa, que já podia trabalhar em casa uma ou duas vezes por semana, passou a operar 100% em home office. De outro, os funcionários da fábrica precisaram entrar em férias coletivas até que novas normas de segurança fossem criadas.

## Continental: um crachá para o home office
Tanto para um grupo quanto para outro, a residência virou o centro de tudo – da família e do trabalho. E, inicialmente, isso resultou em um certo deslumbramento por poder participar de situações familiares antes renegadas pela rotina profissional. “Houve um resgate de questões familiares, como almoçar com os filhos, e isso foi muito bem-vindo naquele momento”, afirma Ana Cláudia Oliveira, vice-presidente de relações humanas da Continental para o Brasil e a Argentina. Em paralelo, para dar segurança a todos, a empresa lançou um aplicativo com informações sobre as novas medidas relativas à pandemia e recebia, por ali, perguntas dos funcionários. “Foi um ponto de contato essencial, porque no começo da pandemia dormíamos com uma informação e acordávamos com outra.”

O desafio era manter o senso de pertencimento. A companhia experimentou, por exemplo, entrar na onda das lives – e de modo bastante democrático: havia desde show de talentos, com apresentações de funcionários que cantavam ou tocavam algum instrumento, até encontros para falar sobre desenvolvimento pessoal. Em poucos meses, porém, a adesão a essas ações começou a cair. “Percebemos que fazer coisas novas de maneira virtual estava exaurindo as pessoas, ao mesmo tempo em que havia um nível crescente de carência”, diz Oliveira.

Foi aí que a área de RH teve a ideia de criar um crachá virtual – o “crachá do home office”. O sucesso foi imenso. Viralizou nas redes sociais, com as fotos dos funcionários postadas, e surgiram crachás para filhos e animais de estimação, com o cargo “parceiro(a) de home office”. “Foi uma ação simples, mas que ajudou a resgatar o sentimento de pertencimento”, afirma a VP da Continental.

Uma reunião semanal de estratégia com as lideranças foi estabelecida para discutir os incômodos com a nova realidade, as metodologias de trabalho e os sentimentos das equipes. Hoje esses encontros são mensais e foram incorporados à rotina da Continental. Além disso, ao longo de cinco meses, mais de 60 executivos participaram de um programa sobre liderança humanizada. O resultado apareceu: as pesquisas internas mostraram que 92% dos funcionários sentem-se apoiados pela empresa.

## Heineken: álcool gel e boas notícias
No grupo Heineken, com mais de 13 mil funcionários em 15 unidades no Brasil, o aprendizado com a pandemia aconteceu de maneira “mais lenta”, como define Juliana Wei, diretora de recursos humanos. O primeiro passo foi montar comitês multidisciplinares, envolvendo RH, saúde e segurança, inclusive dentro das cervejarias e dos centros de distribuição. Com os comitês ativos e próximos às pessoas, a empresa optou por se concentrar no que parecia ser mais relevante para elas naquele momento. “Começamos pelo básico: kits de higiene, informações sobre a doença, álcool gel”, diz Wei. “Também montamos o Onda Positiva, um meio de comunicação para levar uma curadoria de boas notícias, sugestões sobre saúde e propostas de programação de final de semana que as pessoas pudessem compartilhar com a família.”

As equipes administrativas passaram a trabalhar de suas casas em março de 2020. No final de abril, Mauricio Giamellaro, presidente do grupo, adotou alguns comportamentos que foram seguidos pelos gestores: definir limites para as reuniões – 45 minutos no máximo – e realizá-las sempre das 9h às 18h, mas nunca às sextas-feiras. Ajudou: perto do meio do ano, os índices de satisfação dos funcionários com o teletrabalho giravam entre 87% e 90%.

Em agosto, com uma primeira sinalização de que a situação poderia estar chegando a um desfecho (o que acabou não se confirmando), o escritório em São Paulo foi reaberto. Era possível voltar a trabalhar, mediante acordo com os gestores, respeitando o limite de pessoas no local, de máscara e com distanciamento físico. Em vão. “A adesão foi baixíssima, mesmo de quem desejava ou precisava voltar por qualquer motivo. Percebemos que não era o momento”, afirma Wei. Meses depois, o grupo acabou adotando o teletrabalho definitivo para as equipes administrativas.

Uma plataforma sobre saúde foi lançada para levar informações frequentes e apoiar os funcionários. Há, por exemplo, treinamentos aprofundados para ajudar os líderes a identificar quem precisa de suporte emocional. Uma equipe formada por enfermeiras, psicólogos, psiquiatras e médicos clínicos avalia os colaboradores que solicitam apoio e os encaminham de forma adequada.

Os espaços físicos da Heineken também estão passando por mudanças. Não haverá mais mesas individuais. “Será mais coletivo, com espaços para discutir o trabalho em time”, diz a diretora. “Mapeamos onde havia mais residências dos colaboradores e criamos ‘hubs’ para que o deslocamento fosse reduzido, gerando mais espaços para trabalhar ao redor da cidade. A ideia é ampliar o uso desses espaços quando a retomada das atividades for segura.”

