Dossiê HSM
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Diversidade além do discurso

É inegável que houve a pressão por ampliar processos de recrutamento e seleção com foco em diversidade, equidade e inclusão, mas a superficialidade ainda é inimiga de ações afirmativas

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O que lhe vem à mente quando o tema é diversidade? Para algumas empresas, o termo vem acompanhado da palavra “obrigação”. Outras nem sequer tratam do assunto em suas rotinas. Porém, em uma época em que o mercado começa a compreender a importância da humanização dos processos, as estratégias para promover diversidade e inclusão, além de ferramenta social, se tornam um diferencial competitivo.

As empresas podem e devem pensar em diversidade para dar oportunidades a minorias e ajudar grupos sub-representados e injustiçados a atingir seus objetivos pelo trabalho. “A empregabilidade é uma ferramenta excepcional de inclusão. É muito poderoso quando uma organização dá acesso a pessoas que não tiveram muitas oportunidades”, afirma Kleber Piedade, CEO da Matchbox, startup de recrutamento e seleção.

Mas além de obrigação e ferramenta social, a contratação de pessoas diversas tem um lado ainda pouco explorado pelo mercado: pessoas diferentes, com trajetórias e lutas diferentes, trarão jeitos de pensar e agir diferentes, o que dá às empresas uma vantagem competitiva em qualquer setor da economia.

“Promover diversidade com a motivação de correção histórica já deveria bastar, mas como parece não ser o suficiente, temos estudos que mostram que a performance de empresas diversas é melhor”, explica Djalma Scartezini, sócio da Egalitê, empresa especializada em projetos para empregabilidade de pessoas com deficiência. Uma dessas pesquisas já ficou famosa. Divulgada pela consultoria McKinsey em 2018, ela mostrou que empresas mais avançadas em diversidade de gênero eram 21% mais propensas a ter lucro acima da média.

O foco da Egalitê é ajudar outras companhias na inclusão de pessoas com deficiência. A empresa tem uma base com mais de 35 mil candidatos e desenvolveu um sistema para analisar o perfil comportamental das pessoas e ligá-las a posições que as contratantes precisam preencher.

## A importância da diversidade cognitiva
A formação de equipes diversas tem, além dos entraves sociais, barreiras comportamentais de líderes que tocam os processos de recrutamento e seleção. “É comum que a pessoa contrate alguém que se pareça com ela, é um lugar de segurança”, afirma Scartezini. William Cerantola, sócio da Plexus Consultoria e professor da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), explica que o viés cognitivo é importante no momento da contratação, já que molda preferências – conscientes ou não – de cada um. “Não temos uma observação isenta da realidade, cada um enxerga a partir de uma perspectiva, influenciada pela família, vivência religiosa, experiência acadêmica e outros fatores”, diz.

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O viés cognitivo pode ser observado em várias situações cotidianas: uma pessoa que comprou um carro novo, por exemplo, pode achar que há muitos modelos como o seu rodando nas ruas porque tem um olhar treinado para identificar esses veículos. Enquanto outras, que não se importam com isso, acham que o número de unidades está dentro da média. A realidade é a mesma, mas os jeitos de observá-la são diferentes.

Além de fatores sociais como racismo, machismo e capacitismo, o viés cognitivo pode diminuir a diversidade nas empresas, já que líderes tendem a contratar pessoas parecidas com eles mesmos. “Nosso cérebro tem de 4% a 5% da massa corporal, mas consome cerca de 25% de nossa energia, então ele foi treinado a identificar padrões para economizar energia, como uma solução evolutiva para a tomada de decisões. Quando usamos padrões, chegamos a conclusões parecidas em diferentes situações”, diz Cerantola, que é formado em ciências biológicas e estuda neurociência.

Esses padrões entram em cena em qualquer situação de nossas vidas – incluindo processos de recrutamento e seleção. “Se, durante uma conversa, vamos percebendo que temos coisas em comum com a outra pessoa, vamos nos abrindo e nos sentindo mais seguros”, explica Scartezini, da Egalitê.

Porém as empresas que não se esforçam para se livrar desses vieses em seus processos de seleção sofrem as consequências disso. “Não vai ter ninguém para desafiar o status quo, perde-se a capacidade de divergir. Quando paro de ouvir o que o outro tem a dizer, perco a capacidade de inovar e ter criatividade”, diz Scartezini.

