Se usa a mão direita para escrever, você pode desenvolver a mesma habilidade com a mão esquerda. E vice-versa. Mas imagine-se escrevendo simultaneamente com as duas mãos. Parece desafiador? Impossível?
Ambidestria organizacional é a capacidade de uma organização escrever simultaneamente com as duas mãos – no caso, atingir eficiência operacional com uma e buscar a inovação que constrói o futuro com a outra. Em um cenário de grandes transformações e rápida evolução tecnológica, as empresas garantem um desempenho sustentável quando idealmente (e paradoxalmente) combinam a flexibilidade e o poder de inovação de uma startup com um modelo de gestão de empresa madura, capaz de garantir resultados consistentes e escalabilidade. Como isso se traduz? Num planejamento 70:20:10, que preveja 70% do orçamento e dos esforços para o core business, 20% para áreas de crescimento e 10% para áreas de exploração.
Mas como conseguir chegar até esse ponto? Eis a pergunta que o presente artigo vem responder.
## Um princípio
Tudo começa por entender que uma transformação organizacional, qualquer que seja, é um processo sistêmico. E que, como tal, envolve uma mudança também no nível dos indivíduos. Não estamos falando somente do famoso “mudar o mindset”, e, sim, de se dar uma permissão. Trata-se de uma licença para que pessoas e organizações possam alcançar seu potencial máximo. Estamos nos referindo ao “estado de fluxo”, ou “estado de flow”, como se diz no jargão corporativo, como chave para alcançar o alto desempenho.
Em sua teoria do estado de fluxo, o psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi descreve o “flow” como um estado de total engajamento, em que as pessoas ficam 100% presentes e focadas, se sentem bem e fazem o seu melhor. Em seu best-seller, A Arte do Impossível”, Steven Kotler define o fluxo como “o código-fonte da motivação intrínseca” e defende que a produtividade aumenta 500% durante esse fluxo.
As pessoas entram em flow quando encontram motivação e inspiração nos desafios da organização, demonstram foco e determinação para questionar a situação atual – e para implementar mudanças significativas –, e conseguem explorar a sua criatividade no dia a dia e manter uma abordagem de aprendizado contínuo.
Organizações também entram em flow. Isso acontece quando saem de sua zona de conforto e ajustam suas competências internas de acordo com os desafios do mercado. Esse é o estado de fluxo organizacional.
## três pilares
A metodologia Ambidestra, que é o nome da nossa consultoria, estimula ativamente os comportamentos, com base em três pilares.
### DIREÇÃO E TRANSFORMAÇÃO – Propósito e foco para a transformação
A clareza de direção e visão da organização é construída a partir de diferentes processos de planejamento estratégico. No entanto, é essencial afastar-se da abordagem meramente analítica, lógica e linear, que busca preservar ou só aprimorar produtos ou modelos de negócio existentes.
É preciso evoluir para uma abordagem de estratégia centrada em inovação, na qual a tomada de decisões se baseia em colaboração e interações constantes. Isso abre espaço para o desenvolvimento e, também, para o teste de um portfólio de inovações e novos modelos de negócios. Para isso, sugerimos três passos:
1. Começar definindo o MTP da organização (sigla em inglês de propósito transformador massivo), ou seja, o porquê de sua existência. O MTP deve ser altamente ambicioso, buscando resolver desafios significativos da sociedade e estar em sintonia com crenças e valores da empresa.
2. Construir uma visão de planejamento estratégico através de uma abordagem ambidestra, ou seja, que contemplem a evolução do negócio e que busquem também oportunidades em áreas desconhecidas pela organização.
3. Garantir que todos os esforços estejam alinhados e que haja compreensão e engajamento sólidos dos colaboradores, promovendo clareza e motivação em relação aos pontos definidos acima.
### PESSOAS E CULTURA – Molde que garante coerência e conexão
Estratégia e cultura são duas frentes-chave para equilibrar o resultado e a eficácia dos negócios. A estratégia oferece a visão e as prioridades que trazem orientação. Por outro lado, a cultura serve como alicerce dos comportamentos, valores e crenças que sustentam a execução dessa estratégia. As normas culturais determinam o que é aceitável ou rejeitado dentro de um grupo; e, com frequência, observamos desalinhamentos acontecendo no dia a dia. Recomendamos seguir três passos neste processo:
1. Examinar os valores, comportamentos, ritos e símbolos que regem a organização e avaliar se estão congruentes com o propósito e a estratégia da empresa. A partir desse diagnóstico, é necessário considerar a necessidade de reformular esse sistema de crenças.
2. Com base nesse novo pacto cultural, é essencial avaliar quais pessoas estão em sintonia com os objetivos da organização, especialmente a liderança. É amplamente reconhecido que a cultura organizacional reflete o perfil de suas lideranças, e, para que a cultura seja percebida e disseminada, os líderes devem estar alinhados com o propósito da transformação e demonstrar os comportamentos desejados. Durante essa jornada, identificamos oito virtudes fundamentais do líder ambidestro: adaptabilidade, autorresponsabilidade, criatividade, determinação, eficiência, generosidade, sensibilidade e vulnerabilidade. Além disso, é importante estabelecer os rituais e símbolos que sustentarão essas mudanças na prática, como formatos de reuniões, sistemas de reconhecimento, celebrações e o ambiente de trabalho – seja físico ou virtual.
