Gestão de Pessoas

Trabalho presencial, Kissinger, Bayer e liderança em momentos de crise

Trabalho remoto ou não, com empresas adotando diferentes modelos de trabalho, desde a volta ao escritório até o encurtamento da semana de trabalho, a questão da liderança e adaptação a novos modelos de negócios se torna ainda mais crucial.

Marcelo Nóbrega

Marcelo Nóbrega é especialista em Inovação e Tecnologia em Gestão de Pessoas. Após 30 anos...

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Já em 2010, um experimento realizado pela agência de viagens chinesa CTrip, demonstrou os benefícios do working from home (WFH). Cerca de 500 colaboradores do departamento de reservas de voos e hotéis se ofereceram para participar da experiência.

O [artigo](https://www.nber.org/system/files/working_papers/w18871/w18871.pdf) publicado por Nikolai Bloom e outros pesquisadores de Stanford (2013) elenca os benefícios hoje comumente associados ao WFH: aumento de produtividade, diminuição de turnover e absenteísmo e melhoria da qualidade de vida. No entanto, quando ao final do experimento, a CTrip ofereceu a oportunidade de trabalhar de casa permanentemente, menos de 50% dos participantes do teste optaram por continuar naquele modelo.

As razões alegadas foram: a solidão, falta de socialização com os colegas e a sensação de não ser considerado para as oportunidades de movimentação ou promoção e reavaliações salariais (quem não é visto não é lembrado).

O trabalho de Call Center talvez seja um dos mais facilmente adaptáveis ao WFH, mas o experimento da CTrip demonstra o quanto é complexa sua adoção de forma mais ampla.

Próximo ao final do período de isolamento provocado pela pandemia, várias empresas ousadamente declararam que iriam adotar o WFH para todos os seus colaboradores. Hoje, vivemos a tendência oposta, várias dessas mesmas empresas estão chamando seus empregados de volta para o escritório. Algumas oferecem benefícios adicionais, outras fazem ameaças àqueles que insistem em trabalhar de casa.

Entre os dois extremos, há empresas que definiram um número de dias para o revezamento escritório-residência, ou uma política de home office.

# Home office e outros modelos de trabalho

O WFH não é a única novidade entre os arranjos de trabalho. O mais recente é a discussão sobre a semana de quatro dias. Das empresas que participaram de um teste na Inglaterra no segundo semestre de 2022, 90% ainda mantinham o modelo um ano depois. Nos EUA, o Senador Bill Sanders apresentou recentemente uma proposta de lei reduzindo a jornada semanal de 40 para 32 horas. E entre as novidades estão os gig jobs, tempo parcial, temporários, boomerangs, job sharing, secondment, interim management, executives as a service e os nômades digitais.

Frederic Laloux, em Reinventando as Organizações (2017), mostrou que as empresas ajustam suas estruturas internas, modus operandi e cultura corporativa às demandas e expectativas das novas gerações que entram no mercado de trabalho. É um movimento lento, mas hoje já há empresas movidas por propósito como a Patagônia, nos EUA, e a Dengo Chocolates, no Brasil. E o conceito de Holocracia, empresas sem chefe, embora exista desde a década de 60 (vide a história da Gore), também vem amealhando mais adeptos.

Apesar de todos os ganhos dos arranjos mais flexíveis de trabalho e do clamor dos trabalhadores, muitas empresas estão chamando seus colaboradores de volta para o modelo 100% presencial.

Por quê?

## Trabalho presencial e a crise da liderança

Para mim, uma curva de Gauss explica esse fenômeno: 20% das pessoas em posição de liderança perceberam a oportunidade colocada pelo novo contexto do ambiente de negócios e estão se reinventando; 10% nem se deram conta do que estamos tratando; e, 70% não entenderam o novo contexto e não vão mudar. A pandemia passou, então nada mais natural do que voltar ao modelo antigo, na opinião deste último grupo.

Porém, a verdade é que o contexto mudou. Além do que já foi mencionado acima, estamos mais interessados em bem-estar e saúde, queremos mais equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, viveremos mais, somos mais autônomos, não temos mais tanta lealdade a empresas, o mundo oferece mais conforto e oportunidades, a tecnologia está embarcada em tudo aumentando em muito a nossa produtividade. Nem vou mencionar os movimentos geopolíticos…

A pressão para fazer sentido de tudo isso está sobre os middle managers. Mas o que era o trabalho dessa camada das organizações antes da pandemia acelerar simultaneamente vários vetores de transformação? Cascatear as decisões estratégicas do top management e distribuir e monitorar o trabalho de suas equipes. E muitas vezes até determinar o como. Com as novidades do mundo digital, esse papel precisa ser reinventado ou se revelará desnecessário. É por isso que já estamos vendo algumas empresas promovendo reestruturações e o aumento dos layoffs massivos.

E o mundo digital exige novas maneiras de se trabalhar, novas ferramentas, novos rituais, ritos, heróis, storytelling… Não é apenas transportar o que se fazia no mundo analógico para o ambiente do Zoom e dos apps. Não funciona assim. É reinventar-se para aproveitar as funcionalidades e as características das ferramentas digitais. Os últimos anos foram de testes, ainda não aprendemos a trabalhar nessa nova realidade. Há uns 20% de líderes que estão tentando, errando, aprendendo, testando novamente e encontrando novos caminhos.

O empilhamento de transformações simultâneas de tantas naturezas equivale a uma crise. Segundo Kissinger, personagem polêmico da guerra fria, em Liderança (2023), é nos períodos de crise que a coragem de líderes visionários guia suas nações em direção a novas realidades. Ainda segundo o vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1973, a maioria dos líderes se limita a administrar o status quo (aqui você encontra a minha curva de Gauss).

Outro personagem icônico, Steve Jobs, nesta [entrevista](https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=xchYT9wz5hk), logo após retornar à Apple em 1997, dá um testemunho de como grandes líderes são movidos por suas convicções pessoais.

# Se é Bayer é bom
Após cinco anos de prejuízos e perda de 50% do valor na bolsa, a [Bayer](https://open.spotify.com/episode/6fnVwgS5691O1xLukzIVIw?si=EtvxMwZnTHSGTmxsN0jctw) contratou um novo CEO. Embora tenha batizado o movimento de Dynamic Shared Ownership, Bill Anderson está, de fato, implementando os conceitos de agilidade e pretende reduzir camadas hierárquicas e eliminar 40% dos middle managers empoderando times autônomos.
Momentos de crise, como as grandes transformações socioeconômicas que estamos vivendo exigem esse nível de ousadia e coragem.
Tenho certeza de que muitos executivos acompanharão o experimento da Bayer de perto. Eu serei um deles.

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Marcelo Nóbrega

Marcelo Nóbrega é especialista em Inovação e Tecnologia em Gestão de Pessoas. Após 30 anos...

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