É preciso esforço para criar aberturas para a diversidade cognitiva. Vieses são naturais, e aqueles que se tornaram dominantes são uma construção social, então eles não serão desconstruídos sem que haja empenho. Nos processos seletivos, Cerantola afirma que é preciso criar situações que valorizem pensamentos e soluções diversas, como “dinâmicas sem resposta correta para criar espaços em que a solução não precise seguir o que os recrutadores definiram como certo”. O especialista afirma que podemos aprender com a natureza da raça humana. “A evolução não traz uma resposta definitiva, e sim um ajuste a mudanças de ecossistema. É um processo de tentativa e erro que precisamos trazer para as organizações”, diz.

Recrutamento às cegas funciona?
Prática vem ganhando adeptos, mas tem seus críticos

Diante do esforço de empresas para contratar diversidade, uma solução se apresentou como forma de reduzir o preconceito no momento da contratação. O recrutamento às cegas, ou recrutamento oculto, não é novo – em 1952, a Orquestra Sinfônica de Boston (EUA) tentou aumentar a diversidade de gênero em seu time com essa prática.

A ideia é eliminar do processo seletivo tudo o que possa causar discriminação de candidatos. As empresas focam apenas o que é necessário para a vaga e para a cultura da companhia, como as habilidades comportamentais dos profissionais. Informações como nome, gênero, idade e até instituições de ensino podem ser descartadas nesses processos.

A Huddle, uma startup de recrutamento e seleção que usa o recurso em seus processos seletivos, tem produtos para apoiar empresas que querem fazer recrutamento oculto. Para o CEO da empresa, Fernando Bueno, esse modelo funciona e é capaz de reduzir vieses que recrutadores carregam. “Quando você diminui isso, avalia as pessoas com base em suas capacidades, em seu comportamento”, afirma.

Para ele, além de benefícios para a empresa, esse modelo traz percepções positivas para os candidatos. “Quando uma pessoa se interessa por uma vaga, mas encontra no processo as mesmas etapas que a eliminaram em outras seleções, ela não vai se engajar. Com filtros diferentes, as pessoas têm a sensação de que a experiência nessa empresa pode ser diferente”, diz.

Porém esse tipo de processo não é unanimidade. Há quem critique o recrutamento oculto, afirmando que a retenção dos profissionais contratados nesses processos é um dos grandes problemas. Reinaldo Bulgarelli, secretário-executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, diz que “num segundo momento”, após os processos seletivos, “a diversidade que apareceu retrocede e a discriminação volta”. Aqui, ele fala sobre empresas que não têm uma cultura que valoriza a diversidade. Nesses casos, pessoas que fazem parte de grupos minoritários podem se sentir excluídas ou até mesmo ser discriminadas no ambiente de trabalho, o que aumenta a chance de deixarem a companhia.

“Empresas que agem bem nesse tema (de diversidade) querem ir ao encontro das características das pessoas, e não sumir com elas”, afirma Bulgarelli. Para ele, a contratação via recrutamento oculto ainda traz efeitos colaterais: “Passa a mensagem de que não confio em minha liderança, que são todos preconceituosos. Para a pessoa candidata, passa a mensagem de que ela precisa se esconder”.

Bueno, da Huddle, diz que, além do processo oculto, é preciso ter iniciativas de comunicação inclusiva e representatividade na liderança para a retenção dos profissionais. Bulgarelli concorda. Para ele, o recrutamento oculto não é a solução de todos os problemas relacionados à diversidade. As empresas que quiserem adotar esse modelo devem continuar fazendo o dever de casa, criando um ambiente plural e acolhedor, cuidando da maneira como comunicam suas vagas e punindo ações desrespeitosas e preconceituosas. “É uma opção de solução, mas não podemos perder os problemas de viés nas seleções e avaliações injustas de vista”, conclui Bueno.

## Genuinidade e profundidade
Os processos de tentativa e erro, porém, precisam ser genuínos. Consumidores e profissionais estão cada vez mais atentos às motivações por trás das iniciativas. “Estratégias de diversidade podem ser maravilhosas ou ser só ‘diversity washing’ (engajamento presente no discurso, mas ausente na prática). Não podemos apenas mostrar que somos algo, é preciso entregar”, diz Scartezini.

Antes de mostrar para o mercado qualquer iniciativa, a Matchbox tratou de fazer o dever de casa: colocou em suas soluções gamificadas de recrutamento e seleção ferramentas de acessibilidade para auxiliar pessoas com deficiências auditivas e visuais. A Air, agência especializada em comunicação corporativa, criou, há três anos, um núcleo de diversidade. “Já recusamos propostas de empresas que queriam trabalhar programas de diversidade, mas que eram diversas só da porta para fora”, diz Bell Gama, sócia-fundadora da Air.

