QQuando Caetano Veloso fez essa pergunta no final dos anos 1960, não podia imaginar que aquilo ainda era notícia pouca. O que são algumas dezenas de manchetes de jornais ante o fato de que, em 2014, foram trocados mais de 500 milhões de mensagens por dia no Twitter? O que são alguns leitores de jornais quando o Facebook fechou o ano passado com cerca de 1,2 bilhão de usuários e um volume de informação ainda mais exorbitante?
Redes sociais online como o Twitter e o Facebook são talvez a face mais aparente do fenômeno que está sendo conhecido como big data e servem para rapidamente nos dar uma ideia de como esse volume exponencial de informações vem impactando os seres humanos. Se, até recentemente, o big data era enxergado como um fenômeno principalmente tecnológico, agora isso está mudando, graças aos impactos que vem causando em nossa vida. Para que seja possível entendê-lo melhor, eu o separei em três fronts principais: nas empresas, na academia e na sociedade. Dados se referem a pessoas, são úteis para pessoas e são analisados por pessoas –de modo geral, pode-se dizer que um projeto de análise depende 70% das pessoas e 30% da tecnologia.
**NAS EMPRESAS**
De tempos em tempos, surge, nas empresas, o interesse por algum novo conceito que leva a inovação, melhor posicionamento ou maior market share, comumente acompanhado de metodologias e tecnologias. Muitas dessas novidades são efêmeras, mas a maioria traz benefícios para os negócios, ainda que nem sempre traduzidos em retorno sobre o investimento, e para as pessoas.
Assim como foram reengenharia, 6-Sigma, TQM, design thinking e universidades corporativas, o big data analytics é a vedete da vez no âmbito empresarial. Seus benefícios? Além de atender os CIOs com preocupações em relação a compliance, performance e gestão das operações, tem feito surgir toda uma economia movida por dados (data-driven economy).
A explosão informacional observada –os poucos terabytes de dados existentes em 2012 que já são muitos petabytes hoje– fez existirem dezenas de plataformas e ferramentas que cobrem de bancos de dados de alta performance a ferramentas de visualização e análise. Não há dúvida de que o big data analytics está mudando as empresas, com os profissionais passando a usar análise tanto nos processos operacionais como nos decisórios.
Mas o fenômeno também está mudando as pessoas dentro das organizações. Aos poucos, impõe mudanças no perfil da força de trabalho, adaptando-a a novas demandas. Devido ao alto grau de especificidade, experimentação e investigação, um projeto de big data demanda muito trabalho artesanal. Cerca de 70% do tempo e esforço gastos se destinam às fases preparatórias, quando a competência das pessoas é mais importante que a tecnologia.
Portanto, surge e se fortalece a figura do cientista de dados. Quem é? Trata-se de um profissional híbrido, que domina as competências necessárias para tratar quantidades maciças de dados, vindas de áreas pouco representadas nas organizações –estatística, matemática aplicada, linguística computacional, inteligência artificial, ciência da computação, ciência da informação, computação gráfica e visualização de informação, entre outras.
E, como essas disciplinas raramente são ensinadas nos currículos dos cursos de graduação de praxe, um novo tipo de negócio educacional emerge como efeito colateral do big data: os chamados nanodegrees. São cursos pontuais que visam promover o domínio de uma competência específica, em geral afinada com a necessidade do mercado, e que gera novas configurações também na academia.
**NA ACADEMIA**
O leitor deve estar acompanhando o imenso sucesso de empresas baseadas na internet como Coursera, Udacity e edX, que oferecem centenas de MOOCs (sigla em inglês de cursos abertos online), conquistando milhões de alunos em todos os continentes e proporcionando disseminação inédita de competências como o domínio de ferramentas e linguagens de programação.
Esses cursos não teriam tanto apelo não fosse o big data analytics. E estão transformando a academia e seus integrantes ao buscar reconciliar a formação das pessoas com as demandas do mercado. A influência do fenômeno no ambiente acadêmico também é percebida nas pesquisas de ciências humanas, onde já se fala de humanidades digitais. Elas nada mais são do que as ciências sociais embarcando na onda do analytics; entre outras coisas, elas incorporam ferramentas tecnológicas para fazer suas pesquisas.
Os excessos informacionais propiciam novas e desafiadoras formas de fazer pesquisa. Tomemos como exemplo o trabalho de revisão bibliográfica e estabelecimento do estado da arte, fundamental para qualquer pesquisa. Com a explosão na quantidade de relatórios e artigos instantaneamente publicados, há que se abandonar qualquer pretensão de completude.
São necessários recortes explícitos, e muitas vezes arbitrários, pois a quantidade de publicações e fontes disponíveis sobre assuntos específicos é frequentemente intratável. Exceto por estudos em campos de conhecimento mais perenes, como a filosofia, o fenômeno da rápida obsolescência torna o conhecimento produzido pela academia cada vez mais datado.
Analogamente, nas ciências exatas e naturais, tem-se popularizado o processo de pesquisa dirigida por dados (data-driven research), também conhecida como e-science. Nessa modalidade, realizam-se inúmeros testes de hipóteses em grandes massas de dados como preâmbulos exploratórios e, na medida em que se encontram caminhos promissores derivados dos dados, busca-se aprofundá-los quantitativa e qualitativamente, por meio de mudanças de foco interativas. Não adianta negar: com o big data, o método científico tradicional caducou. Mais cedo ou mais tarde, os cientistas terão de incorporar as novas dinâmicas em suas metodologias.
**NA SOCIEDADE**
E quais as consequências para a sociedade e os indivíduos? Aqui há algumas perspectivas positivas e outras nem tanto. Gestores públicos antenados preocupam-se em materializar as cidades inteligentes (smart cities) –onde dados coletados em sensores como câmeras, GPS, radares e outros, presentes nas redes de transporte público, rodovias, prédios inteligentes, drones etc., podem levar a um entendimento melhor dos problemas urbanos e à melhoria da qualidade dos serviços públicos e da vida em geral.
Percebemos também a bem-vinda democratização do acesso às informações, que pode fazer com que, por exemplo, as distorções da mídia fiquem mais explícitas e sejam bem mais facilmente contornáveis pelos cidadãos. No polo negativo, contudo, assistimos ao crescente aparelhamento de agências como a NSA norte-americana ou de gigantes empresariais como a Microsoft e o Google, em lutas com idealistas como Assange e Snowden. Ao nos espionarem, esses vilões contemporâneos lembram nossos temores sobre a evolução para uma sociedade de George Orwell, distópica, onde se garante o controle ideológico estatal.
Afinal, assim como eu, você deve estar vendo a Coreia do Norte e o Estado Islâmico crescerem nessa direção do controle das informações. Mesmo nas comunidades construídas em torno de redes sociais, assistimos a episódios de invasão de privacidade e vazamento de dados pessoais, não é verdade? E os excessos ainda trazem outros perigos, como os da alienação e do amortecimento dos juízos de valor, à moda do que ocorre em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Na verdade, é cada vez mais difícil estabelecer parâmetros para julgar a qualidade de uma informação e, nesse sentido, os excessos podem ser tão ou mais prejudiciais do que a falta.
**IGNORAR É PRECISO**
Para evitar os efeitos negativos aqui descritos e poder desbravar o século 21, você deve compreender as duas novas e fundamentais competências. Elas são a capacidade de ignorar seletivamente e a de reconhecer o essencial, que é invisível aos olhos –e ao analytics.