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“Vamos fazer o que nunca fizeram antes”

Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA que ganhou o Prêmio Nobel da Paz por seu alerta à crise climática, volta a chamar a atenção do mundo para a necessidade de preservar o futuro ativamente; nesta entrevista exclusiva, ele avisa que as empresas têm papel protagonista no esforço

Adriana Salles Gomes

Adriana Salles Gomes é diretora-editorial de HSM Management....

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> **Saiba mais sobre Al Gore**
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> Carreira: Advogado, filantropo, político e empresário norte-americano, aluno de Harvard e combatente na Guerra do Vietnã, foi membro democrata do Congresso de seu país por 24 anos, além de vice-presidente de Bill Clinton, entre 1993 e 2001. 
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> **Diferenciais:** Popularizou o aquecimento global com seu livro  Uma Verdade Inconveniente, convertido em documentário, pelo qual recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Seu novo livro,  O Futuro, segue o mesmo caminho. 
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> **No Brasil:** Al Gore estará na HSM ExpoManagement 2014, em novembro próximo, para falar do futuro.

Nos últimos sete anos, a Amazônia sofreu duas estiagens do tipo que só acontece a cada cem anos. Com a atual terceira onda de desmatamento e queimadas, promovida em nome de negócios da agricultura e da pecuária, a previsão dos cientistas é de que a maior floresta tropical do mundo se transforme, com o passar do tempo, em um vasto deserto. Esse é o tipo de alerta, absolutamente concreto, que Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, político e empresário, faz em seu livro mais recente, O Futuro. 

Aos que conseguem imaginar um deserto amazônico, a visão é tão assustadora quanto a dos monstros e robôs destruidores dos filmes de terror futuristas. Só que, no cinema, há sempre um herói para debelar a ameaça, ainda que o faça com imensa dificuldade. E na vida real? Ao que parece, é preciso responder a três perguntas-chave antes de obter uma resposta com algum sentido: 

(1) “Qual é a fonte da ameaça?”, 

(2) “Quem é o herói potencial?” e 

(3) “Como o herói vence a imensa dificuldade existente?”. 

Nesta entrevista exclusiva a HSM Management, Al Gore não se concentrou na ameaça específica à Amazônia, nem culpou apenas países emergentes como o Brasil; ele abordou o que seria um gigantesco risco à sobrevivência da espécie humana e definiu a responsabilidade pelo problema e pela solução como coletiva. Seu tom, na entrevista, foi mais otimista do que o percebido no livro. “Grandes desafios costumam trazer grandes oportunidades, além dos riscos, e temos as ferramentas para lidar com isso”, observou o político quando confrontado com a teoria da abundância de seu conterrâneo Peter Diamandis, empreendedor para quem os desafios do futuro serão vencidos com empreendedorismo. 

Gore ofereceu o próprio exemplo de empreendedorismo para iniciar a conversa. “Até agora, registramos muito sucesso com o Climate Reality Project, organismo que fundei em 2006 para disseminar a verdade sobre a crise climática e despertar a capacidade de liderança em cidadãos do mundo inteiro em busca de uma solução”, afirmou ele, acrescentando que, no final de 2014, estará no Brasil para treinar novos líderes de toda a América do Sul no âmbito desse projeto. 

Gore também vê razões para esperança na conscientização dos clientes empresariais de sua firma de consultoria, a Generation Investment Management, quanto ao imperativo de tomar decisões para o longo prazo. Como, a seu ver, empresas estão na raiz das ameaças ao futuro de nossa espécie, a mobilização delas lhe dá alento. “Vamos fazer o que nunca fizeram antes para preservar o futuro”, declarou ele, em meio às respostas para as três perguntas-chave. E avisou: líderes são cruciais.

FONTES DA AMEAÇA 

Gore indica que as empresas o são ao focar o curto prazo, seja quando investem em monoculturas comerciais, petróleo e tecnologias sem observar os riscos ao planeta, seja quando impõem seus interesses a governos e mídia. Tanto a crise climática como os seis desafios que dificultam seu enfrentamento [veja quadro ao lado] e ameaçam a sobrevivência de nossos descendentes são associados, no livro de Gore, à ação destrutiva das empresas, que ele trata como “Terra S.A.”, e seu foco no curto prazo. 

Por exemplo, ao tratar do novo equilíbrio de poderes, Gore escreve que a democracia foi “hackeada”: “Há controle das elites sobre as decisões políticas, o que conduz à paralisia dos governos em relação a reformas necessárias e leva a crescentes desigualdades sociais”. É isso que explica por que os EUA perderam sua condição de líderes, segundo ele –“o país já não tem a mesma autoridade moral para fazê-lo, uma vez que os valores expressos em sua Constituição hoje se perdem diante dos interesses das corporações”. 