Além de genuínas, as estratégias de diversidade e inclusão devem ser profundas e permear todos os níveis das organizações para que a sociedade esteja, de fato, representada em sua estrutura. “Muitas empresas pensam que contratar pessoas pretas, com deficiência e membros da comunidade LGBTI+ resolve o problema, mas não é bem assim”, afirma Scartezini.

Casos assim podem se enquadrar na prática de “tokenismo”, ou seja, o esforço simbólico que uma empresa faz ao contratar um número pequeno de pessoas de grupos minoritários para gerar uma aparente representatividade na organização. “Devemos espelhar o que a sociedade é nas empresas”, completa o sócio da Egalitê.

Um estudo global da consultoria PwC de 2020 aponta que 76% das empresas participantes listaram programas de diversidade e inclusão como temas prioritários para elas. Porém um outro relatório, também global, mas dessa vez feito pela Great Place to Work (GPTW), mostrou que 24% das empresas tinham diversidade e inclusão como um aspecto prioritário em 2019. O que era pouco diminuiu ainda mais: em 2021, apenas 17,9% mantiveram a afirmação. Os números mostram que a diversidade está presente no discurso das empresas, mas não na prática. A superficialidade é inimiga de ações afirmativas, e quem perde é a sociedade.

Se os espaços para as minorias não vão se abrir naturalmente, é preciso que as estratégias sejam bem definidas e seguidas à risca, como a PwC mostrou em um relatório {veja quadro abaixo}. Além disso, a reflexão sobre os vieses cognitivos mostra que nossa tendência é manter o status quo – ou seja, o futuro só toma outra direção se houver muito esforço. Um esforço que precisa ser profundo e genuíno e que, de quebra, vai gerar ótimos resultados.

As especificidades da diversidade

### A maneira de comunicar uma vaga importa? Por quê?
__Bulgarelli__: É necessário rever a estratégia, desde o cuidado com o anúncio da vaga, com a imagem escolhida e texto. Isso pode mostrar que a empresa está comprometida, senão as pessoas não se identificam. Não é prometer um paraíso e fingir que está tudo pronto na empresa, é atrair quem vai construir esse compromisso com a diversidade.

__Goldenberg__: É preciso mostrar que a empresa acredita e investe em diversidade de gênero, qual seu posicionamento e quais medidas toma para alcançar a equidade de gênero. Mulheres talentosas procuram organizações que, de fato, tenham cultura com diversidade genuína. É preciso descrever as vagas pensando nelas; muitos termos são masculinos e até desencorajam a inscrição de mulheres.

### Qual a postura desejada dos recrutadores em entrevistas?
__Goldenberg__: Estruturar os processos e excluir perguntas profundas sobre filhos, como “Quem vai cuidar?” – isso já afeta o desempenho das mulheres. Não se deve perguntar sobre expectativa salarial, porque pesquisas mostram que mulheres dizem que esperam menos que os homens, e a diferença salarial começa aí. Em vez disso, tem de dizer qual o salário da posição e perguntar se atende ou não.

__Bulgarelli__: Chega a ser ofensivo para candidatos LGBTI+ o entrevistador impor uma visão cis-heteronormativa, perguntando se você é casado, se tem esposa. Já mostra que a empresa não sabe lidar com diversidade. O candidato também avalia a empresa numa entrevista. Também não é legal “fazer gracinha” porque a pessoa se apresenta como gay.

__Del Rey__: É de bom tom prestar atenção a trajetórias, costumes e cultura. As pessoas negras são pessoas com hábitos que estão totalmente relacionados a seus históricos de vida e de mobilidade social. Prestar atenção e respeitar as individualidades é positivo na criação de um ambiente harmonioso. Perguntas do tipo “Como você lava seu cabelo?” ou “Posso tocar em seu cabelo?” não cabem.

### Identificar diversidade na equipe de recrutamento faz diferença?
__Goldenberg__: As empresas podem montar painéis de recrutamento com grupos minorizados para que a escolha não dependa apenas de uma pessoa. Além disso, é preciso que os recrutadores tenham treinamentos para reduzir os vieses inconscientes.

__Del Rey__: O modo de pensar racista de quem recruta é intangível e não aparece tão facilmente, mas em alguns casos é explícito. Ser analisado por competência e currículo é o grande sonho de uma pessoa negra nesse processo. Como a cor chega primeiro, há um desconforto quando negros são analisados somente por pessoas brancas – isso é um convite para que empresas introduzam mais pessoas negras em seus RHs.

Artigo publicado na HSM Management nº 154

__Leia também: [Como conseguir o match nas contratações](https://www.revistahsm.com.br/post/como-conseguir-o-match-nas-contratacoes)__

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