3. Como suporte ao desenvolvimento das equipes, além de ampliar repertório técnico (hard skills) como inovação e digital, as habilidades comportamentais (soft skills) são tão importantes quanto. Entre elas, o desenvolvimento do equilíbrio das energias femininas e masculinas – inatas do ser humano. É importante ressaltar que a mudança de comportamento e de hábitos requer persistência e disciplina.
### ESTRUTURA E PROCESSOS – Sistema que suporta a operação
A estrutura organizacional também precisa de adaptações para facilitar a transição entre os dois mundos. Dependendo da dinâmica e da diversidade da organização, diferentes formatos podem ser considerados, para que a transição seja leve e responsável para todos que fazem parte dela.
Algumas empresas optam por separar as equipes que estão explorando novos negócios ou conceitos. Outras estabelecem parcerias com aliados de fora da organização, a fim de implementar modelos diferentes daqueles om que estão acostumados. Há as que preferem adotar princípios de agilidade, formando equipes com base em desafios específicos, não presos a estrutura do organograma.
Em todos os casos, o objetivo central deve ser o de reforçar a resiliência da organização, aprimorando habilidades com agilidade e criatividade, para responder de modo adequado às transformações externas. Para isso, recomendamos três passos:
1. A estrutura e os processos devem refletir a estratégia, e as equipes devem se organizar levando em consideração as competências de cada indivíduo e as ferramentas adequadas.
2. Ter clareza quanto às responsabilidades para que as pessoas possam ter autonomia ao desempenharem suas funções da melhor maneira.
3. Desenvolver um “jeito de operar”, ou seja, uma comunicação que traga transparência, clareza e estimule a curiosidade e a criatividade das pessoas em um ambiente de aprendizagem contínua.
__ESSA METODOLOGIA__ não é um modelo de gestão, mas um caminho para a transformação organizacional. A busca constante para atingimento do flow pessoal e organizacional é a chave para enfrentar os desafios do mundo em constante mudança.
COMO FLUI UMA PESSOA AMBIDESTRA
VP DA FESA TEM SEMPRE UM PLANO B E BUSCA CONTROLAR SEU FUTURO
Na década de 1980, Miguel Monzu era um jovem estudante do último ano de medicina. Hoje, aos 57 anos, é um C-level de uma companhia que nada tem a ver com a área da saúde – é sócio e vice-presidente do Grupo Fesa, que, mais do que uma empresa de executive search, posiciona-se como um ecossistema de soluções de pessoas. Mais do que isso, tornou-se uma pessoa ambidestra, que aprendeu a fluir.
Sua história mostra isso. Apesar de querer ser médico desde os 6 anos, foi no fluxo quando um executivo da farma Boehringer Ingelheim o abordou após uma palestra que, ainda estudante, fez para pais sobre métodos anticoncepcionais para que orientassem os filhos. Foi fazer um trabalho free-lancer na farma, abandonou o curso de medicina incompleto (e o sonho infantil) e nesse setor passou os 30 anos seguintes.
Na Boehringer Ingelheim, logo após o job, Monzu foi contratado para ser gerente do produto. Ele se encantou. “Era uma dureza danada para pagar a faculdade, e me ofereceram salário, carro da empresa, seguro saúde…” Foi promovido e passou a ser responsável pelo treinamento da força de vendas da companhia. Além da Boehringer, Monzu atuou na Abbott, Novartis e Sanofi, sempre na área comercial e de marketing, chegando ao cargo de diretor executivo.
Os 40 anos de idade chegaram, e ele se perguntou: “se eu tivesse mais 40 anos de vida, faria a mesma coisa?” Recebendo de si mesmo um “não” como resposta, lembrou que gostaria de trabalhar em recursos humanos. Contratou um planejador financeiro para ajudá-lo a dar uma guinada sustentada na carreira. Também foi atrás de um diploma de administração de empresas (já que não tinha nenhum) para poder fazer um MBA de gestão de pessoas. E, em 2003, mudou-se para o RH da AstraZeneca – e logo abarcou também comunicação. Novamente fluiu – dessa vez, no contrafluxo dos demais, já que a praxe é ir do back-office para uma área de negócios, não o contrário. Hoje está há seis anos na Fesa, com mais três sócios – um tem 38 anos, uma tem 32 e o terceiro tem 26. Fluir intergerações é sinal de ambidestria.
Monzu não usa o nome “ambidestro”, mas dois fatos evidenciam essa autopermissão: tem sempre plano B e faz questão de assumir o controle de seu futuro e de escolher as cadeiras que vai ocupar. Ao menos, três posturas o habilitam a isso: (1) ele sempre opta por aprender, no trabalho e na vida pessoal – isso ilustrado pelo fato de que, se quer uma floreira em casa, faz uma em vez de comprar; (2) aposta em desenvolver suas soft skills e (3) tem a longevidade profissional como premissa.
Fonte: Sandra Regina da Silva