O fato de a mídia não ser mais vigilante e combativa em seu papel de quarto poder, segundo Gore, pode ser atribuído também à crescente influência das empresas –anunciantes– sobre seu conteúdo, tirando-lhes a independência e a integridade necessárias. Ainda no livro, outra crítica do ex-vice-presidente dos EUA às companhias e ao capitalismo atuais diz respeito ao que ele chama de “robosourcing”, a substituição que as empresas vêm fazendo da mão de obra humana por tecnologias que oferecem maior eficiência. 

Gore ataca, por fim, a tendência de apresentar soluções simples para problemas complexos,  própria do mundo dos negócios. Ele o faz, por exemplo, ao citar as propostas de geoengenharia para resolver a crise climática. Uma delas é a de instalar bilhões de pequenas tiras de papel-alumínio ao redor da Terra para aumentar a reflexão da luz solar e, assim, esfriar a temperatura do planeta, algo que não considera, entre outras coisas, o impacto do bloqueio parcial de luz na natureza.

**6 DESAFIOS: AS RAZÕES  DE TUDO  MUDAR**

**Trabalho:** Terceirização e substituição de trabalhadores humanos por máquinas  e robôs (robosourcing),  o que ameaça empregos.

**Comunicação:** Internet e aparelhos cada vez mais inteligentes, capazes de conectar bilhões de pessoas e um crescente volume de dados (big data).

**Poder:** Novo equilíbrio de poder, em que a capacidade de influência flui de governos  para empresas, do Ocidente para o Oriente, dos países maduros para os emergentes.

**Demografia:** Crescimento populacional rápido e destrutivo, por seu impacto ambiental, e concentração das pessoas em cidades.

**Biotecnologia:** Controle da evolução em mãos humanas –atributos físicos, forças e propriedades de plantas, animais e pessoas podendo ser alterados por conta da revolução nos estudos dos genomas e nas ciências da vida.

**Mudança climática:**  O problema do aquecimento global, sua ameaça aos alimentos e à água, o desalojamento de pessoas.

**HERÓI POTENCIAL**

Gore diz que líderes diversos são os agentes para enfrentar os desafios; a liderança precisa espalhar-se por todos os setores da sociedade e cantos do planeta. “As responsabilidades pelo futuro pertencem a todos os envolvidos. 

Os desafios que nos esperam não podem ser enfrentados apenas pelos governos; empresas e pessoas têm de participar deles, no que eu chamo de diversidade de liderança”, afirmou Gore na entrevista à HSM Management. O político explicou que todas as mãos devem entrar em ação para administrar nossa nova realidade econômica. “O confronto desse tipo de desafio exige uma liderança consistente por parte dos cidadãos, das empresas e dos governos; caso contrário, não conseguiremos garantir que nossa civilização avance de maneira saudável e próspera.” 

Confronto inclui um monitoramento e uma ação em detalhes da vida cotidiana que só uma liderança distribuída possibilita. Um exemplo é o dos limites que precisam ser impostos às novas tecnologias. “O potencial para que a biotecnologia revolucione a saúde humana não tem limites, é claro, mas   vários senões devem ser considerados”, lembrou Gore. Outro caso é o de tecnologias como veículos sem motorista ou jornais feitos com algoritmos –e o potencial desemprego que vão gerar. “As previsões de desemprego muitas vezes foram eclipsadas por um grau mais elevado de criatividade e descoberta”, ponderou. Mas houve liderança. Quando mencionou o envolvimento das empresas na tarefa, o ex-vice-presidente fez questão de se referir tanto às grandes como às pequenas e às organizações não governamentais (ONGs).

**COMO VENCER A DIFICULDADE**

**Gore enfatiza a importância de agir como nunca se agiu antes, adotando estímulos novos a estratégias de longo prazo, e focando soluções nos centros urbanos.** 

Para o político e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, é absolutamente possível que os representantes da geração atual superem um desafio historicamente inconcebível, fazendo o que nunca fizeram antes. “Se, há 70 anos, por exemplo, milhões de pessoas em diferentes países uniram forças para defender a liberdade social das ameaças do fascismo, por que isso não pode acontecer agora?”, argumentou ele. 

Gore mostrou-se preocupado com o excesso de confiança de alguns líderes, em especial os que explicam tudo pela religião e pela ciência, na própria capacidade de compreender a complexidade atual. “Alguns dos maiores líderes da história foram pessoas que conseguiram combinar de modo eficiente as informações de domínios diferentes, apesar da complexidade envolvida.” “Também precisamos de uma nova métrica capaz de aferir com precisão as externalidades mais variadas. No contexto do desenvolvimento econômico e das mudanças climáticas, temos de contabilizar, por exemplo, os 98 milhões de toneladas de detritos lançados na atmosfera a cada 24 horas”, afirmou Gore na entrevista, acrescentando não ser admissível que o negócio de petróleo gere impacto positivo no desempenho de um país, como ocorre com a métrica do PIB. “Devemos calcular também o esgotamento desmedido de recursos naturais, como água e solo, ou não estimularemos empresas e pessoas a adotar o que é melhor para o futuro do planeta”, disse ele a HSM Management. 

