Carreira, Diversidade
4 min de leitura

Tecnologia, mãe do autoetarismo

Ninguém fala disso, mas muitos profissionais mais velhos estão discriminando a si mesmos com a tecnofobia. Eles precisam compreender que a revolução digital não é exclusividade dos jovens
Ricardo Pessoa é empresário e ativista por uma longevidade ativa e produtiva, e por negócios B2S (business-to-seniors), sócio da Casa Séfora e da Plim Brasil, respectivamente uma casa de economia compartilhada e uma startup de controle verde de pragas urbanas.

Compartilhar:

Helena, 63 anos, recusava pela terceira vez o treinamento no novo sistema de gestão da empresa. “Não, obrigada. Prefiro fazer do jeito antigo”, dizia ela, com a voz carregada de uma convicção que beirava o cansaço. Quatro décadas como secretária executiva, uma vida inteira de métodos testados e aprovados. Agora, cada clique, cada nova ferramenta digital, pareciam uma ameaça pessoal, um monstro de chips e códigos vindo para roubar seu lugar. Sem perceber, Helena havia se tornado a guardiã de um passado que não existia mais, justificando sua resistência com frases como “no meu tempo funcionava melhor” ou “isso é coisa para os jovens”.

O que Helena não compreendia é que estava praticando o autoetarismo – a discriminação contra si mesma, baseada na própria idade. Uma forma sutil, mas devastadora, de autossabotagem que aprisiona milhões de profissionais maduros.

A tecnofobia, depois dos 60 anos de idade, raramente tem a ver com a capacidade de aprender. É, antes de tudo, um fenômeno cultural e psicológico. Crescemos num mundo onde o aprendizado tinha prazo de validade: estudava-se, formava-se e aplicava-se o conhecimento. A ideia de reinvenção constante? Parecia coisa de ficção científica. O século 21, no entanto, reescreveu essas regras com um celular  e um notebook. E mais: a velocidade com que a tecnologia avança hoje é tão vertiginosa que nos torna a todos, jovens e velhos, eternos neófitos nela. Ninguém é especialista por muito tempo. Isso, ironicamente, é um grande equalizador, nivelando as possibilidades e exigindo de todos a mesma humildade de aprendiz.

Carlos, 67 anos, ex-gerente de vendas, teve uma abordagem diferente. Quando percebeu que seu conhecimento técnico estava virando peça de museu, matriculou-se num curso de marketing digital. Nas primeiras aulas, sentiu-se um alienígena, cercado por jovens que pareciam ter nascido com um smartphone na mão. “Foi como aprender chinês aos 67 anos”, confessou-me, com um sorriso cansado. “Mas descobri algo fascinante: meu cérebro ainda funciona. É mais lento, exige mais repetição, sim. Mas ele absorve e conecta informações de maneiras que surpreendem até os instrutores mais jovens.”

Carlos descobriu o que neurocientistas vêm confirmando: o cérebro maduro possui uma capacidade única de fazer conexões interdisciplinares. Enquanto os jovens podem processar informações mais rapidamente, pessoas com mais de 60 anos frequentemente enxergam padrões, relações e soluções que escapam aos mais novos. A neuroplasticidade – a capacidade do cérebro de formar novas conexões – não desaparece com a idade. Apenas exige que a sua estimulação seja diferente.

O que aprendemos com Helena e Carlos

Quando abandonamos o autoetarismo e abraçamos a tecnologia não como ameaça, mas como aliada, descobrimos um mundo de possibilidades. Helena, por fim, aceitou o treinamento. E, para sua surpresa, tornou-se referência no uso do sistema. “Percebi que minha experiência me dava uma vantagem: eu entendo profundamente os processos por trás da tecnologia”, explicou, com um brilho renovado no olhar.

A revolução digital não é exclusividade dos jovens. Na verdade, quando combinamos décadas de experiência com ferramentas tecnológicas atuais, criamos um diferencial competitivo poderoso. Não é por acaso que empreendedores com mais de 50 anos têm taxas de sucesso significativamente maiores em suas startups do que fundadores na casa dos 20. E aqui vai um segredo: se uma tecnologia tem bilhões de usuários, como muitos aplicativos e plataformas que conhecemos, é porque ela é, por design, extremamente fácil de usar. Deus não povoou a Terra com bilhões de Einsteins. Se a massa usa, você também pode usar. O que parece complexo é, na verdade, intuitivo, feito para ser acessível a todos.