TODAS ESSAS MEDIDAS podem ser tomadas sem que os negócios sejam afetados, garantem os executivos responsáveis. Ao contrário: não tomá-las é que pode atrapalhar os resultados das equipes. Como disse em evento recente Letícia Dias, diretora de total rewards da Pepsico Brasil, três elementos garantem o desempenho nas circunstâncias pandêmicas: comunicar claramente as metas; ter uma cultura de performance que apoia as pessoas para que possam trabalhar de maneira mais flexível; e dar autonomia a essas pessoas, confiando nelas. A PepsiCo deu; segundo Dias, os funcionários têm controle sobre sua agenda.

As empresas apertam o off

Não adianta criar novas atividades para profissionais que já estão cansados

Após quase um ano e meio de pandemia, é crescente o número de empresas que escolhem adotar mais ações “off” – como pausas no expediente ou a diminuição do número de reuniões – do que “on” – como happy hours ou sessões de terapia online. O movimento é visto com bons olhos pelo professor de neurociência Wesley Barbosa, fundador da Escola de Carreiras. “Muitas empresas, mesmo com boa intenção, acabam empurrando as pessoas para a exaustão”, diz ele. “Os funcionários se queixam de cansaço, mas, ao tentar ajudá-los, a empresa cria novas atividades. Aquilo acaba virando mais uma obrigação, mais tempo que precisa ser disponibilizado.”

Esse excesso gera mais efeitos negativos. Isso porque, quando o cérebro identifica uma situação de estresse (ou de perigo), o corpo libera uma quantidade maior do hormônio cortisol. “Se você escolhe extravasar o estresse socando uma parede, por exemplo, o corpo entende que o cortisol está funcionando como combustível e libera ainda mais. Se escolhe reprimir o estresse, o hormônio fica armazenado no córtex pré-frontal, prejudicando nosso julgamento.”

Segundo Barbosa, o melhor a fazer nesses momentos é ativar o núcleo do prazer: assistir uma comédia, brincar com os filhos, tomar uma água de coco – ou até mesmo fazer nada. “Fazer nada é, sim, fazer alguma coisa”, diz. Pense, por exemplo, naquele e-mail recebido às 11h da noite. Adianta responder? “Muitas vezes você responde não para resolver o problema, mas para tentar aplacar a ansiedade que aquela mensagem gerou.”

O professor dá três orientações para reduzir o estresse. A primeira é controlar a respiração, dominando o diafragma, para oxigenar o cérebro – se possível em lugares abertos e próximos à natureza. A segunda é entender que a felicidade no trabalho não existe do ponto de vista químico; o que existe é o sentido da atividade produtiva. “A felicidade não é linear; ocorre em picos. Quanto mais picos desses tivermos em nossa vida, melhor.” A terceira é ouvir uma playlist de Barbosa (que você pode conferir abaixo) com músicas que buscam modelar a atividade da amígdala para ela produzir menos cortisol – e que, assim, pode reduzir o estresse.

Barbosa deixa também um alerta para as empresas. Antes de quererem lidar com a saúde mental do time, devem aumentar o nível de transparência. “Em muitas empresas, uma pessoa chamada à sala do chefe vive a insegurança de não saber se será promovida ou demitida”, diz. “É inadmissível.”

[__OUÇA A PLAYLIST DE WESLEY BARBOSA!__](https://open.spotify.com/playlist/7C5IfOaMXjgIYhJwyhnX69)

Transparência, boas perguntas e planos bimestrais

Troque as deduções superficiais por esse tripé de ações; o trabalho está se reconfigurando

O consultor Alberto Roitman, fundador da Escola do Caos, está cansado de ouvir falar em fadiga do Zoom. Afinal, se antes da pandemia já existia camisa com os dizeres “eu sobrevivi a mais uma reunião que deveria ter sido um e-mail”, é sinal de que as reuniões já eram um problema mesmo fora da tela. “Tudo são pessoas, relações, comunicação”, afirma Roitman. “Nunca houve burnout por causa da mesa, da sala, do escritório, o que significa que a culpa do desgaste atual também não é do Zoom.”

Roitman credita o desconforto com o trabalho remoto a uma certa insatisfação permanente do ser humano. No escritório, as reclamações giravam em torno da distância, do transporte público ou do ambiente de fofoca, por exemplo. Em casa também há queixas. “Imagine que, daqui a pouco, vão reclamar do RH porque ele não consegue mandar uma cadeira para a praia onde você gostaria de trabalhar.” Para ele, o cerne da questão é o propósito. “Uma vez em casa, mais próximo à família, seus propósitos passam a ter mais importância do que os da empresa, pois as promessas feitas nas proposições de valor delas, em muitos casos, já não estavam sendo cumpridas.”

Na visão do consultor, a melhor forma de lidar com a situação é com transparência e reconhecendo que estamos no meio de uma reconfiguração muito mais profunda. “Vai ter escritório? Não sabemos. Vamos ficar em casa? Não sabemos. Agora é hora das perguntas boas, não de respostas sobre o futuro”, diz. “Em vez de planejamento anual, as empresas terão que aprender a fazer planos para dois meses, observar e reagir rápido às transformações.” O desafio: fazer “uma boa leitura de cenário, com dados cada vez mais incompletos e imprecisos”.

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