A substituição do investimento de curto prazo e do capitalismo baseado em resultados trimestrais por estratégias de investimento sustentável em horizontes mais longos é outro dos mecanismos da virada que precisa ser dada. Gore acredita que a transição, embora ainda longe de ser completada, já se tornou irreversível. “Hoje, em 79 países, a energia solar tem custo igual ou menor ao das opções derivadas de petróleo e carvão; são países em desenvolvimento, em geral, que pularam as grandes redes de energia dependentes de usinas geradoras e foram diretamente para o modelo de geração distribuída, com energia eólica e sistemas de captação de energia solar, assim como pularam a adoção da telefonia fixa para ir diretamente aos telefones celulares.” 

Como a lógica é que, quanto mais disseminado o uso de uma modalidade energética, mais seu preço cai, a tendência é isso gerar uma reação em cadeia mundial a favor das energias renováveis. E a insistência do Brasil em explorar a camada pré-sal de petróleo? Gore a critica, argumentando que investir em uma energia renovável capaz de garantir um futuro econômico sustentável é um negócio especialmente vantajoso para países ricos em recursos naturais. O ex-vice-presidente dos EUA mostra-se confiante no aumento gradual do número de empresas conscientes da mudança que deve ser feita. 

A prova, segundo ele, é que mais de 750 companhias norte-americanas assinaram um documento que reivindica que os legisladores estaduais e federais comecem a considerar questões associadas ao clima. Outro motivo de ânimo de Gore vem, por incrível que pareça, da urbanização, uma das tendências demográficas que mais devem afetar o futuro. “Estima-se que, por volta de 2025, 37 cidades do mundo terão mais de 10 milhões de habitantes. Você imagina isso?” 

No entanto, ele sabe que, se criam problemas, aglomerações urbanas  podem ser concentradoras de soluções também. “Nos EUA, metrópoles como Nova York e Los Angeles vêm assumindo a dianteira no combate às mudanças climáticas”, garantiu o político norte-americano. “No ano passado, o prefeito de Los Angeles anunciou que, já em 2025, o consumo energético da cidade não mais utilizará carvão; Nova York está se empenhando para atingir uma redução de 30% nas emissões que contribuem para o aquecimento global também até 2025.”

> **EMPRESAS QUE JÁ ADMINISTRAM  O LONGO PRAZO**
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> _Al Gore destaca o fato de a energia elétrica renovável ser adotada por mais e mais empresas_
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> Segundo Al Gore, desde 2004, tem havido uma mudança profunda das empresas em direção ao investimento sustentável. “Corporações de todo o mundo já compreendem que o uso insustentável e irresponsável dos recursos do planeta, entre eles a atmosfera, não só prejudica a relação com seus clientes, como também pode impactar os resultados de maneira negativa”, afirma o autor de O Futuro. 
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> Na entrevista a HSM Management, ele ofereceu exemplos de conscientização corporativa, do Walmart, maior grupo supermercadista dos Estados Unidos, à Apple. “o Walmart pretende multiplicar seu uso de energia renovável em seis vezes até 2020; o Google investiu mais de US$ 1 bilhão em projetos de energia limpa para abastecer seus data centers, que consomem imensa quantidade de energia; e a Apple, que já alimenta seus data centers com 100% de energia renovável, pretende usá-la em todas as suas instalações.” Gore complementa que outras empresas conhecidas, como Kohl’s, Staples e Whole foods, também se comprometeram a fazer com que a energia que consumirem seja renovável.

**CONFIANÇA NA VIRADA**

A mobilização internacional tem o precedente da Segunda Guerra, relembra Gore. Apenas duas vezes na história o futuro da civilização esteve em risco, escreve Al Gore em O Futuro: no início do período do Homo sapiens sobre a Terra, há 100 mil anos, quando a população teria se reduzido a menos de 10 mil pessoas, segundo os antropólogos, e sobrevivido não se sabe como, e no auge da Guerra Fria, quando os EUA e a ex-URSS chegaram perto de disparar seus arsenais nucleares, mas o evitaram. “Hoje, enfrentamos um desafio maior, de escalas sem precedentes e diferente de tudo o que já houve; por isso, precisamos fazer o que nunca fizeram antes. Seremos capazes? É claro que sim. A tarefa exigirá o melhor de nós, mas tenho certeza de que teremos sucesso.” Uma iniciativa de liderança bastante simples –o questionamento dos cidadãos, a candidatos em eleições, sobre a crise climática e os seis desafios– já pode fazer diferença.

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