O segredo está em ver a tecnologia não como um obstáculo a ser temido, mas como uma alavanca que potencializa nossa bagagem. É compreender que aprender uma nova plataforma digital aos 65 anos não é mais difícil do que aprender um novo idioma aos 30 – apenas requer métodos diferentes e a humildade para recomeçar.

E talvez seja esse o primeiro passo para superar o autoetarismo tecnológico: libertar-se das amarras mentais que nos dizem que “isso não é para a minha idade” e simplesmente permitir-se explorar, errar, aprender e crescer. 

Afinal, a tecnologia é apenas uma ferramenta. E ferramentas não têm idade – têm propósito.

*Este artigo, metalinguisticamente, foi escrito pelo autor, 60+, com ajuda de duas inteligências artificiais generativas – ChatGPT4 e Claude.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Vivemos a reinvenção do CEO?

Está na hora de entender como o papel de CEO deixou de ser sinônimo de comando isolado para se tornar o epicentro de uma liderança adaptativa, colaborativa e guiada por propósito. A era do “chefão” dá lugar ao maestro estratégico que rege talentos diversos em um cenário de mudanças constantes.

Preparando-se para a liderança na Era da personalização

Liderar hoje exige muito mais do que seguir um currículo pré-formatado. O que faz sentido para um executivo pode não ressoar em nada para outro. A forma como aprendemos precisa acompanhar a velocidade das mudanças, os contextos individuais e a maturidade de cada trajetória profissional. Chegou a hora de parar de esperar por soluções genéricas – e começar a desenhar, com propósito, o que realmente nos prepara para liderar.

Intergeracionalidade, Escuta e Humildade

Entre idades, estilos e velocidades, o que parece distância pode virar aprendizado. Quando escuta substitui julgamento e curiosidade toma o lugar da resistência, as gerações não competem – colaboram. É nessa troca sincera que nasce o que importa: respeito, inovação e crescimento mútuo.

Tecnologia e inovação, Empreendedorismo
Esse fio tem a ver com a combinação de ciências e humanidades, que aumenta nossa capacidade de compreender o mundo e de resolver os grandes desafios que ele nos impõe

CESAR - Eduardo Peixoto

6 min de leitura
Inovação
Cinco etapas, passo a passo, ajudam você a conseguir o capital para levar seu sonho adiante

Eline Casasola

4 min de leitura
Transformação Digital, Inteligência artificial e gestão
Foco no resultado na era da IA: agilidade como alavanca para a estratégia do negócio acelerada pelo uso da inteligência artificial.

Rafael Ferrari

12 min de leitura
Negociação
Em tempos de transformação acelerada, onde cenários mudam mais rápido do que as estratégias conseguem acompanhar, a negociação se tornou muito mais do que uma habilidade tática. Negociar, hoje, é um ato de consciência.

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Inclusão
Imagine estar ao lado de fora de uma casa com dezenas de portas, mas todas trancadas. Você tem as chaves certas — seu talento, sua formação, sua vontade de crescer — mas do outro lado, ninguém gira a maçaneta. É assim que muitas pessoas com deficiência se sentem ao tentar acessar o mercado de trabalho.

Carolina Ignarra

4 min de leitura
Saúde Mental
Desenvolver lideranças e ter ferramentas de suporte são dois dos melhores para caminhos para as empresas lidarem com o desafio que, agora, é também uma obrigação legal

Natalia Ubilla

4 min min de leitura
Carreira, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
Cris Sabbag, COO da Talento Sênior, e Marcos Inocêncio, então vice-presidente da epharma, discutem o modelo de contratação “talent as a service”, que permite às empresas aproveitar as habilidades de gestores experientes

Coluna Talento Sênior

4 min de leitura
Uncategorized, Inteligência Artificial

Coluna GEP

5 min de leitura
Cobertura de evento
Cobertura HSM Management do “evento de eventos” mostra como o tempo de conexão pode ser mais bem investido para alavancar o aprendizado

Redação HSM Management

2 min de leitura
Empreendedorismo
Embora talvez estejamos longe de ver essa habilidade presente nos currículos formais, é ela que faz líderes conscientes e empreendedores inquietos

Lilian Cruz

3 min de leitura